“Ow, we want the funk! Give up the funk!”
Adoro quando a minha memória me prega umas peças das boas, sabe? Sobretudo quando as recordações se misturam com música. Fica tudo mais fantástico, mas dançante, mas SOUL!
Certo dia, caindo pelos feeds do Instagram, cai num vídeo batuta de um baixista invocado, incorporando o autentico “70s feeling” do autêntico Soul/Funk americano, dedilhando no baixo a linha melódica de um hino do gigante Parliament: “Give Up The Funk”, tema de 1975 da grande obra de George Clinton, um dos pais do estilo junto de Sly Stone e James Brown.
Não sei como a minha memória, que gosta de me pregar peças com algo que gosto e postergo para pesquisar, não me fez esquecer desse cara e do Parliament. Alias, Parliament… quanta lembrança boa num nome só.
Bastou rodar por um centímetro a melodia pra, num segundo, voltar ao estúdio da PG2, lá em Timbó, nas terças a noite em que transformávamos aquele quadrado de Timbó num revival do épico Soul Train de Don Cornelius. E tudo isso tem um culpado: Angelo Giovanni D. T. dos Santos, o Gigio.
Cara, que gente fina! Nem parecia um cara ocupado com os negócios da família: fazer arroz brotar da terra. Quando ele pisava na PG2, era um momento rápido para um tragada num cigarro amigo enquanto eu jogava a playlist para dentro. Aquilo tinha mais Soul reunido que todo o cast da Motown junto.
Gigio era o anfitrião (se é que posso usar esse tempo em vez do “apresentador”) do “Segue o Soul”, e por duas horas o ritmo vindo dos guetos americanos, do Bronx, do Harlem, dos corredores do Apollo e até mesmo das mentes enluaradas do black power nacional tinham seu espaço e reverencia. Uma delícia de programa, permeado por sons de todas as nuances do Soul e nem sempre só dele (depois eu conto).
O jeitão descolado do Gigio, a forma mais empregada de atitude na voz, era o que dava corpo e sala para o programa. Lembro ainda do piloto dele, numa noite de domingo. Éramos eu e o Daniel Castelani acompanhando. O cara tava meio nervoso e eu apenas repetia o mantra: “faz no teu estilo, no teu jeito, como o Soul pede”.
Cara, sem mentira nenhuma, foi abrir o microfone e era como se o cidadão, o pacato filho e executivo de um moinho de arroz, vestisse aqueles ternos brilhosos, um chapéu branco, um óculos escuro maior que a cara e um daqueles saltos a lá discotheque. O Gigio virava o Don Cornelius, o Gerson King Combo, ao seu estilo, sem invencionices, só ele e o som que ele escolhia a dedo, dentro da temática do dia (ou aleatoriedade do dia).
E eu era um teimoso daqueles de pedra. o Tiano quase que me obrigava com sangue nos olhos para que eu passasse a operação do programa para o Gigio, coisa que eu relutava a fazer por, pura e simplesmente, curtir o clima da noite, do som, aquele maneirismo de cortar certinho a intro de “The Payback” de James Brown para que ele abrisse a porta e chamasse a turma pra cair no Soul.
Um dia – e eu lembro disso rindo – acabou acontecendo: era uma faixa longa do Fela Kuti, tinha pra lá de 12 minutos, nem me recordo, mas foi o tempo para que uma “indisposição” (vamos chamar assim) me chamasse pra fora do estúdio. E como que largo o Gigio sozinho lá sem saber a hora que eu voltaria? Foi questão de um minuto para passar todos os comandos… pronto, perdi minha vaga na operação do programa, desolador mas necessário, para alívio do Tiano.
E tínhamos noites onde não era só o Soul que mandava. Em uma, Gigio recordou dos sons que viu ao vivo no palco do Rock ‘n Rio, noutra mergulhou no som latino com direito a Buena Vista Social Club e tudo, em outra tivemos uma reverencia a Michael Jackson ou a James Brown ou a quem fosse, em outra só com Soul brasileiro. Convidados, temáticas, tinha de tudo, o cara era criativo mesmo que o cansaço do dia não o fizesse pensar direito as vezes.
Eram umas duas horas de programa, alguma conversa no ar para descontrair e tudo terminava quando a Debora, a namorada do mestre, chegava na rádio. Era ela chegar que eu sabia que, logo, o expediente do dia estava encerrando e de uma forma até poética: por que não terminar com essa metáfora da dama do dono da festa chegando e os dois sumindo na noite sob uma trilha de corações e estrelas psicodélicas?
É, meus amigos, basta um som assim que volto a lembrar com um carinho enorme daquelas noites de terça, com um algo a mais no ar: musica com atitude, estilo, voz pesada entre protesto ou a pura vontade de fazer dançar. Éramos engolidos pelo baixo marcante, os corais intensos e aquela coisa que só o Soul/Funk fazem: tirar a gente pra dançar de forma catártica.
Não sei a quantas o Gigio anda, nem sei se me ouve de manhã, mas uma hora dessas, que ele esteja com o dial travado em 96.5. Não vou hesitar de rodar, para um momento de revival, aquela mesma faixa do Parliament que para o trânsito, pelo menos por um momento, para cair no puro groove de outros tempos.
Meu jovem, valeu por aqueles tempos! Sinceridade, cada Soul é uma baita lembrança, O trem não para, onde quer que estejamos. E onde quer que a gente esteja, a gente sempre estará lá, mas com o som na cuca enluarada entre seus grisalhos do tempo.
Love, peace… and Soul!
Belas palavras meu querido amigo André! Que tempo bom, ótimas lembranças de um período musical em nossas vidas!
Um forte abraço!! E seguimos no Soul!!
Aaahhh que texto meu amigo, deu pra voltar no estúdio da PG2!