Quer reação mais apaixonada do que isso? Carlo Vanzini é o nome dele e sua expressão alucinada – combinada a vibração do eterno ídolo Jean Alesi na bandeirada – diz tudo o que foi a “domenica di corse” em Monza. Outro fim de semana excepcional de F1 já é um espanto, ainda mais quando se mistura a isso o puro sentimento desbaratado vindo dos tifosi com a vitória esmagadora de Charles LeClerc.
Esmagadora? Da pra dizer que sim, o fim de semana que começou com pastelão nos treinos terminou com apoteose, e o monegasco arrebatou, dançou a tarantela com classe diante das Mercedes ao mesmo tempo que Sebastian Vettel perdia os passos na pista de baile e via seu mundo cair ante a torcida que antes o considerava a grande esperança vermelha.
E o fim de semana começou mesmo no pastelão. Um final de treino estranho, sem o agito habitual e com ninguém pegando o vácuo de ninguém – ou ao menos nem tentando – na ultima volta possível de treino. Charles cravou a pole mas sabia que o desafio seria difícil, as Mercedes de Hamilton e Valtteri Bottas não podiam ser desconsideradas, se não no desempenho, mas no fator estratégia da coisa.
E foi neste ponto que LeClerc sabia que teria um duelo. Lagou bem, dosou bem o carro e soube usa-lo na hora certa. Há muito tempo que não se via um duelo tão intenso entre uma Mercedes e outro carro, e outra, perdendo o duelo. Hamilton tentou, colou quando tinha os melhores pneus mas foi surpreendido com as belas defesas de Charles. Passar reto não é prerrogativa para punição, os deuses estavam ao lado de Mônaco.
Bottas nem se conta nas tentativas, o finlandês bem que tentou, mas sem chance, era mesmo dia de Ferrari e do próprio LeClerc que merecia uma festa deste tamanho. E não era pra pouco, os tifosi não viam a Ferrari vencer em casa desde 2009, no tempo que Fernando Alonso era o garoto querido da casa de Maranello, posto que hoje, com certeza, está na mão do monegasco.
E por que dizer isto com tanta certeza? Se Monza foi a alegria de LeClerc, também foi o palco da desgraça de Vettel. Vivendo um verdadeiro martírio em pista, o alemão literalmente foi ao inferno propriamente dito, enrolado em momentos dantescos durante a prova. Rodou logo na largada, abusou até onde podia do carro e, quando parecia que não ia piorar, Seb roda na variante Ascari, volta alucinado pra pista tirando Lance Stroll do sério (“feito um idiota”, segundo o canadense) e termina fora da zona de pontuação.
A decadência de Seb assusta, o alemão está subjugado dentro da própria casa onde era a estrela-maior, isto sem falar de toda a sorte de discussões sobre suas capacidades já estando há tempos na Ferrari sem mostrar força direta no duelo contra as Mercedes. Nomes e especulações ventilam no paddock sobre quem vai ou fica na Ferrari. Boatos, é claro, mas não dá pra negar que Vettel pode estar se colocando na marca do penalti dessa forma.
Enquanto isso, Charles colhe as glórias e vai para as escuras ruas de Singapura na crista da onda. Não pra brigar por título já que isso praticamente é de Hamilton, mas se a constância continuar em 2020, imagine o que virá pela frente…
OS 10 MAIS – Classificação
1 – Charles LeClerc (Ferrari)
2 – Valtteri Bottas (Mercedes)
3 – Lewis Hamilton (Mercedes)
4 – Daniel Ricciardo (Renault)
5 – Nico Hulkenberg (Renault)
6 – Alex Albon (Red Bull-Honda)
7 – Sérgio Perez (Racing Point-Mercedes)
8 – Max Verstappen (Red Bull-Honda)
9 – Antônio Giovinazzi (Alfa Romeo)
10 – Lando Norris (McLaren-Renault)
OS 6 MAIS – Campeonato
1 – Lewis Hamilton (284)
2 – Valtteri Bottas (221)
3 – Max Verstappen (185)
4 – Charles LeClerc (182)
5 – Sebastian Vettel (169)
6 – Pierre Gasly (65)
AMENIDADES
– Bottas deveria ficar? O finlandês passou a posição de perseguidor de LeClerc quando Hamilton ficou sem borracha para tanto. Todavia, ter Bottas atrás de você é como ter um escudeiro, sem perigo nenhum. Valtteri nem ousou arriscar muito e relaxou no segundo lugar da prova. Foi mesmo uma boa apostar mais um ano com ele na equipe? Vai que mordamos a língua em 2020…
– E a Renault? Depois de tantas bolas foras na temporada, eis que os carros amarelos fizeram um bom GP depois de algum tempo. Ricciardo teve uma atuação como nos tempos de Red Bull, faltando apenas melhor carro pra brigar por pódio. Hulkenberg foi de escudeiro e ainda tirou um quinto lugar no lucro. Seria sinal de melhoras a vista?
