Elas fazem mal, elas são ótimas bem geladas. Elas ganham milhões por ano, elas dominam nossas mentes como o primeiro refri a ser escolhido. Elas são símbolos dos american way of life, elas são tão brasileiras quanto outras coisas da cultura pop recente. Elas são colas, elas engordam… Elas refrescam, elas são história.
No fim de semana passado, o History Channel liberou por tempo limitado o especial “Guerra das Colas”, contando a história da batalha encarniçada entre a gigante Coca-Cola e a oprimida Pepsi pelos corações, estômagos e carteiras dos americanos. Uma batalha que tomou conta de cada pedacinho dos EUA, entre movimentos calculados, erros de rota e uma contenda que, mesmo silenciosa, continua até hoje.
(Clique enquanto é tempo… episódio disponível por tempo limitado)
E nós, eternos apaixonados por história, sempre lembramos de alguns lances que passam batido no meio de uma ótima produção. Nada que tire o mérito do trabalho do History em retratar este período conturbado e curioso dos anos 1980, mas quem gosta de recordar sempre lembra de algo aqui ou ali sobre o assunto, e neste caso a memória bateu diretamente em esporte, na bola e no volante.
Copa União: Coca-Cola “compra o futebol brasileiro”
Fora do giro no cotidiano da guerra, e até longe do seu auge na metade dos anos 1980, as colas começaram a chegar no esporte aos poucos, buscando naturalmente sua oportunidade de mostrar mais o seu poder de fogo. Neste parâmetro, a Coca-Cola foi a primeira, num dos maiores contratos comerciais do esporte brasileiro de todos os tempos. Talvez, de fato, a estreia da Coca-Cola dentro das quatro linhas, e não apenas como uma simples placa publicitária.
Em 1987, a organização do futebol brasileiro sofreu um revés inesperado: com a negativa da CBF de poder realizar o campeonato brasileiro daquele ano, os 13 clubes mais fortes do país se mobilizaram para criar a chamada Copa União, envolvendo estes 13 clubes mais três convidados. E para viabilizar todo este universo, era preciso gente pesada para garantir a fluidez do torneio: TV, avião e gente bancando pra mostrar sua marca.
A Globo entrou de sola no torneiro, fazendo o próprio Roberto Marinho assinar o contrato de transmissão com o Clube dos 13. A Varig praticamente garantiu as passagens, as mesmas que a CBF alegava não ter mais como bancar entre tantas outras coisas. E nessa ciranda de gente rica, a Coca-Cola entrou com grana das grandes e uma proeza quase impensável: estampar sua marca em quase todos os clubes do torneio.
A Coca-Cola já sabia o que era patrocinar o futebol. Desde 1974, a marca é patrocinadora oficial da FIFA. No entanto, era a primeira vez que a marca de refrigerantes estamparia sua marca em camisas. A proeza do então presidente da Coca-Cola no Brasil, Jorge Giganti, foi algo que impressionou a direção geral da marca no mundo inteiro. Afinal, o mesmo Giganti tinha levado o país para o terceiro mais importante mercado da marca no mundo.
Ao todo, 10 dos 16 clubes do torneio estampariam a Coca-Cola em suas camisas. Apenas Corinthians (Kalunga), Flamengo (Petrobras), Internacional (Aplub), Palmeiras (Agip), Santos (Suvinil) e São Paulo (BIC) não teriam a marca nas suas camisas e alguns tiveram que adaptar a logomarca icônica em seus uniformes por conta de seus rivais. E é nesse ponto que o caso mais inusitado desta adaptação aconteceu: o Grêmio.
Pouco antes de assinar o contrato de patrocínio, o então presidente do Grêmio, Paulo Odone, se viu no meio de uma situação inesperada: era assinar o contrato e se sentir demitido do cargo de presidente. E não era pra menos, colocar vermelho no uniforme do tricolor gaúcho era uma blasfêmia imperdoável. Nas palavras do próprio Odone, “se eu assinar isso não posso pisar em Porto Alegre”.
A habilidade de convencimento de Giganti e uma “troca equivocada” de cores na produção das camisas fez a cor icônica da Coca-Cola passar do vermelho ao preto, permitindo a entrada da marca num estado onde a Pepsi era a preferencia (até hoje!). Coritiba e Botafogo fizeram o mesmo esquema de adaptação por cores mais neutras também por conta dos seus rivais.
