…e quando ela mergulha nas madeixas vermelhas…
Ok, não vamos começar esta procissão de palavras pela metade. Até porque passei dias pensando numa forma de escapar do óbvio para falar de idolatria saudável, admiração, personificação, personagem, imitação… tudo isso sem, claro, não cair na obviedade das palavras.
É necessário contextualizar para, juntos, entramos por entre os caracóis da garota da foto. Velha conhecida nossa destas linhas e, quando não usa as mãos para o bem, emula um pedaço da adolescência sem esconder a perfeitíssima para tanto.
Primeiro, permiti-me dar uma carteirada, como cidadão que trabalha todos os dias com música: eu não curto RBD. Mas antes de munirem-se de pedras, calma! Não é o “detestar” com a fúria ignorante de alguns fidalgos, até porque nesta lida da música a gente aprende que o dito “gosto não se discute, se lamenta” é uma forma velada de reprovar o que a pessoa gosta, faz bem, independente se for música ou não.
Desde jovem, admito, o som da trupe mexicana não bate com meu gênio. Não sei, nunca fui dos modismos e nem de ouvir com constância. Admito que, o máximo, era olhar atravessado e com a mente congelada pela monumental beleza de Anahí e Dulce Maria, é fato. Quem poderia resistir? Eu não resistiria.
O México, por natureza, produz beleza. Não a toa, a mesma beleza que os mariachis cantavam em suas serenatas ou os militantes da revolução ansiavam após as intensas batalhas contra Porfirio Diaz e seus desígnios. E se entende, plenamente, porque Roberto Bolaños perdia o rumo do Chapolin quando dava de olhos para Florinda Meza… que, sem os bobs, era tão monumental quanto a Virgem de Guadalupe, no olhar do Chespirito.
E afinal, como renegar a beleza de Thalía quando a víamos entrar no palco? Alias, ela fora a primeira mulher a, de fato, mexer com a minha mente fértil nos tempos da infância. Ela entortou a cabeça de Silvio Santos e de quem fosse colocar os olhos no SBT. E não sei até aonde o homem do Baú estava certo em seu “fenômeno mundial”, mas… ela arrebatava corações em cada passo, rebolado, voz… bons tempos.
Enfim, mas deixando ao lado a descrição de “beleza”, o que isso explica aonde quero chegar? Olhe… não a toa, nesse papo de “produzir beleza” ou “algo que chame a multidão” vindo dos mexicanos que, quando “Rebelde” começou a mostrar a que veio nas nossas terras, pegou meio-mundo de assalto: Depois de tantos “enlatados”, o Complexo Anhanguera era dono de, não apenas um fenômeno, mais uma avalanche mais capaz de usurpar corações do que os ímpetos de Paola.
Alfonso Herrera, Anahí, Christian Chávez, Christopher von Uckermann, Dulce María e Maite Perroni. Quem eram estas seis cabeças capazes de cantar um Pop permeado por notas de Rock capazes de refletir o senso de (justamente) rebeldia e descoberta de uma juventude conectada e desperta, mas ao mesmo tempo, desesperada, aflita e nervosa nas tramas do seu dia-a-dia?
E quando você menos esperava, era tomado por mil gravatas vermelhas a tua esquerda e direita. Vestir-se como um escolar mexicano era habitual, normal para tanto. E eu, não batendo o gênio, apenas observando o movimento, como estes observadores das marés sociais, embora distante mas tentando compreender essa massa encantada, entre seus “shipadores” de casais da trama e o reflexo de suas vidas naqueles seis jovens e suas aventuras diárias.
Só que estes momentos, como a vida da gente, eles tem um fim. E ai, para desespero destes milhões de colegiais em volta de mim e das esquinas, o RBD resolveu emular um vaso de cristal e se quebrar em mil pedaços. Cada um pro seu lado, seguir seu rumo, sua vida, suas carreiras. E na minha ignorância musical adolescente, dizia comigo: “que alívio!”
Ainda que aquela legenda se desfragmentou, o saudosismo ficou pelo ar. Bastasse tocar no assunto que um sem-número de, hoje, adultos e chefes de família começavam a gritar o refrão maior da trupe, relembrar os tempos de gravatas vermelhas e, como dissera, do babar das belezas em cenas, posters, quaisquer desses produtos que alimentavam a idolatria ao sexteto mexicano.
Estamos em 2023, e hoje, mais amadurecido, mais vivido nessas questões referentes a música, falar de RBD não me é mais resistência. Talvez, nestas linhas em especial, onde reflito essa simbiose entre beleza, saudosismo adolescente e recordações de alguns destes tantos que cruzam meu caminho com o faceiro sorriso tolo na cara após a notícia que o hoje quinteto parte para uma turnê, com duas paradas no Brasil.
