Viação Aérea Rio-Grandense. Quem poderia imaginar que a mais importante companhia aérea brasileira de todos os tempos nasceria fora do eixo Rio-São Paulo? Quem, nos dias de hoje, poderia imaginar que uma empresa aérea brasileira operou por mais de 20 anos os poderosos jumbo 747 ou era maior que o próprio esquema aéreo nacional? E mais nebuloso, quem poderia imaginar que um império deste tamanho sucumbiu de forma tão cruel que, hoje, é apenas tema de trabalhos e teses sobre a história da aviação do país?
No último dia 7, os entusiastas da aviação, sobretudo a aviação comercial, recordaram a fundação da dita estrela brasileira no céu azul que representou por 79 anos o Brasil nos tantos aeroportos que esteve pelo mundo. Da iniciativa pioneira de um imigrante alemão, passando pelo rápido crescimento e seu declínio fatal, a Varig teve uma das epopeias mais fantásticas e interessantes entre nomes consagrados da aviação mundial, e nada mais justo do que relembrar aos amigos leitores esta façanha sem precedentes nos aeroportos brasileiros.
Origem gaúcha e rápida expansão
Fruto da iniciativa de um ex-oficial da Força Aérea Alemã e então empresário Otto Ernst Meyer, a Viação Aérea Rio-Grandense surgia, oficialmente, em 7 de maio de 1927, embora esta data varie muito de fonte para fonte, com registros marcando o dia 13 e outros o dia 27. Seja como for, foi em maio que Meyer, junto de outras personalidades alemãs do Rio Grande do Sul, nasceu. Era a primeira iniciativa no setor no Brasil e uma das primeira no mundo.
O primeiro avião da companhia era, até surpreendente para os parâmetros da pequena empresa, um moderno Dornier Do J (Wal), hidroavião carinhosamente batizado de Atlântico e com capacidade para apenas nove pessoas.O voo inaugural, no mesmo ano de 1927, partiu de Porto Alegre com destino a Rio Grande, ocorrendo sem maiores problemas. A pequena empresa dava seu primeiro passo e começava, rapidamente, a expandir suas rotas para outras regiões dentro do Brasil, como o nordeste.
O período da guerra e do pós-guerra seria muito bom para a Varig, que expandiria suas atividades de forma surpreendente. Em agosto de 1942, a empresa fez o primeiro voo internacional, partindo de Porto Alegre para Montevidéu, no Uruguai, com um modesto De Havilland Dragon Rapide, uma pequena aeronave de passageiros de origem britânica, com capacidade para seis pessoas e alguma bagagem de mão.
Era um grande avanço para os intentos de Meyer, que por esta época, deixava o comando da empresa para Ruben Berta, seu mais dedicado funcionário, com o intuito de proteger a empresa por conta da sua origem alemã. Berta da continuidade no progresso da Varig, sendo beneficiado, assim como outras companhias aéreas, pelas vantagens de preços no pós-guerra, adquirindo novas aeronaves por valores irrisórios, como os Douglas DC-3 e o Curtiss C-46, o que permitiu o alcance de outros pontos no país, inclusive aeródromos remotos no norte e nordeste.
Novos aviões, incorporações e o Japão
Entrando nos anos 50, a Varig já está praticamente inserida entre as grandes companhias aéreas do país, num mercado cada vez mais lucrativo dentro e fora do país. Berta seguiu mexendo as peças no tabuleiro e expandindo ainda mais a frota e as operações da companhia. Em 1955, com a chegada dos icônicos Lockheed Constellation, a empresa lança sua mais longa rota internacional até então, ligando Porto Alegre a Nova York, com escalas em São Paulo, Rio, Belém e Santo Domingo (República Dominicana).
Fora o glamour do voo nos Constellation, a Varig também ousava e instituía a chegada do chamado jato puro ao país. Eram adquiridos, em 1959, os modernos Sud Aviation Caravelle, jatos pioneiros na aviação comercial a jato e que foram colocados à serviço nas rotas para os EUA.
No mesmo ano, era criado o maior atalho aéreo brasileiro: a Ponte Aérea Rio-São Paulo, ao qual a Varig operava juntamente com a Vasp e a Cruzeiro do Sul. Seria nela que, a partir de 1962, voaria o Lockheed L-188 Electra, o Cadillac dos Ares, que ficaria em operação até dezembro de 1991.
