O irmão do Tails

Meu alterego…

Dos tempos dos janelões do MSN, em meio aos entendidos no famoso ouriço azul da Sega (onde, até hoje, não sei como parei lá), encontrei amigos de longe, muito longe, tão longe quanto a imaginação de um adolescente perdido podia imaginar naqueles tempos.

Eu volto lá por 2008, em uma época de indecisões, muitas inseguranças e um lado pueril que não cabia mais num jovem de 19 para 20 anos tentando entender o mundo a volta partindo do recanto no Progresso e das limitações que ele mesmo se colocava.

E nestas de deixar-me imaginar um mundo alternativo entre personagens japoneses caí na fauna do Sonic, e na fauna do Sonic encontrei muitas pessoas. Jovens, alguns mais novos e na escola, outros mais velhos e com trabalho consolidado. Garotas, rapazes, mentes, fãs dos games de que ouvia falar mas não curtia… como eu parei ali?

Claudio de Almeida Jorge, o Heax que até hoje o chamo assim (e tantos outros amigos dele, claro). Um dia já dissera a ele que um dos motivos de encarar e descobrir o gosto pelo rádio foi acompanhando transmissões que ele fazia em web radio dos torneios de futebol virtual que promovia no Fórum Portal Sonic. Passatempo que descobri por acaso, deixando o som ligado e ouvindo de tudo e mais um pouco numa noite de domingo despretensiosa.

O mundo novo da internet, tão insipiente, onde a gente ouvia vozes distantes e conhecia realidades também distantes, muito distantes de nossos olhos e do dia-a-dia. Era um país todo, as vezes até o mundo (recordações de Carolina Moreira, de Portugal), que se abria num toque naqueles bonequinhos do MSN ou na gota azul do Skype.

(Hanna Luise Domingues)

Foi assim que conheci a Vanessa “Tocha”, minha “fofinha” lá dos lados de Nova Iguaçu (RJ); a Ryh (Letícia) e sua família inesquecível de Brasília, o Nucles e o Sannyn (Davi e Allan) e a Carol (Anne) que me fizeram desejar conhecer e viver São Paulo; a “estrela” Giovanna e seu talento para ilustração lá de Goiânia, o Luke que me reencontraria em voz pelas ondas da União em Novo Hamburgo… e a Hanna, o asterisco maior dessa crônica de recordação.

São muitos que poderia recordar, admito, mas a Hanna é meu parador nessas linhas. A Hanna, daquele janelão maluco em que fui enfiado, entre todos que falavam a lingua dos games e animes que nada entendia, e não sei como: ela apontou o dedo pra mim e dizia “PICANHA!”. Incorporava a ouriça irmã do herói de Mobius em traço e, por que não dizer, em vida.

Alias, Hanna incorpora tudo isto, bem dizer, até hoje. O puro gostar e viver o universo do ouriço. Transforma cada esquina e paisagem da sempre pitoresca Londrina, no lado “pé vermelho” do Paraná, no universo frenético, cibernético e alucinante dos games de Sonic e seus amigos, vilões e amores.

Hanna e eu pelos idos de 2009 (Arquivo pessoal)

Imaginação fértil, talento para o desenho e vontade de conhecer e descobrir as esquinas de cada canto deste mundo pelo olhar distinto que tem. De um sábado a noite criando histórias dentro daquela janela maluca, surgiu uma amizade tão forte que nem a distância nos deixou separados. Por vezes, a chamava de “mãezona”, lembrando das longas conversas que alternavam risos, momentos sentimentais, algumas broncas e um pouco de lágrimas.

Era um universo a parte fora daquele mundo que ainda não entendia completamente. Trabalhava de madrugada até o começo da tarde, com todo o peso estressante da função e da poeira da malha que cortávamos, voltava à casa e engatava momentos longos em frente a tela. Pesquisas, ilustrações que mesclavam Sonic e anime a musica (capas de disco e letras de canções) e, claro, mil e uma histórias num universo paralelo que criávamos eu e Hanna.

E naquele mundo, era quase necessário criar um “fanchar“, um personagem fictício para identificar-se entre os demais na aldeia de criaturas de Mobius que imaginavamos. E diante de uma realidade incompreensível e de anseios tão distantes, praticamente fui montando um personagem que, talvez, fosse meu espelho ante toda esta carga de aspirações que “não eram de mim”: o irmão do Tails, André Miles Prower.

(Hanna Luise Domingues)

Para conhecimento: Miles Prower é, de fato, o nome verdadeiro de Tails no universo Sonic. A raposa amarela de duas caudas que é um verdadeiro gênio, capaz de agir de McGyver e inventar mil soluções mecânicas para Sonic e a turma no combate as maldades de Eggman e outros vilões do mesmo naipe.