Me assustei com amigos meus voltando a sorrir como faceiros adolescentes, seja sonhando rever a turma ou, até mesmo, preparando a carteira e a paciência atrás de ingressos preciosos para seu reencontro com Anahí, Christian, Christopher, Dulce e Maite. Eu os compreendo e até me surpreendo com alguns, admito, a vivência no meio musical me dá essa liberdade de sorrir sem o asco infantil de antes. Que bom!
Querida Franciele Back, jornalista das boas e figura política da Câmara de Vereadores de Gaspar, esqueceu do rigor do parlamento quando ouviu a voz da turma em mergulho saudoso nas suas memórias juvenis. A sensual Raí Dobler, que emana tantas mil coisas nas mentes de alguns cidadãos que cruzam seus caminhos e prazeres, virou uma colegial em polvorosa e montou campana e plantão pelos ingressos dos shows.
Alguns exemplos, poucos diria, mas um fragmento desta saudade juvenil tão intensa. Mas, agora, eu volto meu olhar para a moça da foto. E se você conheceu as mãos de Stéfani em passagens anteriores destas linhas, este escriba faz questão de espelhar este momento saudoso na persona que a massoterapeuta encarna por debaixo de caracóis vermelhos: A doce Dulce Maria, ou a forte e temperamental Roberta, como queiram chamar ou definir.
Não é de hoje. A conheço a tempo, bem como conheço sua idolatria pelos jovens mexicanos. Stéfani tem voz pra cantar que sei, bem como um castelhano bem moldado por entre os lábios que a permite entoar “Solo Quedate En Silencio” sem enrolar no espanhol.
Imagens, trajes, criatividade, personificação, interpretação. Como Stéfani consegue? Aqui não está um cronista escrevendo como se tivesse uma “musa” a vagar na mente, mas utilizando-se da personificação da garota como um caso, um modelo, algo que explica o que se passa no coração desses “colegiais” ávidos de recordações.
E numa destas, caí de paraquedas no TikTok dela. E não há apenas retratos de uma vida, passagens e conselhos, mas há uma Dulce Maria disfarçada naquele olhar de fã (e ela até se parece com ela!). De repente, você está diante da moça de cabelos avermelhados, com suas caras e bocas, emulando (ou “dublando”) a voz mexicana daquela garota. Tamanha dedicação, troca de olhares com a câmera, personificação quase que incorporada a pessoa. Espantoso!
Ela foi munida com a beleza das mexicanas que referi no começo, isto é factível. Mas… evito cair nessa lógica simples que qualquer homem com olhares “comestíveis” cairia. A garota se transforma nos traços das maquilagens, cobre o corpo com os panos, adorna o pescoço com a característica gravata vermelha. Boné ou não? E vai a frente da câmera: é Dulce Maria? Exagero meu? Deixa ela sonhar!
É possível, com esta persona simples, compreender, entre jeitos e trejeitos, o quanto a saudável idolatria traz ao coração de quem tem, nestes elementos, pedaços de uma juventude distante demais dos tempos que vivemos. A correria da vida nos rouba o pouco de inocência e maravilha que o mundo nos prega nestes ídolos, mesmo que você me diga friamente que são “gente criada para faturar dinheiro com produtos e músicas, nada mais”.
Mas não dá para você ser frio o suficiente quando eu mexer em algum brio da sua juventude. Como tantos gritaram diante de “Velma”, que muitos vociferam por ter “destruído a infância” entre os risos do Scooby-Doo. Stéfani é mais uma: canta e dança, encara a câmera, sorri e sutilmente brinca de “paquerar” e interagir com quem a vê. E não digo para deslumbrar, mas para sentir que Dulce Maria, a Roberta de tantos, está lhe encarando.
E não é exclusividade do RBD seus impersonators espalhados pelo mundo. Desde tempos de antanho, o “cover” é parte do negócio, parte da reverencia a um vulto musical, artístico (Elvis Presley que o diga!). A imitação, na palavra do sábio Paulo Francis, é “uma forma de reverencia”. E dentro da idolatria que causam estes deuses e suas melodias enfeitiçantes, tudo é válido para não deixar morrer, por momentos, aquela chama juvenil que alimentou os sonhos vívidos de hoje, realizados ou não.
Quem quiser me desmentir, dizer que estou “doido” ou “fazendo média” com a garota, enfim… procure o TikTok dela e vejam com os mesmos olhos analíticos e poéticos que trago aqui. Stéfani é mais uma dentre tantos nesse rio emocionado que, dentro em breve, vestirão suas gravatas vermelhas, suas roupas de colegiais e, como diante da TV e seus chuviscos, cantarão a plenos pulmões o refrão que aprenderam dias e dias a fio.
Dias aqueles de agito, amores platônicos, notas no boletim e ansiedades. Dias de baladas juvenis, delinquências e molecagens, tribos e melodias do Pop ao Emo, do Rock ao rebolar. Dias jovens, de descobertas, de prazeres, de rebeldes.
Dias em que gritavam… “Y soy rebelde!”