A varanda da Dona Renata

Tinha um lugar aqui perto de casa que, nestes dias atrás, me veio a lembrança…

Quando era adolescente, não era raro quando subia o morro da Rua Rio Negrinho para me encontrar com a Ana na casa dela e, de um fim de tarde, tornar o melhor momento para uma prosa sem fim.

Naquele tempo, ela morava com a mãe, a amável D. Renata, no alto daquele lugar. Vez em quando, a gente trocava o local de nossas conversas: ora era aqui em minha casa, ora na dela.

Os assuntos? Desde o que acontecia no corredor da escola, fanfarra, amigos, aquelas preocupações despreocupadas e sonhos de adolescentes que éramos, e de alguma forma do que olhávamos para o futuro nebuloso achando ele tão bonito quanto o presente.

A casa da Ana tinha inúmeros atributos. Talvez não fosse um monumento inesquecível da engenharia moderna mas achava aquilo a perfeita sala de reuniões da turma que tínhamos em volta da gente.

Eram noites de filmes, brincadeiras descompromissadas, mil e um vídeos registrados com as então avançadíssimas câmeras digitais e momentos, entre um cachorro quente e um gole de coca, que nos permitiam conversar sério sobre a vida em volta.

Mas do nada, neste fim de semana de idas-e-voltas no passado e no futuro, voltei a um canto em especial daquele lugar que nunca mais teremos chance de pisar e sentir lembranças antigas: a varanda. Não sei bem dizer se aquilo era ou não uma varanda, mas devo admitir que a Renata tinha um privilégio enorme de ter aquela varanda como o quadro pintado todo dia de pôr-do-sol azul.

E não foram poucas as vezes que ambientes assim serviram pra trocar um papo sem pretensão entre eu e ela, ou melhor: entre eu e elas. Esses momentos de reflexão, passando a limpo os dias que vivemos e sonhando os dias que viveríamos, coisas que não tem preço e nem tem registro disto, mas se tem gravado na memória uma espécie de doçura, de inocência com o mundo a volta que, as vezes, pede gritando por momentos assim.

Eu era adolescente, tinha mil sonhos e não sabia para onde correr ou o que fazer da vida dali daquela varanda em diante. Por pensar e agir diferente, talvez tendendo caminhos que nunca quem estava ao meu redor ousou pisar. Por isso, em muitas horas, minha forma de ver o mundo foi vitima dos dedos alheios de tanta gente, e naqueles tempos nosso psicológico não conhecia tanto como conhece hoje, onde se previne, se alerta e tenta se entender.

Não se vê nada além de luzes das casas no morro do outro lado do rio: a vista da varanda da casa da Ana naqueles tempos, em um dia a noite

Recebia as marteladas, as vezes calado e outras raivoso. Por vezes, perdia o foco e me voltava mais ao meu canto do que ao seio dos meus pais ou amigos, e muitas vezes mais me esquivava disso tudo no afã de dizer que “eles estavam errados”.

Eu acho que, nestas esquinas da vida, ainda estejam errados, decidimos trilhar nosso caminho batendo o pé no chão e tapando os ouvidos contra as palavras pesadas de quem, bobamente, já prendeu uma âncora na vida.

Por estes dias, um amigo meu da época do futsal, onde este escriba queria dar uma de Manoel Tobias, chegou a me interpelar para recordar da turma que tínhamos para bater bola na quadra nos sábados a tarde.

Ah, e eu era zoado, principalmente porque, nas horas de solidão, subia a arquibancada para poder imaginar uma televisão ou um rádio e ficava narrando as partidas dos adultos, dos nossos pais, e eles ou se divertiam ou imaginavam-me calando a boca.

Entre eles, eu era o “Palermo”, soando naturalmente pejorativo mas dentro de toda a inocência que volteia os adolescentes que imaginavam estar no prelo da glória no fim de tarde inocente daqueles sábados. Eu era um jogador mais propício ao banco de reservas, mas arriscava meus gols.

Quase fui artilheiro do campeonato no primeiro torneio infanto-juvenil interno que fizemos. E curiosamente, naquele time, o hoje Dom Diego, o marido da Ana, jogava comigo (e jogava muito!).

O tempo passou, e este mesmo amigo, tão vascaíno quanto eu, sorria me dizendo “poxa, a gente te zoava tanto naquele tempo e te chamava de Palermo, mas hoje você é um profissional! Calou a boca de muita gente!”. E eu que não carrego nada daquele tempo a não ser risos de muitos momentos, ficava até sem jeito.

Um profissional? Eu? Nada, apenas alguém que fazia o que gostava e faz o que gosta até hoje, desde aquele tempo.

