TV, ano 69: A odisséia fantástica da TV Tupi

65 anos atrás, tudo começava com ela. Num 18 de setembro em 1950, o Brasil dava a largada para entrar de vez no mundo da televisão. A PRF-3, a TV Tupi de São Paulo era oficialmente inaugurada, fruto do empreendedorismo do jornalista Assis Chateaubriand e dos Diários Associados. Era só o começo de uma viagem que duraria exatos 29 anos, mas que seria a semente para a televisão brasileira, que hoje comemora mais um ano de histórias, avanços e momentos marcantes.

Mas toda a história é feita de curiosidades, como de costume. E por isto, A BOINA separou algumas das curiosidades mais pitorescas e histórias mais impressionantes sobre a pioneira da caixinha luminosa que encanta o brasileiro e
que, fatalmente, nos deixou em 1980. Aos apaixonados pela história da televisão, uma boa leitura!

Veja o único registro em vídeo da inauguração da TV Tupi, em 1950 (Reprodução da Globo News):

O tempo da TV a Lenha

O médico e cientísta Edgard Roquete Pinto, pioneiro no rádio e o primeiro a experimentar televisão no Brasil, em 1933 (Reprodução)

– Engana-se o brasileiro desprevinido que acredita que a TV Tupi foi a primeira da América Latina. Da América do Sul foi a pioneira, mas da América Latina a honra cabe a XHTV, a Televisión Mexicana, que foi ao ar no dia 31 de agosto de
1950, exatos 18 dias antes da Tupi. No entanto, o Brasil foi o quarto país no mundo a ter um serviço de TV aberta diário, após a Inglaterra (BBC, 1936), Estados Unidos (NBC, 1939), França (RTF, 1947) e, claro, o México.

– No entanto, a Tupi não era a primeira experiência de televisão que o Brasil tinha. Em 1933, o médio e cientista Edgard Roquette Pinto, também pioneiro do rádio, fez as primeiras experiências com o equipamento no prédio da Radio Sociedade do Rio de Janeiro, atual Radio MEC.

– A TV Tupi foi a saída para Assis Chateaubriand, dono dos Diarios Associados e grande nome empreendedor da comunicação brasileira, de fugir do paulatino massacre que a Radio Tupi tomava da Radio Nacional na era de ouro do rádio. Tanto que Chateaubriand chegou a ameaçar a voltar os veículos dos Diários contra o governo se o mesmo desse a concessão a tradicional radio carioca. Contou ainda com a certa descrença dos dirigentes da Radio Nacional, que não acreditavam muito no sucesso da TV. Pedido aceito, a Tupi estava a caminho e a Nacional entrava em lenta decadência.

Frei José Mojica canta na pré-estreia da TV. O galã mexicano que Hollywood perdera para a batina franciscana era o primeiro rosto da TV nacional, ainda em circuito fechado (Divulgação)

– As primeiras imagens na TV brasileira em circuito fechado, por mais curioso que seja, foram da cantoria do Frei mexicano José Francisco Guadalupe Mojica. O ator mexicano de grande sucesso em Hollywood que tinha se convertido aos franciscanos na década de 40 e vivia no Peru.

– A estréia da TV foi restrita a uns poucos privilegiados que puderam assistir a transmissão inaugural em um dos 100 televisores que o próprio Assis Chateaubriand distribuiu entre empresários e amigos. Entre eles estava o ainda jovem dono de jornal Roberto Marinho, que em 1965 passaria de simples homem da comunicação ao maior concorrente da Tupi naqueles anos seguintes.

– Tudo era para dar errado naquela noite de 18 de Setembro. O calor era demais nos estúdios e, faltando pouco para entrar no ar, uma das duas câmeras RCA pifou, quebra que poderia ter sido causada por uma homérica garrafada de champanhe do próprio Assis no aparelho. Os técnicos americanos tentaram adiar a estréia, mas a equipe brasileira, composta por nomes como Demerval Costa Lima e o futuro escritor de novelas Cassiano Gabus Mendes, foi dura na queda e seguiu a solenidade.