Hanna me ajudou a criar a imagem, a raposa que ilustra a foto de destaque destas linhas. Ele era uma catarse das frustrações e incompreensões que tinha naquela fase da vida: excluído pelos amigos, romântico mas fracassado entre as damas, apaixonado por Rouge, a morcega, tida como inatingível; que consolidava-se numa carreira de agente secreto desaparecendo do convívio dos “amigos” e, depois de anos, conquistando o sucesso e o amor.

No entanto, apesar de bem sucedido, a raposa negra convivia com feridas e situações que eram resolvidas ao poucos nas histórias que corríamos eu e Hanna. A reaproximação com os amigos entendendo quem era aquela raposa tão reclusa e distante, o trauma da perda de uma das caudas e o ciúme velado do irmão, um coração partido por uma menina na juventude, essas coisas do real tornadas ficção, mas ainda tão reais quanto.

Por Warp Skylights, do fanchar a esquerda (Arquivo)

Das histórias, são tantas que nem recordo os enredos. Algumas foram inesquecíveis e quase que intermináveis, uma reprodução de uma vida adulta que imaginava não viver ou não saber como seria. Eram dias de mergulhos imaginários que dariam quilômetros de livro, mas que talvez fossem o lugar onde queria estar, onde queria viver dentro das minhas imaginações e que a realidade ou o contexto faziam soar difícil e incompreensível.

André Miles Prower simbolizava, de alguma forma, tudo isto que girava como uma centrífuga na minha mente naqueles tempos. Hoje, por vezes, imagino que aquele período foi algo quase tido como “tempo perdido”, sem produzir ou desenvolver-se. Mas me pergunto, será que não foi um movimento necessário? Parar, digerir os descaminhos e, depois, impulsionar-se de volta ao mundo num tremendo choque?

Em 2011, iniciei minha graduação em comunicação, começando com Publicidade mas passando, depois de dois semestres, ao Jornalismo que sou formado. Os primeiros dias fora deste universo fechado foram difíceis, solitários, complicados, mas a gente sai pro mundo sem querer mais voltar e tudo movido pela necessidade, pela vontade de colocar no papel quem eu era e aquilo que imaginava despretensiosamente quando um ser pueril simples e sonhador.

Por Letícia Serra, a Ryh (Arquivo)

Já se vão 15 anos desde aqueles tempos confusos, ansiosos, vazios mas, estranhamente, cheios de imaginação e acompanhados de amigos como a Hanna, que mesmo longe e talvez montando o cenário de um vicio cibernético aos leigos, permitiu escrever bases e conceitos da vida que aprenderia, na marra, a destrinchar fora do universo que criara.

Vez em quando encontro alguns daqueles tempos. Giovanna trabalha nas ilustrações de meu livro, é uma mãe feliz e cheia de sonhos. Heax continua imerso nos games e tem enfrentado as durezas da vida com coragem e muita graça, como sempre o fez. A Vanessa continua fofinha, descobrindo o mundo rodeada de amigos e de uma mente criativa enorme. Nucles, Sannyn e Carol desapareceram em algum ponto do colosso paulista, assim como tantos aos quais sou grato, de alguma forma, por tanto que deixaram por aqui, de bom ou de lição.

Mas a Hanna… o meu abraço maior sempre reservo a ela em muitos momentos. Pela paciência, compreensão e tudo mais que me cercou de histórias, criatividade e incentivos, sempre com o jeito de mãe e amiga perfeitamente mesclados dentro da aura japonesa que a cerca e que cerca a família naquele rincão de Londrina que, um dia, espero conhecer.

E mesmo que os encontros demorem a acontecer entre nós, quando acontecem é como se voltássemos brevemente à aqueles tempos, porém com experiências acumuladas das vivencias diárias, correrias, sonhos, caminhos e conquistas de um mundo real, que mesmo soando difícil e frio, ainda se permite poetizar, sonhar, amar e ser feliz sendo quem se é encontrando ao seu lado quem sabe quem você é de verdade.

(Arquivo)

E ao André Miles Prower, meu alterego de traço-e-tinta, talvez a vida lhe foi cruel demais desde quando lhe imaginei. Eu sei, carregas muito das frustrações que tive e algumas, talvez, ainda esteja superando e entendendo. Mas acho que com tanto que você viveu e aprendeu nestes cascudos de tua vida, sei que as sombras de passados angustiantes e pesados vão se dissipar como as nuvens que seu irmão costuma enfrentar ao voar.

Tenha coragem, seja quem você é e não dê bola para os fantasmas da mente. Ame, poetize, destrinche a vida e não a torne complicada. Olhe seus amigos em volta como eu olho os meus “um milhão” e levante o focinho para o horizonte, é lá onde estão seus sonhos e sua essência, sempre simples, bondosa, valente e amorosa com o mundo a sua volta.

É, pode soar infantil pra você, mas me respeite e respeite meu passado! Há muito o que conquistar, viver, sentir e escrever. Tanto eu quanto minha cópia em desenho, o irmão do Tails, o alterego, eu mesmo.

Muito prazer, André Miles Prower!

A última atualização de Hanna para André Miles Prower (Hanna Luise Domingues)

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