Ao mesmo passo, a empresa começa a investir maciçamente em publicidade, procurando desmistificar a tal visão inatingível de uma empresa aérea, ainda uma primazia para poucos. Nos comerciais, sendo muitos deles icônicos até hoje, a divulgação das rotas aéreas e das belezas do Brasil e do mundo a descobrir vinha junto da divulgação das novidades na frota da empresa, como a aquisição dos primeiros Boeing, o 707, no início dos anos 60, além de simpáticas mensagens de Natal, como a que criou a clássica assinatura publicitária da companhia por anos.
Foi também nos anos 60 que a Varig fez duas importantes incorporações de concorrentes. A primeira foi a Real Aerovias, em 1961, permitindo que sua frota e operação mais que dobrasse e as linhas aéreas fossem expandidas para países da América Latina, como Lima (Peru), Caracas (Venezuela), Cidade do Mexico, além de novas rotas para os EUA, como Miami e Los Angeles. Foi no mesmo ano que a rosa-dos-ventos foi adotada como simbolo, constituindo assim a identidade icônica da companhia por toda sua vida.
A segunda, em 1965, foi recheada de polêmica. Depois de várias tentativas de compra no início da década, a Varig recebe praticamente de lambuja do governo militar as linhas e frota da Panair do Brasil, em circunstâncias até hoje controversas e revoltantes para muitos ex-funcionários da antiga empresa dos Simonsen.
Com a vinda da estrutura da Panair, a Varig iniciou sua descoberta da Europa, além de se tornar a única companhia aérea no mundo a operar os três jatos comerciais americanos concorrentes: Os Boeing 707, o Convair 990 (vindo da Real) e o Douglas DC-8 (vindo da Panair).
No fim da década, a Varig executa a maior proeza até então com o alcance de suas linhas para o Japão, baseando-se no Aeroporto de Narita, em Tóquio. A publicidade ostensiva com o simpático Urashima Taro celebrou este grande momento, que praticamente consolidava o monopólio da empresa nas rotas internacionais, fato consumado em 1975, com a aquisição da Cruzeiro do Sul.
https://www.youtube.com/watch?v=E0WneIIveC4
https://www.youtube.com/watch?v=ITkbiRbmxKE
O 747, o adeus do Electra e o trágico final
Solida, firme e praticamente uma embaixadora brasileira na aviação, a Varig atravessou as décadas seguintes sem querer parar de crescer e ousar. Junto da constante renovação da frota e expansão de linhas, a empresa recebeu em 1981, vinda do oriente médio, os três primeiros dos seus cinco Boeing 747, o famoso jumbo que ainda era uma realidade distante das companhias nacionais. Era a única empresa da América Latina que operava esse tipo de aeronave, à época a maior do mundo da aviação comercial.
Dentro do país, a empresa já contava, desde 1976, com seu braço regional – a Rio Sul – responsável pelas rotas internas feitas pela Varig, como parte de uma política governamental que incentivasse o serviço de voos domésticos, o chamado Plano SITAR. Foi através da Rio Sul que a Varig, de certo modo, atingiu Blumenau, com voos regulares durante as décadas de 80 e 90 para o Aeroporto Quero-Quero por meio dos Embraer Bandeirante e outras aeronaves de pequeno e médio porte.
Em 1991, a Varig viveu um momento marcante. Foi em dezembro que a companhia aposentou definitivamente o velho Lockheed Electra, que operava praticamente sozinho na Ponte Aérea Rio-São Paulo desde os anos 70. Seu último voo, com jornalistas e empresários convidados, foi uma espécie de último suspiro do glamour dos anos dourados das companhias aéreas, recheado de belas histórias no roncar das hélices nos grandes voos por sobre o oceano. Para o seu lugar, entrou em cena o moderno Boeing 737-300.
Era o fim de uma era, mas por cima das coisas, o Electra parecia levar junto a juventude da Varig, que nos anos seguintes teria muito mais com o que se preocupar. Apesar da imagem sólida, os balanços financeiros da companhia começavam a apresentar sinais de problemas, fruto dos congelamentos de preços durante a crise econômica brasileira e de uma adminstração ineficiente. Em 1996 veio o primeiro negativo no balanço final, e as dívidas já eram realidade.
A Varig, no entanto, não parecia a olho nu ter algum problema financeiro. Estava investindo em novas aeronaves, renovando a frota, mudou a identidade visual e era, agora, membro da rede Star Alliance. No entanto, o atentado de 11 de setembro de 2001 provocou uma redução drástica nas procuras por voos comerciais, o que gerou uma crise no setor. Várias empresas aéreas foram pegas no contra-pé, como Vasp e Transbrasil, que sofreram seus golpes de misericórdia. A Varig, já sentindo os sintomas das dívidas acumuladas, foi duramente golpeada com a crise.
