(POR: Pedro Ivo Faro)
O mercado automotivo não é mais o mesmo. De diferentes tipos de carros que víamos na rua, hoje cada vez mais está um “mar de SUVs” no trânsito. Peruas? Coupés? Minivans? Pra quê? Um SUV faz tudo que estes outros! Ou, ao menos, é o que eles dizem.
Certo, mas o que o segmento automotivo tem a ver com o título e a temática deste texto em questão? Muito mais que pode parecer! Afinal, o fim de qualquer coisa muitas vezes fala muito mais do contexto que ela está inserida do que podemos imaginar.
Dias atrás, tive o prazer de ver o show da turnê de despedida do Skank na minha cidade (Aracaju-SE) show este que, diga-se de passagem, foi pra lá de memorável, sendo elogiado pessoalmente pelo vocalista Samuel Rosa em suas redes sociais. E ver o show do Skank naquela noite mágica de 9 de março me fez refletir sobre estes tantos “finais” que acontecem.
Onde quer que eu olhasse no Centro de Convenções de Sergipe (local onde foi realizado o show) via, em grande maioria, pessoas dos seus 30, 35 anos para cima. Ou seja, quem estava lá era quem tinha acompanhado a carreira dos caras, principalmente no seu auge: entre o fim dos anos 1990 e o começo dos anos 2000. Claro, havia algumas pessoas mais novas (lá pelos seus 20 e poucos), mas frente aos “coroas” (ou quase isso), eram poucos. E é justamente esse “choque de idades” que me criou essa certeza.
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A triste realidade
O passar dos anos trouxe uma verdade triste e cruel sobre o tempo para mim, e o Skank se tornou a simbologia ideal: a banda mostrou ontem que está em plena forma, tocando seus maiores sucessos de um vasto repertório dos mais de 30 anos de carreira deles numa casa cheia. Mas, assim como o mundo automotivo que citei no início do texto, passou a fazer cada vez menos sentido no mundo musical atual, principalmente em um país como o Brasil.
Ao amigo leitor: por favor, não me entenda mal! Adoro o Skank – tanto que fui ao show, é claro – mas ficou claro que não só eles como quaisquer outras bandas e artistas contemporâneos, anteriores e até posteriores a eles, estão ficando cada vez mais isolados, “nichados”, ou até mesmo usando a malfadada expressão que os mais novos criaram, algo meio “cringe”. Mas assim como citei o mercado automotivo com os SUVs, ficou claro que o mercado fonográfico brasileiro cada vez mais dá de ombros para bandas desse tipo.
No mundo dos carros, quem hoje se preocupa se uma perua alia o desempenho de um carro de passeio com a praticidade de mais espaço de carga quando se tem um SUV? Qual a utilidade de se ter uma minivan na garagem se hoje os famigerados “jipinhos” (alegam!) cumprirem o mesmo papel? Sedã? Literalmente virou carro de tiozão! E, ironicamente ou não, o tiozão aqui do alto dos seus 35 anos tem um Nissan Sentra na garagem, o mesmo carro que gerou essa pecha no segmento.
Perdidos no tempo e no espaço
O fim muitas vezes vem quando não há mais espaço para algo ou este algo não faz mais sentido, por mais que haja quem discorde disso. E num Brasil onde os artistas estão cada mais mais repetitivos e pasteurizados é que podemos traçar o paralelo do mundo automotivo no campo musical: o Skank é dono de uma sonoridade que pouco a pouco estamos perdendo no país.
Chamar simplesmente de “uma banda de pop-rock” soa até raso para a trupe de Samuel Rosa e cia. Eles são donos de uma salada musical e tanto (e saborosíssima, diga-se de passagem!). Bebem da fonte do rock dos Beatles (possivelmente uma das influências mais fortes deles), mas, mineiros que são, não escondem a idolatria pela cena criada por Milton Nascimento, Clube da Esquina, Lô Borges e tantos outros, reverberada brilhantemente em seus arranjos e letras.
Aí para temperar ainda mais, acrescenta uma pitada do reggae jamaicano mais legítimo possível (influência esta presente inclusive no próprio nome da banda!) e pronto. Só nesse mix já temos algo em absurda carência quando falamos de novos nomes na música nacional. É dessa variedade musical que veio algo também em falta na música brasileira atual: uma banda com a capacidade de se renovar.
Da levada mais divertida e puxada para o reggae dos primeiros discos como “Calango” e “Siderado”, o Skank soube reciclar sua sonoridade para algo mais experimentalista como o intenso “Maquinarama” ou o brilhante, mas pouco lembrado “Cosmotron”, apenas para citar algumas de suas obras.
E aí temos músicas que marcam, e muito. Seja pela irreverência de letras e arranjos divertidos, como “Esmola” e “Pacato Cidadão”, que têm críticas sociais pra lá de ácidas em suas letras, passando pelo lado intimista de “Dois Rios” até as icônicas e atemporais baladinhas: quantos casais não embalaram seus namoros ao som de “Resposta”, “Te Ver” ou “Balada do Amor Inabalável”?
E se falarmos de Samuel Rosa, também destacamos coisas vindas de outrora: inteligentíssimo, sempre dono de um bom papo, muito bem articulado, engajado politicamente e dono de opiniões precisas mas sempre respeitosas, ele segue sendo um tipo de frontman também em extinção na música nacional.
