F1: Em Spa, LeClerc vence a primeira em meio a tristeza por Hubert

Quando um piloto de talento promissor ou que está em formação morre no cumprimento do dever, independente da categoria em que esteja, não tem como um figurão que acompanha o automobilismo quase religiosamente não sentir o baque. Nos tempos de carros “ultra-seguros”, uma morte é sinal de que o risco, apesar de adormecido, sempre estará lá, na próxima curva, esperando o ocaso para aparecer.

E esse ocaso da vida, que não é impedido com HANS ou halo, apareceu justo no “jardim de infância” dos talentos promissores da categoria. A Bélgica assistiu a morte voltar ao cenário do automobilismo mundial levando na segunda volta da corrida 1 da F2 a vida do jovem Anthoine Hubert, 22, numa colisão entre a Eau Rouge e a Raidillon.

Uma perda que delineou todo o fim de semana da F1 em Spa: Anthoine Hubert, 22 anos, uma esperança francesa perdida entre a Eau Rouge e a Raidillon. Um golpe duro numa geração que mal conhecia a morte em uma pista de corrida (Reprodução)

Uma morte violentamente sentida no meio e que praticamente delineou o fim de semana que marcou a primeira vitória de outro talento precoce e que dividiu com Anthoine as agruras e desafios nas pistas para se tornar grande: Charles LeClerc, monegasco, veloz e que levou a Ferrari a um fim de semana perfeito que não vinha em tempos, mesmo com todo o clima pesado que determinou também suas reações a primeira vitória como uma homenagem ao amigo e parceiro de grids.

Era a volta da F1 aos trabalhos para a fase final da temporada depois do período merecido de férias e os treinos revelavam que a Ferrari seria dificilmente batida naquele fim de semana, a não ser por algum erro mirabolante que, em alguns momentos da temporada, já tiraram grandes chances dos carros vermelhos. Desta vez não, LeClerc e Sebastian Vettel aproveitaram bem os contratempos de Lewis Hamilton e cravaram a primeira fila com alguma sobra.

Eis que veio a morte de Hubert, e o fim de semana tomou outro rumo no domingo. Sem a F2 como preliminar – canceladas as atividades na Bélgica ainda no sábado – a F1 foi o foco das homenagens ao francês do programa de pilotos da Renault em várias homenagens de pilotos e figurões do automobilismo. Na corrida, mesmo com poucas emoções, o óbvio do fim de semana foi celebrado, a prova era mesmo de Charles, mais ninguém.

LeClerc teve um fim de semana perfeito, com pole e uma corrida controlada, contanto também com a mão amiga da ordem de equipe da Ferrari. Vettel (atrás), sofreu com os pneus e perdeu o lugar no pódio (AFP)

O monegasco ainda contou com uma mão amiga da Ferrari, quando Vettel já não contava com o melhor desempenho dos pneus e, no botão do rádio, veio o pedido para o alemão deixar passar o companheiro de equipe. Seb teve de se virar como podia com pneus médios gastos com um Hamilton cada vez mais rápido e que, sem cerimônia, o superou na volta 32 para ficar com o segundo posto. Ele ainda seria superado por Valtteri Bottas, num fim de semana em que o terceiro lugar foi uma coroa depois da renovação de contrato com a Mercedes.

Mas era esperado, não tinha mais como adiar a primeira vitória de LeClerc. No entanto, em meio a tristeza pela partida violenta de Anthoine, as celebrações foram mais contidas, sentimentais. Uma primeira vitória para Charles – e a F1 – jamais esquecerem, não apenas por tornar a tradicional e pequenina Mônaco uma vitoriosa entre pilotos, mas por todo o sentimento vindo de um sábado que nos fez lembrar: a morte segue a espreita, o risco segue perto mas, apesar de tudo, continue-se pisando no acelerador.