Os balanços financeiros estavam constantemente negativos e a concorrência com TAM e Gol estava ainda mais acirrada dentro e fora do país. A diretoria agia de forma débil contra os problemas e as dívidas. Até mesmo uma tentativa de reaver valores com o Governo Federal (mais de R$ 4 bilhões em dívida) foi frustrada. O Governo intencionava fundir a Varig com a TAM, o que não deu certo. Em 2005, foi deferido o pedido de recuperação judicial e a crise da empresa já era manchete nos noticiários brasileiros e mundiais.
Tentativas de aprovar um plano de recuperação decente se sucederam, buscas de sócios para injetar dinheiro na empresa não resultaram em nada. Em 2006, um ano antes de completar seus 80 anos de voo, a Varig é rachada ao meio, ficando operacional ainda a VRG Linhas Aéreas, coloquialmente chamada de Nova Varig. Infelizmente, a operação da “nova velha” marca não resultou em nada especial e, em 2007, a Gol coloca um ponto final definitivo na história da empresa com a aquisição da marca e o que mais restou de oito décadas de trabalho e tradição.
Recordações ao alcance de todos
A empresa, como conhecemos, morreu e virou página de livro de história. 90 anos depois, a Varig ainda é uma espécie de ícone da aviação comercial brasileira, simbolo de tempos de idealismo, glamour e pujança nos ares que acabou sendo manchado por uma crise sem precedentes. Seus ex-funcionários, muito além da briga pelo que lhes é de direito do que sobrou da empresa, guardam consigo recordações de dias de trabalho duro, pousos e decolagens, tristezas e alegrias que nenhum dinheiro no mundo pode lhes comprar, e nem deve.
Felizmente, como uma espécie de museu virtual constituído aos poucos e com muita persistência, abundam-se pela internet atualmente videos, documentos e relatos históricos de várias épocas da pioneira, seus aviões, acidentes, fatos históricos e sua famigerada falência há quase dez anos. Não é preciso muito esforço para encontra-los, e quando se encontra não é difícil ficar deslumbrado.
Uma interessante ação que merece destaque nesta preservação histórica é a Varig Experience, atividade que leva para vários lugares do Brasil um recorte do glamour de outros tempos da aviação brasileira e mundial. Trata-se de uma visitação guiada a um fabuloso Douglas DC-3, um dos últimos remanescentes do antigo Museu da Varig muito bem restaurado. O avião está estacionado no Boulevard Laçador, em Porto Alegre, e as visitações seguem horários que estão disponíveis no site do projeto.
A matéria abaixo é de 2016, mas já vale para ter noção da visita ao velho avião:
A pagina histórica escrita pela Varig no tal céu azul que o jingle dizia ainda ilumina o norte a sul de entusiastas, aficionados pela aviação e saudosistas, que ainda teimam em olhar para o alto em um aeroporto e, com certa reverencia e justiça, recordar os tempos em que a aviação comercial brasileira atendia pelo nome de Varig.
Simplesmente, uma reverencia justa que A BOINA dá a eterna pioneira da aviação.
André,
Uma excelente pesquisa sobre a nossa Varig. Desde criança siamos de onde estávamos para ver o avião passar, épocas boas a VARIG fez história, pena ter acabado.
Por volta dos anos de 1962/63, na minha infância, tão linda e de pés descalços ao chão, uma das maravilhas que presenciamos nos céus de toda Santa Catarina, e em especial em Blumenau, foram os aviões a Jato riscando “O céu de Brigadeiro”.
Creio que na época foram novos aviões adquiridos pela “Varig” – Viação Aérea Rio-Grandense.
Lembro-me do ceticismo na ocasião: “Vai acabar o mundo”, invasão de extraterrestres – chegada de Marcianos. Os comentários eram os mais extravagantes e variados.
No entanto aquela quantidade de aeronaves em um só momento, que imagino tenha sido próxima a dez, nunca mais foi vista a não ser em vôos individuais, solitários.
Decorrido meio século ainda lembramos do episódio, único na época – notável, épico – pois tão sensacional foi o espetáculo que jamais foi esquecido, quando em nossa memória ficou indelevelmente gravada a recordação daquele dia em que a nossa Blumenau foi brindada com primorosa maquiagem adornando o seu firmamento, presenteando-nos com verdadeiro “Céu de Brigadeiro”.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau.
Trabalhei na Varig na decada de 70 e só tenho boas recordaçoes, sua estrutura era gigantesca, tinhamos de tudo, centro medico, 2 refeitorios A e B, ginasio de esportes, jogava no time de futebol da Varig, viajavamos todo final de semana para jogar, melhor epoca da minha vida, realmente inesquecivel.