Ao final de 1987, por incrível que pareça, nenhum dos times da Coca-Cola chegou a final, decidia entre Flamengo e Internacional. A Coca ainda permaneceu nas camisas do futebol brasileiro até meados de 1994, e neste período, até teve time que virou a casaca, como o Botafogo, que passou a ser patrocinado pela 7UP, refrigerante da Pepsi, e que levou este patrocinador na camisa do time campeão brasileiro em 1995.
F1: Uma dupla estreia para a Pepsi
Alias, falando de 7UP, ela foi a responsável por colocar a Pepsi a frente da Coca-Cola na principal categoria do automobilismo mundial: a F1. Tirando patrocínios pessoais esporádicos de pilotos, a Pepsi teve sempre uma visão radical das coisas, saindo do clássico e pedindo para se chegar mais perto do que era moda, do que movia a “nova geração”. Não a toa, o lance envolvendo Michael Jackson e outros astros da musica acirrou a guerra durante a década de 1980.
Mas de forma “oficial” no automobilismo, seria a Pepsi que pisaria primeiro na F1, e não exatamente com a marca oficial. Comprada em 1986 pela PepsiCo, a 7UP era o correspondente direto da Sprite dentro do universo da Pepsi, e em 1991, a marca experimentava uma tentativa de internacionalização para fazer frente ao seu equivalente de limão da Coca-Cola.
E nesta procura de rumos no mercado mundial, a Pepsi encontrou o esporte, talvez um campo onde a marca mal tinha pisado ainda na sua vida. O automobilismo que já tinha a visto tempos atrás agora a encontrava novamente, mas de uma forma curiosa: seria na F1, de forma efetiva, mas estampado a marca da 7UP, em retrabalho no mercado, em uma equipe estreante, o que, por um lado, podia ser um risco enorme se desse errado.
A escolhida foi uma equipe irlandesa que, apesar da produção artesanal e da ainda incredulidade de seu fundador no pulo que daria, mostrou-se o caminho certo ao fim da temporada de 1991: a Jordan. Vinda da F-3000, a equipe fundada por Eddie Jordan em meados dos anos 1980 procurava patrocinadores para financiar sua empreitada, ainda mais depois da negativa da Camel – sua parceira na F-3000 – em patrocinar seus carros na F1.
Com o novo carro pronto e precisando de preciosos dinheiros para custear a aventura, Eddie lançou mão de seu talento como negociador, pintou o carro de verde e convenceu a Pepsi a estampar a 7UP (de garrafas também verdes) no seu carro, além de um bom suprimento de refrigerantes nos fins de semana de corrida. O verde foi benéfico pra equipe, que também atraiu os ienes da gigante das fotos e filmes Fujifilm.
E quem achava que seria arriscado apostar num time estreante em tempos ultracompetitivos da F1, se enganou. A Jordan passou de novata a dona de um posto de respeito na temporada, fisgando ótimos resultados para uma equipe em seu primeiro ano, além de ser a primeira casa de Michael Schumacher na F1, no GP da Bélgica daquele ano. No final do ano, o quinto lugar entre os construtores e a nota como equipe-revelação do ano.
Uma boa para a Pepsi, de fato, no que poderia ter sido um tiro no escuro sem retorno. Mas o automobilismo nunca foi tão atrativo para algumas marcas tão pop como a Pepsi e outras. A marca ainda voltaria – por ela própria – como parte dos patrocínios próprios de Rubens Barrichello em 1995, e foi só.
Anos depois – muito tempo depois – a Coca-Cola resolveu entrar na F1, mas bem discretamente, como um dos patrocinadores da McLaren em 2019. Mas foi só e nada mais. No entanto, se a Pepsi foi ostensiva com uma de suas marcas no grid, a Coca-Cola virou conceito de aerodinâmica, inaugurado pela McLaren em 1983 e, até hoje, o primeiro ponto básico de aerodinâmica de qualquer monoposto: o chamado “Coke Bottle”, ou estilo “garrafa de Coca-Cola”.
Enfim, de histórias e histórias vivemos todos. Mas uma delas, o excelente trabalho do History Channel esqueceu: essa proeza publicitária da Araldite, em 1989, aqui mesmo no Brasil. Afinal, qual a forma mais democrática de parar uma guerra? Seria um sambinha inocente?
A gente se vê na próxima história… Com Pepsi, Coca-Cola ou algo mais, vamos lá… saudável.