OS 10 MAIS – Classificação:

1 – Charles LeClerc (Ferrari)
2 – Lewis Hamilton (Mercedes)
3 – Valtteri Bottas (Mercedes)
4 – Sebastian Vettel (Ferrari)
5 – Alexander Albon (Red Bull-Honda)
6 – Sérgio Perez (Racing Point-Mercedes)
7 – Daniil Kvyat (Toro Rosso-Honda)
8 – Nico Hulkenberg (Renault)
9 – Pierre Gasly (Toro Rosso-Honda)
10 – Lance Stroll (Racing Point-Mercedes)

Entre cavalheiros: Hamilton, LeClerc e Bottas brindam num pódio contido, tomado pelas homenagens e lembrans de Hubert (AFP)

OS 6 MAIS – Campeonato:

1 – Lewis Hamilton (268)
2 – Valtteri Bottas (203)
3 – Max Verstappen (181)
4 – Sebastian Vettel (169)
5 – Charles LeClerc (157)
6 – Pierre Gasly (65)

Albon, o “menino de Muzambinho”

O nome do dia? Ele mesmo… mas não Charles! O troca-troca repentino da Red Bull colocou o promissor Alexander Albon no time principal depois dos pífios resultados de Pierre Gasly na primeira parte do campeonato. No entanto, quem visse o tailandês largando em 18º na sua estreia na casa-mãe poderia pensar: “ih, acho que foi cedo demais pro guri”

Estreia com gosto: Albon não largou bem, mas usou tudo que tinha no Red Bull para escalar o grid e carimbar um ótimo quinto lugar (AFP)

Mas o garoto tem mesmo braço e, sem tirar nem por, fez a grande atuação do fim de semana, arrancando sem dó na largada e fazendo passagens atrás de passagens durante a prova – algumas maravilhosas, como a manobra sobre Daniel Ricciardo – e contando com a má sorte de Lando Norris para faturar um honroso quinto lugar, um prêmio de consolação gordo para a Red Bull que viu sua estrela – Max Versatappen – se enrolar com Kimi Raikkonen na largada e abandonar ainda na primeira volta.

É cedo pra tachar que Alex vai incomodar Max ou que será cadeira fixa na Red Bull, mas talento e constância ele já vem provando há tempo que tem. Troca acertada? A julgar o desempenho de Gasly, até que Mr. Markko fez a coisa mais certa. Apenas torçamos para nem Albon nem Pierre serem tostados na grelha dos programas de pilotos, como outros tantos foram.

Dança das Cadeiras: Ocon na Renault e permanência de Bottas

Antes ainda de chegarmos a Spa e além da troca de Albon por Gasly, algumas mexidas nos pauzinhos para 2020 já começaram a aparecer em cena. A maior delas é a volta ao grid de outro francês promissor: Esteban Ocon, que vai para a casa amarela da Renault no lugar do outrora útil Nico Hulkenberg.

Desfilando como piloto de testes da Mercedes durante o ano, Ocon tem talento e pode ser um sangue jovem que a Régie mais necessite junto de Ricciardo para tentar tirar o time do atoleiro. Uma missão ingrata, já que a equipe é a maior decepção da temporada, investindo caminhões de dinheiro num carro que, simplesmente, não rende como deveria.

Atualmente prestando serviços como test driver da Mercedes, Ocon voltará ao grid em 2020 pela Renault. Um grande talento com um grande desafio: fazer diferença num time que promete muito e entrega pouco (Getty Images)

É uma aposta arriscada de Ocon deixar o sólido programa da Mercedes para esta tarefa de índio. Enquanto isso, na casa prateada, Bottas sorriu a toa e celebrou sua permanência na equipe para mais uma temporada como escudeiro de Lewis Hamilton. É um piloto eficiente e tem suas qualidades, mas para ganhar ainda mais crédito tem que fazer muito mais do que meros brilharecos. O mercado anda quente demais para gente morna.

Outras mexidas nas cadeiras devem vir. Hulkenberg pode estar indo para a Haas no lugar de Romain Grosjean, a Toro Rosso pode ter novos nomes e a Alfa Romeo pode ver a volta de Marcus Ericsson ao time. Ficaremos atentos, qualquer novidade, a fanpage de A BOINA estará a postos.

O feliz Bottas: Mais um ano na Mercedes, que espera o ver muito mais do que nos simples brilharecos de hora e outra (AFP)

AMENIDADES:

– Maldade para Lando Norris. O garoto britânico tem talento e o provou novamente com uma bela atuação no bom carro da McLaren. No entanto, ao abrir a última volta, eis que o bólido laranja de Woking para desligado. Uma pena, o quinto lugar seria mais do que um prêmio.

