Som n’A BOINA #24: A genialidade e extravagancias de Liberace

É notável no mundo da música que domar um piano é coisa de um cidadão perto da genialidade musical. O grandioso instrumento de cordas oriundo do século XVIII está presente em praticamente todos os estilos musicais, dos mais populares aos mais clássicos. O piano deu vida a outros instrumentos, como o órgão. O piano teve seu som feito eletrônico. O piano é a realização musical de muitos astros da música. O piano pode ser vertical ou de cauda, teclado ou de tubos. O piano é, simplesmente, o piano.

E como vários instrumentos musicais, o piano também tem seus gênios. Gênios da composição como Beethoven e Chopin; gênios que reviveram clássicos, como Vladmir Horowitz e Arthur Rubinstein; gênios que o domaram e fizeram (e fazem) suas canções, como Elton John e Ray Charles, até mesmo aqueles que o tocam e nem parecem que sabem tanto, como você que está lendo este texto agora e dedilha as teclas brancas e pretas, sendo muito bem ou ainda aprendendo.

Mas, no mundo da música só pode existir uma única pessoa que transforma a arte de tocar piano numa verdadeira alegoria extravagante e, ainda assim, gostosa de se ouvir. Ao clássico, ele adicionou um marcante candelabro e muito talento empregado, quase que desfilando os dedos por sobre o teclado. Ele partiu desta para melhor há 30 anos, mas ainda assim é lembrado pela técnica, bom humor, pelas polêmicas e pela extravagancia.

Senhoras e senhores: Liberace no SnaB!

O jovem Liberace, nascido em berço de músicos, não teve outro caminho senão a música, investindo no piano, o mesmo instrumento que sua mãe tocava (Reprodução)

Seu nome completo é Wladziu Valentino Liberace, mas o nome de sua tradicional família de músicos seria pela qual ficaria conhecido no mundo da música. E ele não tinha como escapar do destino. Seu pai, Salvatore Liberace era trompista na Filarmônica de Milwaukee; a mãe, a polaco-americana Frances Zuchowski, era pianista; o irmão George era violinista. Ele estava bem cercado e, desde menino, o jovem Wladziu mostrava muito interesse pelo instrumento da mãe.

Com uma predisposição para a música deste tamanho, logo o jovem Liberace já estava aprofundando as habilidades no Colégio de Musica de Wisconsin, apadrinhado pelo musico polaco Ignacy Jan Paderewski, pianista e ex-político polonês que havia emigrado para os EUA durante a Segunda Guerra. Com apenas 11 anos, Wladziu já fazia seu primeiro solo com orquestra e tornara-se requisitado para tocar em outros importantes grupos musicais clássicos.

Pela base educacional, tudo indicava que aquele prodigio iria trilhar o caminho da música clássica. Mas logo o jovem Wladziu virou definitivamente o incrível Liberace quando, num recital trocou o clássico por um arranjo popular. E detalhe: com toques totalmente pessoais. E foi nessa mudança musical que, aos poucos, o pianista incorporava o showman, também cantando e dançando quando a oportunidade lhe cabia.

 

Logo, os ternos comportados deram lugar a roupas extravagantes, cheias de paetês e brilhos, com vários anéis nos dedos e sempre um sorriso na cara. Liberace dificilmente perdia o bom humor em cena e quando ficava sério era por conta das fofocas do show business. A partir de 1953, ganhou um programa de TV semanal transmitido em rede nacional diretamente de Las Vegas, onde tocava quase todas as noites em espetáculos cheios de glamour e constantemente lotados.

Um dos tantos pianos de Liberace (devidamente adornado pelo icônico candelabro), que além de colecionar várias versões e formas do instrumento, também era famoso por colecionar carros curiosos, como o icônico Rolls-Royce Phantom V abaixo), entre outras obras de arte e coisas curiosas que o polpudo salário podia pagar (AP | Reprodução)

No auge da carreira, chegou a ganhar cerca de US$ 5 milhões por ano pelos shows em Vegas e para a TV, fora os LPs que lançava. E o patrimônio do pianista só aumentava, Liberace tinha coleções de carros curiosos, de roupas extravagantes que usava nos shows e outras coisas mais que o seu polpudo salário podia comprar. Uma delas era a coleção de pianos, cada um mais curioso que o outro. Em 1979, os fãs tiveram a chance de ver de perto estas coleções curiosas quando foi aberto o Museu Liberace a visitação.