 

A última sobrevivente: Uma das câmeras RCA dos primeiros tempos da PRF-3. Uma destas pifou bem na noite de inauguração (Divulgação)

– Para a inauguração teve até hino. O Hino da Televisão foi composto por Guilherme de Almeida com música de Maurício Tupinambá e era pra ser cantado por Hebe Camargo. Mas a loiruda escapou do pepino de cantar a melodia, que sobrou para as mãos e voz de Lolita Rodrigues. Veja a letra:

Vingou como tudo vinga
no teu chão, Piratininga
A cruz que Anchieta plantou!
Pois, dir-se-á que ela hoje acena
Por uma altíssima antena [2X]
Em que o Cruzeiro pousou.

E te dá, num amuleto,
O vermelho, branco e preto
Das penas do teu cocar. [2X]
E te mostra num espelho,
O vermelho, branco e preto
Das contas do teu colar. [2X]

Veja e, se quiser, cante também!

O índio, mascote fiel da Tupi. Ao gosto de Chateaubriand, apaixonado pela cultura indígena (Reprodução)

– O show TV na Taba foi o primeiro programa, naquela noite de inauguração. Junto das atrações da noite todo o cerimonial de benção dos estúdios e as palavras do emocionado Assis Chateaubriand, que duraram duas intermináveis horas. No fim do programa, euforia e muitos abraços. Mas…alguém ali sabia o que iam colocar no ar no dia seguinte?

– A Tupi do Rio de Janeiro foi inaugurada em 1951 e não seguia um padrão em rede (que só seria adotado em 1972). Espremida no quinto andar de um prédio no centro, a emissora fazia um literal malabarismo para driblar a falta de espaço e os problemas. Um deles era uma teimosa coluna bem no meio do estúdio, o que obrigava os cinegrafistas a manobrar heroicamente as câmeras para tira-la do enquadramento.

– O nome da emissora, bem como de algumas afiliadas – TV Itacolomi (MG), TV Marajoara (PA), TV Piratini (RS) – e os respectivos mascotes tem inspiração nos povos indígenas. Fetiche do próprio Chateaubriand, que era apaixonado pela cultura e história indígena.

Novelas, jornais e criatividade

Vida Alves e Wálter Forster, estrelas de “Sua Vida me Pertence” e protagonistas do primeiro beijo das novelas (Divulgação)

– A primeira novela brasileira, ainda não diária e exibida ao vivo, foi da Tupi. Trata- se de Sua Vida me Pertence, exibida em 15 capítulos entre 21 de dezembro de 1951 e 15 de fevereiro de 1952, estrelando Vida Alves e Wálter Forster. Seria também a primeira do gênero no mundo e a responsável pelo primeiro beijo das telenovelas de que se tem notícia. No entanto, a primeira novela diária seria proeza da TV Excelsior, em 1963. O folhetim 2-5499 Ocupado.

– Ainda nos campos da teledramaturgia, a Tupi fazia proezas. Em 1964 foi ao ar a novela O Direito de Nascer, inspirada em uma produção cubana para o rádio. O sucesso foi tamanho que o último capitulo da novela foi encenado ao vivo em dois shows: Um no Ibirapuera (SP) e outro no Maracanazinho (RJ). O folhetim seria regravado pela Tupi em 1978, sem mais o mesmo apelo.

O bicão que queria ser herói. Luis Gustavo como Beto Rockfeller, personagens da novela que revolucionou as novelas (Retro080)

– Falando ainda em telenovela, a Tupi também foi responsável por revolucionar a forma de produzir os folhetins, saindo do lado teatral e engessado das produções melosas para uma forma mais natural e espelhada na realidade, com gírias e abordando a vida real nua e crua. Proeza esta foi de responsabilidade de Beto Rockfeller, de 1968/1969, escrita por Bráulio Pedroso e estrelada pelo genial Luis Gustavo . A novela também teve uma espécie de continuação em 1973, mas A Volta de Beto Rockfeller não teve o mesmo sucesso da primeira produção.

– Decidida a transmitir ao vivo a inauguração de Brasilia, em 21 de abril de 1960, a Tupi teve de apelar, outra vez, a criatividade dos primeiros anos. Três aviões, um Douglas DC-3 da VASP e dois da Força Aérea Brasileira (FAB), equipados com repetidoras, foram colocados na rota entre São Paulo e Brasilia, voando em círculos, em uma distância pré-planejada. O objetivo era aumentar o raio de transmissão por meio de um link aéreo. O sinal era transmitido para o primeiro avião, que retransmitia para o segundo. O seguindo retransmitia para o terceiro, que por sua vez, retransmitia para a antena da Tupi na capital paulista.

