Tem musicas que cheiram a história, e as vezes a história tem um tom de nefastidão tão grande que, depois de anos a ouvindo, cantando junto, tomando-a como tema de momentos, muitos destes ouvintes se surpreendem ao abrir aquela página que, há tempos, esteve colada entre as palavras da composição original.
Isso, ao menos, nos olhos dos mais incautos. E eu faço questão de explicar a quem ainda não parou pra pensar ou entender…
Tempos atrás, um evento sobre a a preocupante questão da violência contra a mulher em Blumenau trouxe a tona a história por detrás desta faixa nascida nas sempre produtivas plagas musicais do Rock gaúcho: “Camila, Camila”. E eu não duvido que você, ao ler este título musical, já deve ter se arrepiado ou, de alguma forma, pensando no que estou pensando e sentindo.
O tema que puxou o que seria o sucesso vindouro do Nenhum de Nós, tem uma história de nascimento tão grande – e tensa – quanto a intensidade da bateria de Sady Homrich ou do vocal em crescendo de Thedy Corrêa. O nome não é verdadeiro, veio de um despretensioso filme argentino cujo cartaz estava numa página de jornal que o vocalista pisava descuidadamente.
Era o cume máximo do ponto criativo dos amigos que, entre uma nota e outra, recordaram a história da colega de colégio vivendo sob a égide do medo. Prisioneira da violência em tempos onde esta ainda era patacoada na boca machista de tantos, cruzava os corredores da escola com o ar vazio, perdido, talvez disfarçando a escravidão que vivia e que não sabia sair sem a dose cavalar de agressão que sofria.
A canção nasceu sob o peso da história, mas contou com uma empatia sem tamanho dos cinco rapazes: transformar a melodia em um grito de alerta. Do nosso lado, nos nossos dias, em nossas esquinas sempre encontramos uma Camila que guarda algo de insano naqueles olhos, pedindo para o nefasto ir embora, baixando a cabeça para tudo, entre prantos e esperas agoniantes sem saber do amanhã diante de um ser cego pelo ódio.
“Acho importante num país como o Brasil fazer músicas desse tipo. Aqui é mais confortável fazer letras que estimulem o sexismo ou utilizem violência como ingrediente. Na real, acho que ninguém fala de abuso porque não vende. A questão está no que cada um acredita e quer.”… as palavras são do próprio Thedy, que junto de seus compadres, canta e re-canta estes versos ano após ano, sob o peso empático daquela garota do tempo de colégio.
E o pior que são palavras atuais, verdadeiras: estamos cercados, as mulheres vitimas dos olhos comestíveis que as fazem como puro objeto de desejo e objeto e os homens que, tentando colocar-se num lugar de fala contra as atrocidades, censurados pelos gritos de “mimimi” de machistas e misóginos disfarçados das mais variadas formas.
É o soco que tomo todo o tempo quando ouço “Camila, Camila”, e aqui falei apenas do poder da letra, das palavras pesadas com um simples véu do subjetivo poético que cerca a letra. A batida acelerada de Sady dá o ritmo dos acontecimentos, mas a melodia não acaba-se em um Rock mais agressivo: ela só aumenta na hora do refrão, quando parece que os temores de Camila caem todos ao mesmo tempo.
E desde aqueles dias, quando a história cruel daquela garota foi enfim revelada a meus ouvidos, que diante deste machismo, da misoginia, da agressão e do grito contra a violência as mulheres (de todas as formas) eu grito quase rasgando o seu nome, quase como um alerta constante: estamos cercados.
Camila! Camila! Camila… sem mais.
Olá André! Parabéns pela importante publicação sobre está poderosa canção com nome de mulher.
É urgente que os ouvintes descubram profundamente a letra da música Camila, Camila e também de sua sequência, Fuga, que trazem grandes reflexões e questionamentos sobre a violência contra a mulher
Parabéns. E sucesso!
RicBrandes / Escritor
Blumenau, SC
PS. Obrigado pela menção aí nosso projeto Retratos de Família! O E-book está disponível gratuitamente em http://www.bit.ly/projetoretratos e o vídeo da roda de conversa no YouTube do @oktoberblog