Mas por trás de toda essa riqueza, Liberace fazia por merecer o salário e a vida de luxo que tinha. Seu talento no piano valia cada centavo empregado. Fora os arranjos únicos e pessoais que iam dos clássicos aos populares, a notável velocidade na execução das peças era algo que chamava atenção. Liberace era tão veloz no piano que era capaz de dobrar o o tempo original de uma música sem perder a constância e a facilidade de tocar que tinha.

Ele demonstra bem isto nesta execução absurdamente rápida da brasileiríssima Tico-Tico no Fubá, em 1969. Tocadores de cavaquinho ficariam com inveja branca dele:

A única coisa que irritava Liberace era o burburinho do show buisiness. Inevitável que uma estrela do seu porte seria alvo fácil dos tabloides sensacionalistas e assim o era. Nos anos 60, ele colecionou processos contra jornais que discutiam sua suposta homossexualidade. Embora, sendo algo que com o correr dos anos era algo difícil do pianista multimilionário esconder, até pelos seus trejeitos.

No fim dos anos 70, ele envolveu-se num romance tórrido com seu assistente de palco, Scott Thorson, numa relação no mínimo doentia, tendo Liberace pedido a adoção do jovem como seu filho. Nunca que Lee (como costumava ser chamado pelos íntimos) admitia isto em público, contando até de seus flertes e sonhos com mulheres influentes nos anos 50 e 60 em sua autobiografia lançada em 1973 e relançada várias vezes.

Liberace e seu assistente de palco, Scott Thorson, um romance que o pianista insistia em esconder. Em 2013, o filme Behind the Candelabra, produzido pela HBO, desvendou em profundidade esta história (Reprodução)

A verdade é que a história dos relacionamentos de Liberace era prato cheio para as fofocas dos tabloides de famosos, mas nada que parava esta combinação estranha de talento e extravagancia. Além de concertos icônicos, o pianista acumulava cirurgias plásticas para não perder a face jovem de outros tempos, bem como os processos que abria e sofria, um deles do próprio Scott Thorson, devassado com o fim do romance secreto. E eram os anos 80, onde o mundo se via de frente com a maior praga do século: a AIDS.

E seria ela que acabaria com a saúde de Liberace. Suas relações promiscuas, sempre ocultadas pelo empresário e por pessoas do seu círculo intimo, o levaram a contrair o virus que fragilizaria sua saúde mas não o seu talento. Sua última aparição na TV foi no natal de 1986, ainda tocando impecavelmente para a platéia do icônico programa de Oprah Winfrey.

Ele morreria em 4 de fevereiro de 1987, em sua casa de Palm Springs, na Flórida, sendo enterrado no mesmo jazigo onde estavam sua mãe e seu irmão, George, mortos anos antes. Depois de alguns meses e de esquivas do empresário do pianista,  Seymour Heller, foi revelada a verdadeira causa da morte de Liberace: complicações decorrentes da AIDS.

Recentemente, a carreira de Liberace foi destaque numa excelente produção da HBO intitulada Behind the Candelabra, dirigido por Steven Soderbergh e baseado no livro escrito pelo ex-assistente, Scott Thorson e que conta sobre o período turbulento de relação de Scott e Lee.  No papel do pianista e do assistente estão, respectivamente, os consagrados Michael Douglas e Matt Damon, em atuações ousadas que valeram três Emmys e dois Globos de Ouro.

Foi-se o showman, ficava para a história o pianista que, mesmo com suas extravagancias, encantava plateias com sua forma única de refazer a música nas teclas do piano. Mesmo com todas as controvérsias e histórias ocultas, nada pode negar que Liberace era muito mais do que um milionário do entretenimento que viveu todas as formas de luxo, mas um destes raros gênios do piano que dificilmente nascem todo dia, e que merece, com certeza, seu lugar na história da música.

Assim sendo, a reverencia justa a Liberace! O equilíbrio perfeito entre o show bizz e a técnica entre teclados. E até o próximo SnaB!

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