– A transmissão a cores no Brasil chegaria, oficialmente, em 1972. No entanto, a TV Tupi foi a primeira a experimentar este modelo ainda nos anos 60. A emissora paulista prometia para breve uma programação colorida já em 1963, fazendo experiencias com episódios coloridos da série de western de TV americana Bonanza. No entanto, os custos do padrão americano NTSC e dos receptores coloridos botou o plano por terra.

– A posse e o suicídio de Getúlio Vargas foram algumas das primeiras coberturas jornalísticas do Imagens do Dia, primeiro jornalístico da TV brasileira. As manchetes eram muito pouco filmadas, a grande parte era exibida acompanhada de fotos, dado o primitivismo dos equipamentos. Foi também da TV Tupi o furo mundial que reportou, na Bolívia, a morte do guerrilheiro Che Guevara, em 1969.

Gontijo Teodoro nos estúdios do Repórter Esso. O jornalístico saiu do rádio para a TV em 1952 e, até 1970, teve passagem destacada na telinha (Divulgação)

– O Reporter Esso, marca maior do jornalismo brasileiro de todos os tempos, teve a carreira televisiva marcada na TV Tupi, entre 10 de abril de 1952 e 31 de dezembro de 1970. O jornalístico durou mais dois anos na televisão depois de encerrar as transmissões no rádio, em 1968. Não era em rede, cada emissora da Tupi tinha a própria edição do primeiro a dar as últimas.

– O jogo São Paulo X Palmeiras, no Estádio do Pacaembu, foi a primeira transmissão de um evento esportivo da TV brasileira, pelas mãos da Tupi. Tempos em que os dirigentes de clubes e federações acreditavam que a transmissão de partidas tiraria o público dos estádios e vociferavam fortemente contra a televisão por conta disto. Teve até quem cercou o estádio com muros de bambu para evitar a filmagem dos jogos. Sem sucesso.

Silvio Santos, a rede e o fim

Silvio Santos também teve parte na história da Tupi em dois momentos. Faltava apenas um breve tempo para Silvio fundar a TVS, a emissora de TV dele próprio, em março de 1976. Nos primeiros anos, o Programa Silvio Santos era transmitido tanto pela Tupi (para todo o Brasil) quanto pela TVS (para o Rio de Janeiro) e também pela Record. Em 1981, seria de Silvio Santos a concessão do antigo canal 4 de SãoPaulo , o que abrigava a primeira emissora de TV brasileira. Nele, estaria nascendo o que hoje é o Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT.

Silvio Santos esteve na Tupi em fins de 1975 e começo de 1976. Além de transmitir o tradicional programa dominical pela emissora, foi também Silvio que assumiu o canal 4 paulista em 1981, para construir o SBT (Página do Silvio Santos)

– O processo de construção da Rede Tupi iniciou em 1972, e de uma forma inusitada. As diretorias das emissoras de São Paulo e do Rio não se entendiam sobre qual das emissoras seria a cabeça da nova rede. No final, depois de ideias furadas e rixas, ficou decidido que ambas comandariam a rede, fato inédito da América Latina, talvez até do mundo.

– Apesar do avanço da consolidação da rede, a crise da emissora já estava estabelecida antes mesmo da morte do fundador, Assis Chateaubriand, em 1968. Brigas entre setores administrativos e afundada em dívidas, a emissora chegou a fim dos anos 70 em situação complicada financeiramente. Em 1980, ano em que completava 30 anos, as deficiências técnicas e a audiência cada vez mais minguante eram evidentes, e o fechamento da emissora era quase certo.

Última logo da Rede Tupi, que foi ao ar em fins de 1978 até a falência da emissora, em 1980 (Reprodução)

– Em uma época onde incêndios em emissoras eram corriqueiros e habituais, a Tupi sofreu apenas uma única vez com um sinistro. Foi em outubro de 1978, o que deixou a emissora fora do ar por alguns minutos e literalmente torrou os novos equipamentos comprados pela emissora paulista. A Record foi a recordista da TV nacional, com seis incêndios registrados em 62 anos de história. Em 1960, 1966, três vezes em 1969 e em 1981.

