Gostaria que estas linhas que escrevo tivessem a mesma forma e sensação de um par de mãos a acarinhar um rosto com feições de gratidão e carinho.
Não se trata apenas de uma crônica que conta de uma amizade tão longa quanto os mares que recortam este mundo azul. Falo de aprendizado, descoberta, de respeito para quem compreende o cotidiano dentro de um espectro diferente, mas tão forte quanto.
Falo de Camila tantas vezes já faz algum tempo. Coração de poetiza, feições de um girassol fresco à luz de qualquer positividade que a encontra nestas esquinas de vida frias e duras.
De 2017 para cá evito contar o tempo, talvez ele mal saiba do tamanho das nossas reflexões, risadas e versos escritos, seja em caminhos separados ou em consonância de pensatas. Entre um gole de café e outro, uma frase e uma imaginação escrita, a reflexão da vida, o desabafo da dureza das coisas e uma prece gentil.
Já fomos, voltamos, voltamos e fomos, cada um seguindo seu processo e se ferindo nos arranhões dos descaminhos. E nestes sumiços, sempre alguma coisa fazia recordar um de outro e, num piscar, lá estavam dois poetas discutindo a vida e rindo a toa ante o por-do-sol de outro dia.
Fazia já dois anos desde que a deixei vagando sozinha depois de aprender mais uma das lições que ela deixara, ou quem sabe assimilar mais algumas linhas de aprendizado junto de tudo isso. Essas coisas de confundir sentimentos, sabe? Acreditar em uma coisa e não ser bem aquilo.
Mas quando ela regressa, trazendo nos lábios o “Mazzolin di Fiori” de outrora e um terço azulado na mão a gente percebe que nenhuma desavença é para sempre se, de cada lado do oceano, tem-se corações doces pedindo uma nova conversa e a oportunidade de, sob novo olhar, restituir uma amizade tão importante e bela quanto os por-de-sol que encantavam o poeta.
E ela não veio apenas consigo e suas visões únicas da vida, da fé e da arte: trazia consigo um cordão que dizia bem mais. Oculto, mas forte, que te pedia não a paciência protocolar, mas fortemente a compreensão. Autismo, tão falado pelas curvas e microfones do rádio, tanto que já ouvira de grandes amigos do meio, na minha frente, no compreender de Camila.
O contar da descoberta, do entender-se como autista nível 1, o neurodivergente na termologia científica nos coloca numa cadeira de aluno. A gente passa a re-conhecer, ser reapresentado à aquela Camila que já caminhava contigo há tanto tempo.
Não se trata de maneirismos, volto a falar, trata-se da compreensão. Compreender, entender, conhecer e respeitar. É basilar num espectro deste, é processo e adaptação que nos fazem entender movimentos passados quase como o encaixe de peças de Lego, de um quebra-cabeça… afinal, a simbologia do autismo é qual mesmo?
Entre risos e realidades, as recordações e passagens passadas. Mas a dor dos dedos apontados, da frieza social e da ignóbil convivência de tantos com os que vivem no espectro aparecem entre as notas do conversê. Um câncer humano, a intolerância que mata e agride buscando razão e submissão à pensamentos prontos e intolerantes.
É dura a realidade diante deste frio humano. Autismo não é um espectro incapacitante quando compreendido e respeitado. Só esquecemos que se vivem em tempos cruéis e de aparências, sem o momento de estudar, apenas registrar, separar, brigar e constranger sem cerimônias, escondendo os vazios nos curtires e exibires virtuais.
Camila me ensina, tal como professora que é, como tantas e tantos desta profissão de rara nobreza. Ensina a rir, a reconsiderar, a refletir e esperar. Mostra outro lado do autismo que tenta driblar os frios com flores e perseverança. Não podemos pedir dias melhores para estes momentos da vida dada a ignorância humana, mas podemos escolher viver nossa poesia e nossas amizades mais próximas e verdadeiras.
Camila me ensina e continua me ensinando. Fecha as mãos numa prece profunda e comprova que o correr de uma oração sempre ajuda a debelar nossas dúvidas com o afago superior. Um recado que vale para qualquer tipo de fé ou até as não-fé que nos cruzam. Todos acreditam em alguma coisa que faça sentir bem, e o cristianismo que nos é comum é um exemplo.
O dia, infelizmente vai se pondo, e o que era uma nota de rodapé para mim voltou, fervorosamente, a ser aquela amizade tão especial de um tempo feliz da minha vida, agora com olhos mais serenos e sábios. Camila me ensinou de novo, me ensina a rir e ensina a si mesma a ser a melhor mulher que já viveu, finalmente depois de tantos rumos e versos rasgados. Ela está linda, dentro de fora, entre gestos e risos, a Camila que sempre gostei e gosto.
E a distância, aguardo o nosso próximo encontro para outra aula de vida. A navegante segue explorando os mares distantes como uma autêntica estrangeira, e eu sigo riscando versos e fazendo a emoção correr rádio afora.
Nunca é tarde para reconsiderar, procurar as mãos passadas e segura-las com estima.
Nunca é tarde para aprender entre um ou dois cafés.
Nunca é tarde para encontrar Camila na vida.
Encontre a sua Camila, aquele ser que lhe ensina a vida, e serão dias inesquecíveis.
Encontrei Camila, e Camila me ensina… sempre me ensina.
🌻🌻🌻🌻❤️