Perto da sede da rádio, há duas árvores de Ipê, uma bem do lado da janela do estúdio e outra mais ao longe, do outro lado da rua e na esquina do depósito do supermercado. Parecem irrelevantes no vai-e-vem de todo dia daquela redondeza, mas quando floridos garantem um pouco de cor no preto-e-branco diário e um espetáculo único.
Nestes últimos dias, ambos chamaram atenção. Impossível passar incólume pela pequena janela do estúdio sem olhar de lado e contemplar a beleza de ambos. Mas, para os que não sabem, os ipês são de uma beleza praticamente efêmera.
As flores, muito frágeis, não resistem a chuva e ao vento, por menor e mais fracos que sejam. Logo, o espetáculo nos galhos vira um imenso tapete florido no solo, este também efêmero e curto justo pela efemeridade das flores. Elas morrem quase que num estalo de dedo, até aquelas que não sofrem com pés alheios passam rapidamente, deixam pólen e a lembrança da cor que nos encantava.
Beleza e efemeridade, tudo depende de um olhar simples que não vem dos olhos, mas do coração e da mente. Como temos sido cada vez mais displicentes e frios. Matamos a poesia por pouca coisa e damos de ombros ao mundo como se ele fosse apenas o pano de fundo de nosso cotidiano. Não somos mais capazes de perdoar, sorrir, cantar, deixar ser, contemplar… de, simplesmente, viver e respeitar o mundo e os seres a nossa volta, sobretudo em tempos tão virtuais e artificiais.
A beleza curta das floradas mais frágeis não vale apenas fotos e posts, mas olhares contemplativos e o momento de reflexão que tanto carecemos: o que fazer? Para onde ir? Devo perdoar? Devo abraçar? Devo mudar?
Não existe efemeridade perdoável na vida. As flores passam, mas as atitudes e sentimentos, quando mortos, são irrecuperáveis e deixam marcas. As vezes, parar, contemplar e refletir resgata algo que perdemos no fim da última florada. E antes que não mais volte, não perca a chance única e contemple. Pode ser a última vez.
Pode ser a última vez, sua e dos ipês…