– Albon continua com a faca nos dentes. Outra corrida combativa mesmo diante de todos os problemas que Red Bull e Toro Rosso tiveram durante o fim de semana. Arrancou um ótimo sexto lugar, sendo a primeira vez a frente de Verstappen, refém dos problemas do carro e não indo além do oitavo lugar. O acerto na troca é digno de palmas para Markko e seus comandados da escolinha.
– E em fim de semana que Raikkonen esteve sumido, sobrou para Antônio Giovinazzi faturar pontos para a Alfa Romeo. Mas não se espante, foi o MELHOR resultado do italiano na categoria! Acredita? Ele ainda deve muito em produtividade e, segundo o burbúrio do paddock, está na marca do pênalti na casa de Turim.
NO BAU: Jody, uma figurinha setentista (das boas!)
E antes da largada em Monza, um daqueles momentos que qualquer apaixonado da categoria suspira de alegria. Diante de milhares de tifosi esperançosos pela gloria que viria, lá estava um cidadão de cabelos outrora crespos que fez a alegria de velhos e novos acelerando o flat-12 da Ferrari 312T4: Jody Scheckter.
Sul-africano de East London, nascido em tempos de apartheid mas totalmente contrário a ditadura, jeito rebelde e de pilotagem raçuda e agressiva (as vezes até demais), Jody é um daqueles recortes dos anos 1970 que, mesmo um pouco na sombra, merecem palmas pelos feitos que conseguiu na década alucinante da F1, tendo companheiros de grosso calibre e duelando com cobras nas quatro equipes que passou.
Scheckter estreou na McLaren em 1972 e, logo no ano seguinte, já era motivo de preocupação com sua pilotagem agressiva e pelos acidentes que causou (um deles, na Inglaterra, quebrou as pernas do italiano Andrea de Adamich). Foi rotulado com vários apelidos, como “Baby Bear”, “Vaca Brava” e “Troglodita”, mas batia os ombros para eles e bateu mais ainda quando, em 1974, na Suécia, venceu a primeira corrida da carreira, já pela Tyrrell. Também seria dele – e na mesma Suécia – a única vitória do radical P-34, o famigerado “carro de seis rodas”.
Em 1977, foi para a Wolff, onde espantou o mundo vencendo logo a corrida de estreia da equipe, na Argentina. Foram apenas dois anos por lá até, em 1979, parar na Ferrari, onde se consagraria definitivamente como grande nome da categoria. Com seis pódios – entre eles, três vitórias – Scheckter faturou o título da temporada, seria o último com o comendador Enzo Ferrari vivo e o último de pilotos da Ferrari até a conquista de Michael Schumacher, em 2000.
Abandonaria a F1 em 1980, depois de se colocar como servil escudeiro de Gilles Villeneuve na casa de Maranello fazendo uma temporada muito fraca, com apenas dois pontos. Ficou milionário vendendo simuladores para treinamentos militares e, hoje, vive na Inglaterra junto da mulher – Claire – e é um feliz criador de gado e produtor de orgânicos.
Da minha parte, admito, não poderia ser outro para fazer um breve recorte histórico e de homenagem a Ferrari pelos seus 90 anos riscando a história da F1 nas pistas. Scheckter é um dos pilotos favoritos deste escriba, daqueles “outsiders” setentistas que fez sua glória na categoria, tem sua história e vive feliz com o que conquistou. Uma “ode” muito maior a casa de Maranello vem mais para frente, aguardem.
Quanto a F1, a volta as pistas será agora no dia 22, com o GP de Singapura, nas esquinas noturnas de Marina Bay. E logo, mais textos sobre velocidade aqui em A BOINA.
Até lá!