Quando digo que o rádio é o mais perto que a comunicação chega da arte, não é brincadeira. O rádio é capaz de provocar nossa imaginação de várias formas. A musica, a informação que forma o senso crítico e, em tempos nostálgicos, a dramaturgia. E é esta última que cria cenas em nossa mente, seja de amor, medo, angustia, o que for.
Eram tempos onde o rádio ainda poderia provocar isto, seja nas grandes produções ou em programas cuja tônica era o consideravelmente popular thriller policial. Foi com programas desse naipe que, por exemplo, Orson Welles colocou Nova York em pânico quando interpretou “Guerra dos Mundos” nos microfones da CBS, em 1938.
Aqui no Brasil, esse tipo de suspense no microfone não chegou a chocar ou causar pandemônio nas ruas mas era a fascinação de jovens e adultos que sintonizavam as emissoras que apostavam nesse filão. A tradicionalíssima Rádio Nacional era uma delas, e, apoiada nesse filão popularesco mas criativo, um nome é bem lembrado: Hélio do Soveral.
Este português de Setúbal era dono de uma mente criativa e fértil para o segmento romance policial/espionagem na literatura, quase sempre desprezado pelo caráter popular e pobre dos seus escritos, mas muito procurado em outros tempos pelos fãs de mistério e aventuras policiais.
Ele começou a carreira de escritor escrevendo contos policiais para o suplemento policial do jornal carioca A Nação, em 1935, com apenas 17 anos. Seu primeiro livro – O Segredo de Ahk-Manethon – virou HQ nas publicações juvenis de Adolfo Aizen, antes ainda da criação da mítica EBAL, em 1941. Ele ainda trabalharia para Aizen em outras criações já nos corredores da Brasil-América.
De fato, foi Soveral que criou o que podemos chamar de “literatura policial brasileira”, tornando o filão ainda mais popular com as publicações de “livros de bolso” pela antiga Editora Tecnoprint (atual Ediouro). Três de suas séries – Os Seis, Missão Perigosa e A Turma do Posto 4, são algumas das suas mais importantes criações no segmento, sempre utilizando um pseudônimo para cada obra um conjunto de obras. E não eram poucos, foram mais de 20 codinomes.
Mas, como o assunto é rádio, voltemos a ele. Foi lá que a obra de Soveral ganhou vida e mexeu com a imaginação de seus admiradores e de quem gostava de usar as ondas hertzianas como motivador para imaginar e viajar em histórias. Foram quatro passagens pelo rádio, trabalhando em vários programas e funções, mas a mais marcante passagem seria na histórica Radio Nacional do Rio de Janeiro, onde entre as décadas de 1960 e 1980 seria o criador das histórias fantásticas do “Teatro de Mistério“.
Mesmo com a já forte presença da televisão, o “Teatro de Mistério” era capaz de fazer jovens sintonizarem a antiga PRE-8 nas noites de segunda-feira ou nas manhãs de sábado para acompanhar as mais fantásticas e palpitantes histórias de crimes, suspense e mistérios. As primeiras estrelas eram o inspetor Marques e o detetive Zito, interpretados por Rodolfo Mayer e Gerdal dos Santos, respectivamente. Com a demissão dos dois, surgia então quem mais tempo ficaria a frente dos casos de Soveral nas suas aventuras: o inspetor Santos, interpretado pela voz marcante de Domício Costa.
Foram inúmeras as histórias irradiadas em quase 20 anos de produções, cada uma com um tom sufocante e emocionante, isto para quem consegue entender o poder imaginativo do rádio neste tipo de programa. Sonoplastia, interpretação, articulação da história, tudo tem que estar bem alinhado para criar a cena na mente do ouvinte, e Soveral conseguia isso como ninguém.
Infelizmente, o autor jamais teve o devido respeito por sua obra, vivendo longe dos holofotes no fim da vida, esquecido pela cultura brasileira por ser, de fato, um escritor “pop”. Quando recebera a notícia de que suas traduções das obras poéticas de Edgar Allan Poe seriam, enfim, publicadas, correu para assinar o contrato com a editora que o faria. Na volta pra casa, no entanto, acabou sendo atropelado por um motociclista e não resistiu aos ferimentos. Morreu em 2001, aos 82 anos, com uma história fantástica, porém apagada nos anais do rádio.
Foi-se Hélio, ficou Soveral e seus contos no rádio. A grande maioria deles está disponível nos canais de Flávio Antônio e Arquivo de Rádio no YouTube para serem ouvidos a qualquer momento. Para quem gosta de rádio, estuda a história da cultura pop brasileira ou, simplesmente, é curioso, fica a pedida. Vale muito a pena (ainda mais se estiver num quarto escuro a noite).
Abaixo, uma pequena amostra: O Fantasma da Casa Grande, um dos meus favoritos. Dê o play e ligue a imaginação.
outrasbossas.blogspot.com200702teatro-de-mistrio-n-01-assassino-de_19.html