– Tão certo o fechamento da Tupi que a novela principal não eram mais as transmitidas na programação, mas os lances  dramáticos do derradeiro fim que se aproximava. Falando em novela, com a falência, dois folhetins ficaram incompletos. Como Salvar Meu Casamento foi cortada do ar faltando 20 capítulos para o término da trama. O mesmo mal acometeu Drácula, que teve apenas quatro capítulos exibidos. Drácula, no entanto, teve um final feliz. O roteiro foi vendido a Rede Bandeirantes, que a rebatizou como Um Homem Muito Especial e deu continuidade a novela.

Alias, é da Bandeirantes o único registro da lacração do transmissor da Tupi como notícia jornalistica. Veja na voz de Ferreira Martins e Ronaldo Rosas:

– O fechamento oficial da Tupi, em 18 de julho de 1980, dois meses antes do aniversário de 30 anos, foi um dos capítulos mais doloridos da TV brasileira. Depois das afiliadas e da emissora paulista fecharem as portas de forma dramática, era a vez da estação carioca, localizada no antigo Cassino da Urca. Uma vigília de 18 horas estava sendo conduzida pelo apresentador Jorge Perlingeiro desde o dia anterior na tentativa de impedir a saída do ar. Sem sucesso, o decreto do presidente João Figueiredo era firme. As concessões estavam declaradas peremptórias e a emissora fechou.

Veja o único trecho em vídeo da vigila da Tupi carioca, em agosto de 1980:

– Para quem não conhece, Jorge Perlingeiro, o condutor da vigilia, é o leitor das notas na apuração do carnaval carioca, além de grande incentivador do samba no Rio.

O prédio da Tupi paulista no Sumaré. De 1990 a 2013 fora a sede da MTV Brasil, quando esta era da Abril Radiodifusão (Divulgação)

– Todo o arquivo de filmes da Tupi foi dividido entre três entidades. A Cinemateca Brasileira, a Rede Globo e a TV Cultura. Recentemente, a Cinemateca, por meio do Banco de Conteúdos Culturais, está disponibilizando parte deste material, como filmes e roteiros jornalísticos e capítulos das novelas. Quem quiser dar uma olhada, basta acessar o site do Banco de Conteúdos Culturais.

– O estúdios paulistas da TV Tupi, no bairro do Sumaré, foram utilizados até 2013 pela MTV Brasil, á época era pertencente a Abril Radiodifusão, que adquiriu a concessão do prédio em 1981. No entanto, a Editora Abril abriu a filial brasileira do famoso canal de música apenas em 1990. A MTV Brasil fechou as instalações no Sumaré no ano retrasado depois que os direitos da marca foram requisitados novamente pela Viacom.

– Até hoje, muitos saudosos da Tupi ficam esperando uma notícia que dificilmente virá: A volta da emissora. Desde os anos 90, quando os Diarios Associados voltaram a se reerguer e investir em novas mídias, espera-se um sinal para o ressurgimento da TV Tupi. No entanto, apesar de um tanto desaparecido da mídia, o grupo ainda é o terceiro maior conglomerado de comunicação e imprensa do Brasil, dono de jornais como o Correio Braziliense e de emissoras de TV como a TV Alterosa, afiliada do SBT em Minas Gerais.

5 comentários em “TV, ano 69: A odisséia fantástica da TV Tupi”

  1. Belas postagens, excelente pesquisas, André!
    Parabéns pela sua dedicação. Essa da TV no mundo e Brasil é espetacular. Saber desses dados são importantes para nós entendermos a nossa TV no Brasil.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história.

  2. Belo material da história da TV brasileira. Na nossa TV tivemos a Rede Tupi em Blumenau. Assim que a Coligadas – Canal 3 deixou de apresentar a programação da Rede Globo, passamos a apresentar a programação Tupi. Na área comercial fomos a São Paulo conhecer o sistema de comercialização. Criamos depois a sucursal da RBS em Blumenau. Em seguida a RBS/TV Catarinense/Globo adquiriu a TV Coligadas e voltamos na área comercial pela RBS.

    1. Sem falar, Pfau, que em algumas regiões da cidade pegava-se o sinal da TV Paraná, canal 6, que era afiliada da Tupi. Antes da Coligadas, era a grande audiência no estado, tamanha que os telejornais paranaenses chegavam a manter um espaço reservado para as notícias de Santa Catarina.

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