Uma certa feita, minha querida Gislaine Delabeneta – a mais paulistana das blumenauenses que conheço – deixou no ar uma frase com um ar poético e digno de declaração de amor das tantas que ela tem pela terra da garoa: “quando você olha pela janela do avião, parece que São Paulo te abraça na sua chegada”.
Tá, não foi, exatamente, nestas palavras que ela disse, mas a conhecendo talvez seria assim que ela se expressaria pelo grande amor que tem pela terra da garoa. É visível, até poesia deu pra fazer com todas as formas de expressão dela nas curvas paulistanas: poses na Paulista, o deleite nas livrarias, o glamour dos shows e da arte, o ar fresco no topo dos edifícios.
Eu não parei de pensar nisso quando, da janelinha do A320, mirava aquele mar de edifícios, luzes piscando e se movimentando em uma semelhante aldeia de artérias e caminhos de uma sexta-feira a noite. Era o tal do abraço, e não parecia mais um caminho hostil como foi de outrora, no supetão da pressa e do trabalho, estava ali pra sentir mais daquela cidade, aquele sonho juvenil de um adolescente do sul de Blumenau.
Você ai do outro lado pode estar dando de ombros para essa melação toda, mas é porque seu pensamento trata São Paulo como um bicho estranho, uma aldeia para se “ir, trabalhar e voltar”, um lugar apenas para passar e seguir. Você não se aprofunda, prende as vistas em Datenas da vida, cravando o olhar no sangue e insegurança para satisfazer alguma necessidade mórbida.
Essa São Paulo que vejo, talvez você não a vê. Era aquela a qual desviava o olhar do preto-e-branco para mirar suas cores, sons, gritaria e sinfonia de motores em meio aos contrastes gritantes de uma cidade gigante. Dos taxistas num curioso coral a dualidade de uma Paulista iluminada e reluzente com seus edifícios e as vias apertadas, simples e – as vezes – desiguais e cruéis como as do Cambuci ou da entrada de Heliópolis.
A São Paulo que sempre imaginei trafega por estes extremos, tão cruéis claro, mas parte de um país que trafega nestas mesmas mãos, sem perder o prumo de dias menos sofridos. Naquele canto, li tantas histórias, de pioneiros, nobrezas desaparecidas e nomes que consumi, vi em foto e vídeo, ouvi em som, em poesias e boemias. Lembrei de Adoniran e seu samba (o paulista, que adoro!), de Maluf e seu “rouba, mas faz”, da arquitetura e do Altino me saudando a distância, dos Matarazzo, Mackenzie, tricolores, alvinegros, palestrinos, do Estevan Sangirardi, por ai…
Alias, Paulista… a avenida, o ponto turístico, a rua de um país inteiro. Quando disse á Milton Rubinho que “estava no Brasil, enfim”, não mentia em nada. Ali é Brasil, não esta castração de pensamento e conservadorismo que vivemos (infelizmente), mas a pluralidade de pensamentos, vivencias e sons guardados em uma única reta, convivendo com a cor e a simplicidade de cada paulistano e visitante cruzando aquele quilômetro de pedra.
Aquilo era uma explosão de país na minha frente. Musicas, pessoas, dança, comida, calor humano, passadas de lá e cá, e tudo isso com um cenário tão clássico quanto. Parecia, de fato, o encontro de um país num lugar só, e eu correndo aquela reta com um sentimento curioso de conquista. Eu estou ali, vivendo aquela corrente que, mesmo que digam de seus riscos, é impossível não sentir o calor, o tal abraço que Gislaine tanto se repetia em declarações de amor.
Com o perdão dado pela visita de médico de mês atrás, estava aliviado e flutuando, diante de um MASP vibrante com suas marcas do tempo ou imerso na dança e música de cada esquina, há mais Brasil do que mentes castradas e fechadas podem presumir: e você que vomita seus depreciamentos pelo país exaltando o “lá fora” como a verdade maior, nada melhor do que a Paulista para calar sua auto-xenofobia com tudo que o cerca aqui.
E lá em cima, no alto do mundo, perdido na linha do pôr-do-sol que dava seu último brilho dominical, sabia que não seria a última vez. São Paulo me viu, me abraçou, me recebeu e me avisou que queria me ver logo logo. Ótimo, concordei solenemente na solidão do assento 9F, eu cheguei longe e muito mais posso chegar, nesta porteira que leva ao Brasil passando pelo quilômetro da Paulista e me explodindo de poesia e brasilidade.
É, Gislaine… eu estive no Brasil e voltei, mas uma hora, eu volto pra lá.
Belíssima crônica, parabéns André!
São Paulo e suas multif-faces culturais!
Querido André!
Temos em comum essa visão de São Paulo diferente de uma selva de pedra!
Muito além da terra da Garoa e das infinitas possibilidades culturais e gastronômicas, SP tem algo que fascina e nos remete a tantas músicas com letras que a descrevem com tanta beleza que nossos olhos logo remetem a elas cada esquina !