Anima e agita multidões com força total, cultivou inúmeras amizades na música, mas sempre soube se posicionar na hora que isto lhe foi cobrado. Pouco se importa com modinhas, “trends”, visuais toscos ou extravagantes. Apenas boa música, com ótimas letras e arranjos preciso e uma senhora presença de palco. Um artista precisaria de mais que isso? Na teoria não. Não é o que o cenário hoje em dia mostra.
O fim da banda vai deixar um vazio indescritível não só porque um dos conjuntos mais inventivos do país está se encerrando, mas porque muitas coisas que poderiam acontecer jamais verão a luz do dia. Por exemplo, ainda sonhava em um dia ve-los se juntando com o Cidade Negra para gravar um disco ou uma música que fosse, torcia para ver mais parcerias entre Samuel Rosa e Nando Reis (e quem sabe ver o ruivo tocando com os mineiros e até gravando disco juntos), e nada disso acontecerá.
Banda(s) em extinção
Quem vai na mesma levada infelizmente tem infelizmente pegado um caminho parecido, muitas vezes por falta de opção. O Jota Quest, igualmente mineiro mas com sua levada mais puxada para o funk/soul, também se tornou uma banda cada vez menos lembrada dos mais jovens e muito mais exaltada por quem já entra nas curvas finais para os 40 anos de idade. O mesmo para o Cidade Negra e seu reggae cosmopolita, que hora entra em hiato, hora retorna com algo novo, mas sempre focado em um nicho.
Se formos para a turma dos anos 1980 no rock nacional, a coisa fica ainda pior: Paralamas do Sucesso, Biquini (Cavadão) e Engenheiros do Hawaii (quando estes últimos se reúnem) “pararam no tempo”, com o discreto asterisco do Capital Inicial, que ainda teve algum espaço mas cada vez mais tem apelado para o passado que para o futuro. Não porque toda essa turma tenha desaprendido a fazer música ou porque a qualidade caiu, longe disso! Mas sim porque tudo que eles lançam tem pouquíssima penetração num mercado onde hoje imperam outros estilos.
A turma que veio depois, nos anos 2000, tem seguidos pelo mesmo (e cruel) caminho: CPM 22, que já foi a banda de rock mais tocada do país, ganhou sobrevida em eventos mais undergorund, Pitty conseguiu alguma sobrevida se aliando a Nando Reis, Charlie Brown Jr. morreu junto com o vocalista Chorão, mas já vinha cada vez mais em baixa mesmo antes disso e outras bandas, como Tihuana, pouco são lembradas.
Numa verdade nua e crua, quem liga para o que todo este pessoal dos anos 1980, 1990 e 2000 faz está se tornando uma minoria, e uma minoria cada vez menos ruidosa. Ás vezes vêm alguns respiros, como o que os Titãs fizeram, ao anunciar uma turnê reunindo todos os membros da banda, mas que ganha destaque por ser um breve “revival”, que, ao final do período, cada um irá para o seu lado.
Meio como Sandy e Júnior fizeram na turnê de reunião: lotaram estádios por onde passaram, mas quem garante que o mesmo impacto perpetuaria se seguissem juntos? Quando se fala de cenários assim, a força da nostalgia é intensa, mas brevíssima.
É triste confirmar, mas todas estas bandas citadas, que lotavam estádios e festivais como o “Planeta Atlântida” ou o “Festival de Verão de Salvador”, em seus tempos áureos, hoje só baterão recorde de público se fizerem como o Skank está fazendo, ou seja, encerrando suas atividades e deixando um gosto (um tanto amargo!) de saudosismo forçado em quem é fã, pela certeza de que eles ainda teriam muita lenha para queimar.
O “depois do fim” não anima
Com os mineiros em seu fim e tantos anteriores ou contemporâneos em cenários parecidos, o presente não inspira muita animação. O Brasil se tornou a terra de um sertanejo pasteurizado, com letras e arranjos repetidos e repetitivos, sempre em busca da próxima música com refrão mais “chicletento” possível. Afinal, para que músicas com letras criativas ou críticas? Quem se importa com isso? Falar de “dor de cotovelo” vende mais, e é isso que importa no fim das contas.
Se decidirmos ir por outros caminhos, bem, temos um “piseiro” que é de uma pobreza musical absurda, mas que se apoia como “algo genuinamente regional” do nordeste brasileiro, o que soa como uma afronta a uma região do país que já produziu tanta coisa melhor, mais trabalhada e mais emblemática. O mesmo para tantos artistas que dizem tocar “forró”, mas que tocam qualquer coisa, menos forró.
Há quem apele também para uma nova onda musical, de músicas “good vibes”. Até o funk, que goste ou não, sempre foi a expressão de um povo, se desvirtou com um tanto de gente que hoje em dia é mais tiktoker e influenciador digital que necessariamente músico, sem potência vocal alguma e muito mais preocupado com “lacração” que real posicionamento e engajamento político.
E aí, no fim, dá para ver que o fim fará falta, porque o que vem depois dele… bom, é apenas a mediocridade. Até que um dia a mesa vire e novos artistas realmente bons apareçam. Mas será que isso novamente acontecerá um dia?
Enquanto isso, vamos todos ver as ruas empesteadas de SUVs que tocam sertanejo, pseudofunk e musiquinhas metidas a good vibes em seus sistemas de som.