– Me surpreende a Racing Point em alguns momentos. Depois de toda salada com a saída dos indianos do controle, a equipe não perdeu o braço em continuar pontuando. Não é a mesma coisa do que nos últimos anos, ainda como Force Índia, mas consegue aparecer vez em quando. Dessa vez, um bom sexto lugar para Sérgio Perez e o décimo para Lance Stroll

– E perguntam… Gasly ficou triste ao ser rebaixado? O francês até disse que estava feliz em voltar a casa onde tudo começou. Conseguiu um nono lugar modesto mas honesto e ainda teve momentos onde dividiu curvas com seu algoz Albon. Pode se reaver como Kvyat, mas tem que ir com calma e sabendo dar os passos. Esperança pra quem quer sempre tem.

Gasly de volta a Toro Rosso, ao menos feliz e pontuando. Pena para Norris abaixo), que abandonou na ultima volta depois de grande corrida com a McLaren e um possível quionto lugar (AFP)

DO BAÚ: Eau Rouge e algumas pancadas homéricas

Delírio dos fotógrafos, excitação dos amantes da velocidade e brilho nos olhos dos pilotos, a Eau Rouge (água vermelha, no bom português) é aquela curva que mais chama atenção pelo “passar por ela” do que pelo “olhar para ela”. Não a toa, é a curva mais desafiadora e prazerosa da categoria, responsável por imagens onboard icônicas, mas também por acidentes homéricos, como o que causou o rebu que levaria a vida de Anthoine Hubert no sábado.

É difícil precisar quantos acidentes aconteceram por lá, mas na F1 facilmente se lembram de algumas pancadas espetaculares ali ou que começaram ali. Um dos que se tem registro foi o duplo prejuízo de Ken Tyrrell no GP de 1987, quando seus dois pilotos – Jonathan Palmer e Philippe Streiff – se acharam na curva, com o bólido do francês se partindo ao meio. Ele ainda voltaria para ser o nono colocado naquele dia.

Aqueles fotógrafos sortudos: Em 1987, a dupla da Tyrrell – Streiff e Palmer – se achou na saída da Eau Rouge, com duplo prejuízo ao velho lenhador. Em 1990, Barilla abaixo) arrebentou a Minardi no mesmo ponto, obrigando a terceira largada naquele domingo Reprodução)

Outra paulada no trecho foi em 1990, e até hoje ninguém entende como não havia um câmera para registra-la. Foi com o irrelevante herdeiro da fábrica de macarrão Paolo Barilla, que destruiu sua Minardi na curva, causando a segunda interrupção da prova naquele domingo de tempo fechado.

Dois anos depois, Gerhard Berger também experimento a sensação de se esparramar na curva, estraçalhando seu McLaren na parte de baixo da Eau Rouge. No ano seguinte, era a Lotus de Alessandro Zanardi que carimbaria o muro da Água Vermelha durante os treinos, forçando o italiano a pendurar as luvas na parte final da temporada. A pancada foi tão forte que obrigou a reconstrução dos muros da parte superior esquerda da curva e a interrupção dos treinos.

Mas impossível não lembrar, entre tantas, de uma que faz exatos dez anos e que espantou pela violência e curiosidade. Foi com a dupla da BAR em 1999 – Jacques Villeneuve e Ricardo Zonta – que estampou os carros com gosto durante os treino naquele fim de semana. Jacques repetiu a dose do que já tinha feito no ano anterior ainda na Williams, ja Zonta bateu ainda mais feio do que o companheiro e acabou fora de combate naquele fim de semana.

No entanto, uma das mais doloridas não aconteceu na F1 mas, indiretamente, levou um promissor talento das pistas consigo. Foi em 1985, quando durante as 1000 Km de Spa, o alemão Stefan Bellof envolveu-se num toque com Jacky Ickx, fazendo seu Porsche bater de frente no muro esquerdo. Bellof morreu na hora, deixando uma lacuna no automobilismo alemão que só seria preenchida, de fato, por Michael Schumacher, anos depois.

O onboard de Ickx é espetacular e pavoroso ao mesmo tempo. Veja:

Mas a vida continua e o show também. A F1 volta já neste domingo (08/09) com a sagrada parada em Monza para o GP da Itália que, certamente, terá festa pelos 90 anos da Ferrari, tifosi embriagado, surpresas na pista e um outro clima no ar na categoria. A largada é as 10h10.

Até lá!

(Dedicado a memória de Anthoine Hubert 1996-2019)

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