Nas noites do tempo da PG2, não recordando se era segunda a sexta ou segunda a quinta, tenho na memória um programa de puro Rock que praticamente fechava a grade do dia, uma legítima “última pedrada sonora” para os incautos que nos ouviam: o “Pé na Porta”, e pelo repertório, clima e convidados, era um digno pé na porta, nos ouvidos, na mente dos que curtiam a pegada mais pesada do Rock.
A atração era comandada por um persona daqueles da cena musical do Vale: Chico Rodrigues. Na boa, era como você conviver toda a noite com uma mescla de Billy Joe Armstrong (Green Day) e Noel Gallagher (Oasis) entrando na rádio perto das 22h. Toda a rotina sempre começava com aquela discreta sacola de “danone” na geladeira e uma playlist pesada, que não era feita para todos os ouvidos.
Alias, Noel Gallagher. A passagem que me recordo destas noites tem a ver com o fato maior da música de últimos tempos: depois de desilusões, mil e uma indiretas e falácias ao vento que desalentavam os fãs, eis que ele e seu ilustre irmão, Liam, resolveram sentar na mesma mesa e colocar os benditos pontos no lugar. A briga de família acabou e o Oasis me fez morder a língua depois de tanto rir e desconfiar, eles estão de volta e 2025 será agitado.
Noel e Liam, a obra destes dos garotos britânicos foi a responsável por tomar de assalto as paradas musicais nos anos 1990 e 2000 quase como uma reinvenção do jeito inglês de fazer Rock tal como as primeiras pedradas dos Beatles. Não a toa, eram comparados ao fab four com toda a justiça e, para aumentar o grau comparativo, ainda contavam por um período com Zak Starkey, o filho de Ringo, na bateria.
A melodia levemente inspirada pelo grunge e com nuances tipicamente britânicas, um tipo de Rock único vindo de lá, eram uma marca que levava jovens de arrasto a cada lançamento de Noel e Liam. Eram daqueles temas que suscitavam o cantar junto a reflexão: “Stand By Me”, “Wonderwall”, “Champagne Supernova”, “Don’t Look Back In Anger”. Era o “english way” na sua assepção mais pura, mais enraizada possível, som marcante, entre o popular e o conceitual que lotava festivais e pirava cabeças de uma juventude rebelde e movida pelos questionamentos daqueles tempos.
E tudo ia bem até 2009, quando os bastidores de um festival viram a ruidosa briga de dois irmãos e o repentino fim de todo um universo. De lá para cá, ficaram as mil faixas de um passado distante, de noitadas regadas a guitarra e momentos onde o coração falava mais alto que a rebeldia. Aos mais fervorosos fãs e admiradores dos irmãos Gallagher, apenas a frustrante e cansativa espera por uma volta, que talvez nunca aconteceria, são dois caras teimosos e duros de lidar.
Tantas bandas que se separaram, e o Oasis era mais uma que entrava naquele hall de grupos que, se resolvessem voltar num movimento repentino, iriam parar o mundo da música e tomar de assalto, outra vez, a cabeça daqueles jovens eternos dos anos 1990 e 2000. Jovens como o Chico e, nessa também incluo honrosamente, o irmão, Diego. E em uma noite eles me traduziram esta reverencia quase sacra ao que Noel e Liam faziam e fizeram.
Era um daqueles especiais que o Chico promovia no programa, onde o convidado elencava as 10 melhores músicas de determinada banda de preferencia. Para o Chico, noite especial em receber o irmão para uma noite em que as recordações adolescentes movidas a Oasis eram o que haviam. Entrei na roda como um metido que, depois, só teria o trabalho de trancar a emissora quando os dois fossem embora. Mas foi uma resenha inesquecível.
Por conta deles, totalmente de graça, entendi o porquê de um movimento puxado musicalmente pelo Oasis. Era a marca de uma geração, uma legenda tão forte que ainda mexia com quem apreciava a nuance dos dois irmãos na música. Não a toa, lembram quando falei que Chico era uma persona da cena musical do Vale? A banda dele tinha o sugestivo nome de “Morning Glory”, mais Oasis impossível.
Foram 10 musicas, e sai de lá batendo palmas para os dois, sem sombra de dúvida! Talvez até tenha a gravação do programa em algum lugar, mas acho que certas coisas, se ficarem na memória como vultos, tornam estas recordações um tanto mais interessantes. Eram três na mesma sala reverenciam a obra de quem, talvez, nunca imaginássemos um movimento como este outra vez.
E ano que vem, lá vamos nós voltar ao ponto que se parou: 2009 em diante, recuperar um hiato perdido, voltar a ouvir Oasis como se os anos 1990 e 2000 ainda nos fizessem parte, nos escapismos que podíamos ter, entre os males do mundo, a correria da vida, as revoltas da mente e a música com o traço mais britânico possível, quase como Beatles, mas tendo a sua digital impressa e indelével por gerações.
Imagino a felicidade do Chico e do Diego, ou talvez um sorriso simples de satisfação. Enquanto isso, vou curar a ferida da minha língua depois de morde-la, o Oasis está ai outra vez.