Coronel Jesuíno… um espelho de um patriarcado que ainda respinga em nossos dias.
Duro, controlador, cruel, machista no último nível, escondendo suas inseguranças e incompreensão do mundo que não seja pela sua ótica nefasta e castrada de comando e satisfação de suas vontades pessoais, políticas e íntimas.
O tipo criado no universo da Ilheus de Jorge Amado em “Gabriela: Cravo e Canela” em 1958 ainda reverbera nas recordações digitais da interpretação brilhante do saudoso José Wilker no remake da bem sucedida novela da Rede Globo lançada inicialmente em 1975 e refeita em 2012, com boa audiência e imortalizando, novamente, o clássico do eterno escritor a uma nova geração.
Walcyr Carrasco foi feliz demais ao escalar o então veterano Wilker para o papel. Já admirava o ator desde a interpretação profunda da fase adulta de Juscelino Kubistcheck na serie “JK” também rodada pela Globo anos antes de “Gabriela”. Da alegria do presidente eleito ao declínio melancólico da vida pessoal e pública em meio a perseguição política que sofrera na ditadura militar.
Na pele do coronel-carrasco, Wilker literalmente colocou toda a experiência de ator de longa data no roteiro e o resultado caiu nas graças do público, que ainda reverbera o seu “vou lhe usar” nos dias de hoje, passados mais de uma década da empreitada e do falecimento do próprio ator, que se despedira tão repentinamente deixando no temerário Jesuíno uma lembrança que, na minha ótica, divide-se entre o cômico, o deslumbrante da atuação com classe e… na pesada e nefasta figura machista que ainda ronda nossas esquinas.
Me deparar com recortes do personagem, em um primeiro momento, me faziam parar para apreciar a personificação crua de Wilker, que considerava uma de suas melhores atuações. No entanto, de uns dias para cá, tem sido difícil e pesado ouvir, mesmo que em uma interpretação bruta e verdadeira do personagem, as frases duras, acéfalas e rígidas de um estereótipo reforçado burramente por tantos pares meus: a do homem dominador, duro e resistente à própria sensibilidade e senso de respeito, igualdade e pudor.
É como ver refletido nas frases do coronel as mesmas posturas cujo muitos defendem como “certas” e “justas” (muitas vezes, usando distorcidamente o significado bíblico para tanto), justificando comportamentos erráticos e depreciações chulas e cafajestes da mulher como coisa normal e corriqueira, seja nas esquinas das ruas ou nas mais variadas considerações: musica, mundo virtual, objetificação em qualquer momento, por estas linhas.
Não é surpresa acompanhar a viralização das frases e passagens de Jesuíno nas redes, quase uma reverencia ao talento imortal de José Wilker. Mas em dados momentos soa como um compartilhamento sorrateiro de muitos de meus pares com relação a postura diante da mulher, da figura feminina. Uma diminuição ao submisso, a mera utilização para o prazer momentâneo, ao corte dos sonhos, pensamentos e aspirações das quais elas tem direito tanto ou mais quanto nós, homens.
É um duro reflexo de que o tempo antigo ainda é refletido no machismo velado ou explicito de todo dia. Um comportamento constante cuja saída não se faz apenas com uma conscientização quase que silenciosa, mas com a rigidez que pune quem ousa levantar mãos, abrir bocas pútridas e fazer valer pela força o seu suposto “domínio”. E que, claro, não deveria ser “endeusado” nas frases marcantes de um roteiro como certeza de que “este é o caminho”, mesmo que soe satírico.
Jesuíno não é só um personagem, e ele está presente em muitos, aqueles que ainda fecham olhos e não aceitam novos e justos parâmetros sociais e que escondem as inseguranças nas rigidez e agressividade dos atos que cometem. Um personagem que ainda vive, infelizmente interpretado na pura veracidade, deixando marcas e mortes por onde passa.
José Wilker foi um gênio, é fato. Mas jamais se endeusa como correta a postura de um coronel assassino dos livros como a verdade dos atos de um homem. Ao machismo, misoginia e violência contra a mulher – física, psicológica e verbal – o repúdio veemente, o que não cabe nem mesmo nas peças da dramaturgia.