Qualquer garagista no mundo pode dizer que, nos dias de hoje, é um desafio quase hercúleo vender automóveis semi-novos ou usados. O mercado não permite ilusões: o cidadão ganha menos, evita gastar com o desnecessário ou fazer negócios que, por ventura, pode se arrepender. E em qualquer país a história é assim, inclusive no Brasil.
E o que resta a qualquer revendedor particular de automóveis? Apenas fazer boas condições para adquirir o sonhado carro ou picape não bastam, um bom comercial sempre ajuda a tirar, por alto, o receio do possível cliente e, por conseguinte, faze-lo sair do sofá para conhecer o que você tem de melhor a oferecer. E quando o assunto é veículo, a persuasão não pode falhar mesmo.
Nos EUA, onde mais de 250 milhões de veículos cruzam as estradas ou esperam para ser vendidos, a lei da oferta e da procura não muda muito, mas a persuasão do cliente… ah! Isto é um capítulo a parte. Em cada esquina dos 50 estados yankees há um revendedor de automóveis que, para convencer seu cliente, faz de tudo e mais um pouco para chama-lo a sua loja, comprar um carro e sair sorrindo. O que parece fácil num país onde carros são mania entre muitos, mas não é bem assim.
E vale tudo mesmo, não há limites para as ideias mirabolantes e propagandas espalhafatosas. Este recorte abaixo, ainda do distante 1985, conta bem isto:
No entanto, entre os loucos desta fauna de revendedores americanos, um deles pode muito bem ser chamado de the best ever dos garagistas. Primeiro louco do vídeo acima, natural de Bly, Oklahoma, o sr. Calvin (Cal) Coolidge Worthington tem nome de presidente, e assim como seu homônimo, entrou para a história dos EUA. Não na política, mas sendo o melhor no seu segmento: vender carros.
Menino nascido pobre, virou às da força aérea depois de missões arriscadas e manobras ousadas nos ares da Segunda Guerra. Mas não foi nos aviões, como sempre queria (e não pode por não ter diploma universitário), que entrou de vez no imaginário americano. Entre tantos ousados revendedores da automóveis a sua volta, resolveu se armar das técnicas mais inusitadas de marketing para conquistar seus clientes. Agressividade e extravagancia eram as suas palavras de ordem.
Por um cliente, Cal fazia de tudo na TV para persuadir o público: se não estava de ponta-cabeça num avião de acrobacias, como chegou a estar, aparecia em cena com o fiel cão Spot, que não era, tecnicamente, um cachorro. Era uma verdadeira fauna que incluia elefante, tigre, urso, hipopótamo, macaco, camelo, etc. O que desse na cabeça aparecia nos comerciais.
A estratégia inusitada começara nos anos 50, quando um vendedor rival apareceu na TV fazendo propaganda junto do estimado cãozinho de estimação. Cal não perdeu tempo e contra-atacou no melhor estilo guerrilha: apareceu no comercial seguinte, trajado no clássico modelo cowboy que o acompanhou a vida toda junto de um gorila, o primeiro cão Spot de que se tem notícia. E acredite, a técnica deu certo, ninguém podia igualar Cal Worthington, o revendedor maluco da Califórnia.
No auge da rede, Cal chegou a ter uma cadeia de 29 revendedoras, partindo do clássico endereço na Bellflower Boulevard, em Long Beach (Califórnia) até o Alasca! Fora que trabalhou com as três principais marcas automobilísticas yankees: Ford, General Motors e Chrysler/Dodge. E a regra para fechar uma compra era simples: faça de tudo para agradar um cliente.
De acordo com um conhecido de Worthington, ele era do tipo que acreditava que o consumidor não quer só comprar algo, mas gostar de você. E ele o fazia da melhor forma, sendo ridículo para uns ou cômico para outros, passando a imagem de biruta amigável a quem quisesse ver. E se você acha que isso não deu certo, ora, não é a toa que Cal Worthington sustenta a alcunha de ser o maior vendedor de carros da história americana, com (segundo as contas do próprio Cal) mais de 1 milhão de vendas ao longo de sua vida como vendedor.
Plus! Não bastou apenas vender como um alucinado, Cal foi tão marcante nas suas vendas que entrou de vez na cultura pop americana como o típico revendedor de carros que faz de tudo para você ter o sonhado veículo. De filmes, seriados e programas de TV, de personagens ou até aparições dele mesmo contando sobre sua fórmula do sucesso, teve de tudo. E você sabe, para virar ícone na cultura pop americana tem que ser algo realmente marcante.
Um exemplo:
Essa história de o patrão ser garoto de propaganda não é coisa de hoje. O que Luciano Hang faz em comerciais da Havan não é novidade nos EUA e também não se restringe a venda de veículos.
Dois exemplos bem claros disto estão no mundo dos fast-foods: Dave Thomas, criador da franquia de hamburgers Wendy’s, e o coronel Harland Sanders, o homem por trás do Kentucky Fried Chicken (KFC). O primeiro salvou seu negócio da falência com comerciais cômicos e bom trabalho. O outro, virou elemento da cultura pop americana, mesmo 38 anos após a sua morte.
E não pense que esta de revendedor dando a cara para bater só tinha por lá. Um exemplo também está bem aqui no Brasil. O Cal Worthington tupiniquim é de São Paulo e de origem italiana: Vittorio Emanuele Primo Rossi, responsável por fundar o primeiro consórcio ligado à Volkswagen no país, em 1964.
Muitos dos seus comerciais o traziam como o garoto-propaganda e enalteciam as condições que só ele tinha para adquirir o seu Volks zero, numa clara inspiração vinda dos revendedores yankees. E a frase-tema era clara: O Primo Rossi não é um primo, é um pai!. A Primo Rossi existe até hoje, não mais ligada a Volkswagen mas ainda como uma força no mercado de automóveis e consórcio da capital paulista e, também, em todo o Brasil.
Quanto a Cal, o velho cowboy abandonou os animais nos anos 90, mas não deixou de lado as aparições nos comerciais da loja, que torraram durante a vida mais de US$ 15 milhões bem gastos (detalhe: a agencia de publicidade era do próprio Cal e ele era seu único cliente!). Ele fez comerciais até onde pode fazer, sempre com as letras berrantes e piscantes e a velocidade em passar informações em apenas um minuto.
Cal Worthington morreu em Orlando, Califórnia, em 8 de setembro de 2013, aos 92 anos e colecionando grandes histórias e grandes vendas. A revenda Worthington Ford ainda está de pé no mesmo endereço em Long Beach, assim como algumas outras que ainda pertencem ao grupo. Comandando-as está o neto, Nick Worthington, que não tem a mesma velocidade do avô para os comerciais mas mantém com excelência o império construído por ele.
Se existem, hoje, loucos que lhe extorquem com o preço de um carro, saiba que existiam (ou ainda devem existir) bons loucos que fazem de tudo para você saia motorizado da sua revendedora não pelo dinheiro que gastam, mas pela amizade que fazem com você. Não é preciso, exatamente, ser louco. Como pensava Cal: o cliente não quer, apenas, comprar algo, mas sim gostar de você.
Fica a lição e as histórias… e agora, para fechar… He’s Cal Worthington and his dog Spot!