Alias, rapidamente explicando: Palermo, ou melhor, Martin Palermo, foi um dos grandes jogadores da Argentina em fins dos anos 1990 e começo dos 2000. Ficou estigmatizado por perder três pênaltis no mesmo jogo (contra a Colômbia, dona da casa da Copa América de 2001).

Jogador com cara de rebelde e cabeleira loira, foi ídolo do Boca Juniors e de clubes espanhóis como Alavés, Villareal e Real Betis. Hoje, treina “apenas” um dos maiores clubes do cone-sul: o multicampeão Olímpia, do Paraguai.

Depois de perder três pênaltis contra a Colômbia, em 2001, não tem quem não se irritasse. Eis Martin Palermo, ídolo argentino e atual técnico do gigante Olímpia (Paraguai)

Se Palermo é, hoje, um profissional de respeito na área que atua mesmo abaixo das piadocas que o faziam, por que eu não poderia o ser? São cinco anos na União FM, cronista de história do Portal Alexandre José e colunista do Jornal A Cidade, em Timbó, fora os trabalhos independentes que fazemos, dando vida, contando histórias e pesquisando histórias.

E isso não é nada ainda, não se resume ao fim da estrada e passa longe de onde quero chegar: quero ir mais longe, voar no rádio, escrever livros, dar andamento aos sonhos sem calar a boca de ninguém, pelo contrario, convidar estes todos para estar comigo nestas andanças que não tem fim, seja aqui, São Paulo ou lá no além-mar.

Ah! E aquele chato que narrava uma hipotética transmissão de futsal de patota nos sábados a tarde já esteve em Sampa contando a história de uma 24h de Le Mans para um país todo nas vias digitais, defendendo com orgulho a admirável casa dos Saad no seu corredor esportivo.

Ainda narro, agraciado pela mão amiga do velho lobo Rodrigo Mattar no canal dele no YouTube. Ele sonha em ser grande e será, e todos nós seremos, somos da mesma roda dos “diferentes” que tiveram dedos apontados e são bons teimosos para provar que todos estavam errados.

Narrar mais pelo esporte? Sonho sim e fortemente! E por que não continuar insistindo? Aprender e voar é um sonho antigo e perseguido ferozmente. A gente teima e sabe que vai conseguir! Vai sim.

 

Enfim, e tudo isso sentado naquela cadeira de balanço roubada de Renata naquela mesma varanda da casa dela e da Ana. Ana esta uma testemunha, ainda que na distância da correria da vida, do tanto que teimo em mostrar até para nossa turma onde posso chegar.

E perdi a conta das vezes em que ela estendia a mão pra gente prosear, talvez se acolher nos temores da vida lá fora e encarar eles depois de, como sempre, outro dedo de prosa.

Aquela varanda da adolescência, por mais saudade que dê, ficou em algum lugar do passado. Ana e Diego não mais estão lá e a vida deles não podia ser mais linda rodeando a serelepe Agatha. A Renata, que me acudiu nas convulsões psicológicas escolares, também está feliz por algum canto da cidade, e os caras que dividiam a quadra comigo também encaminharam a vida, assim como a mesma turma que rodeava eu e a Ana em vesperais e encontros noturnos inesquecíveis.

E você, talvez sentado comigo nesta hipotética varanda que lhes coloquei comigo e com a Ana, deve pensar nas mesmas barreiras da vida. Não importa a idade ou onde está estacionado com seus sonhos, o que importa é não deixar-se ajoelhar quando alguém lhe apontar o dedo da dúvida. Para quem sonha bem mais do que o “automático” da vida cotidiana, fazer dela o roteiro escrito por você é que mais importa, e você consegue.

Então, se levante, tenha orgulho de onde você está. Das tuas origens, de onde você vem vindo e aonde quer chegar. Não tome o fim de uma estrada como parada final, mas trace dali em diante outros caminhos que possam ser trilhados, independente de quem lhe aponte o dedo, lhe rebaixe ou lhe ignore. Prove que estes estão errados, e eles sempre estão errados.

Quantos sonhos! Sonhe e persiga! E não tenha vergonha de voltar a momentos como estes, nem que seja apenas pela mente. Saia desta varanda e vá viver o mundo! Sempre terá alguém no caminho para um dedo-de-prosa.

Quanto a mim? Ah, saudade daquela varanda! Os pôr-do-sol dela são inesquecíveis, tais como as prosas vindas da Ana e os sonhos que sonhamos e que ainda perseguimos.

A vida pede momentos como naquela varanda, para sonhar e traçar caminhos, ser grato por tanto e sorrir com a pura vida que temos.

Enfim, sigamos em frente… E você, vem comigo?

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