Hoje virou moda. Falar de gourmetização e querer aprontar peripécias na cozinha tem se tornado uma constante entre os chefes culinários de fim de semana no Brasil. Não para tanto, as fotos de pratos no Facebook aparecem sempre que possível, provocando a ira dos estômagos incautos que de fome roncam. E também pudera, talvez com a exceção de algumas emissoras no país, programas culinários tomam cada vez mais de assalto as grades de programação, de formato bem diferente do que já foi num passado nem tão distante.
Sim, a cozinha televisiva brasileira não viveu só de Masterchef, bem como a TV mundial. Programas culinários são tão antigos quanto a televisão em si, e nestes 65 anos do cubo luminoso tupiniquim teve muita dona de casa que parava em frente a televisão (e ainda para, acredite) para anotar receitas tentando reproduzi-las em casa o mais próximo da perfeição. Se esta mania tem culpados? Eu diria que tem culpadas, ao menos três: A inesquecível Ofélia Anunciato e as sempre jovens Etty Fraser e Palmirinha Onofre.
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Os mais jovens talvez não se lembrem mais tanto de Ofélia, mas programa culinário na TV nacional praticamente nasceu com ela e não é nenhum exagero afirmar isso. Ela é uma das pioneiras da televisão brasileira, tendo estreado como culinarista na TV Santos, subestação da TV Paulista, atual Globo São Paulo, em 11 de fevereiro de 1958. Seis meses depois, já enveredava pela TV Tupi, onde ficaria 10 anos até rumar para a casa definitiva, a Bandeirantes, em 1968. Foram exatos 20 anos de presença da Cozinha Maravilhosa da Ofélia na casa dos Saad, onde a culinarista ficaria até o fim da vida, em 1998, quando faleceu aos 73 anos vitimada por um infarto do miocárdio.
Ofélia pode-se dizer, seguramente, uma das mais gabaritadas cozinheiras que o Brasil já teve em todos os tempos. Na carreira foram 14 livros culinários publicados que passaram com grande sucesso pelas cozinhas brasileira, portuguesa e italiana. Publicações que até hoje estão nas prateleiras de chefes renomados e aficionados pelo duo forno-fogão. E não havia quem não sentia fome com as delícias de Ofélia. Ladeada da fiel escudeira Cidinha Santiago a cada manhã na Band, a jovem senhora loura exibia um repertório dos mais variados e, por característica, não repetia receitas facilmente, apenas raras exceções como as Rosquinhas de São João, os favoritos da audiência.
Dela mesma saiu a melhor definição para aquilo que fazia e gostava: Não sou atriz, não sou cantora. Sou cozinheira com muita honra. E não podia estar mais certa do que gostava de fazer.
Mas havia quem não era cozinheira por profissão, mas ganhou o rótulo por honoris causa. Era o caso de Etty Fraser, atriz renomada do teatro e figura carimbada na TV Tupi, onde passou a maior parte da carreira que vem desde 1959. Nos anos 80, a televisão descobriu os dotes de cozinheira da senhora com jeito de mãezona e logo ela passou a dividir o tempo entre as interpretações cênicas e as panelas, dando receitas culinárias em uma coluna na antiga revista Amiga (uma prima-avó da Contigo! atual) e apresentando, nos anos 80, programas como Na Boca do Forno e A Moda da Casa, ambos na Record.
Etty mesma não se considerava um ás da cozinha, disse certa feita que fazia o trivial e que parou em programa de culinária por mera casualidade. No entanto, era (e é) dona de casa das melhores e mandava bem em ótimas receitas, como os simples ovos de páscoa, em que ensina neste registro da TV Record, em 1987:
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Aos 84 anos, Etty anda afastada de trabalhos na TV, mas o teatro ainda não a tirou da circulação, mesmo com os passados 80 anos de vida. Nem sempre a idade é uma espécie de empecilho para os artistas continuarem fazendo o que gostam, mesmo que em marcha lenta, sem exageros. Exemplo melhor está na cozinha mais tradicional do Brasil, onde não há chefe moderno que mande, mas uma avó de respeito que, mesmo as vezes traída pela memória rápida, cozinha como o sonho: Palmirinha Onofre.
Nascida em 1931, antes ainda da Revolução Constitucionalista em São Paulo, Palmirinha era uma esforçada dona de casa que tirava de salgadinhos e doces a renda para sustentar as três filhas depois de se separar do marido. A TV apareceu numa casualidade da vida, foi no programa Silvia Poppovic, na Bandeirantes, uma espécie de clone dos programas de entrevistas e debates populares americanos. Naquele edição do programa o tema das perguntas era Criei meus filhos sozinha, onde além de contar a história de vida, Palmirinha presenteou Silvia com uma apetitosa cesta de salgadinhos.
Foi uma aparição apenas e um talento incomum para a cozinha que atraiu os olhos de Ana Maria Braga, à época apresentando o Note e Anote na Record, que convidou Palmirinha para colaborar na cozinha da atração por mais de cinco anos. Nascia então a culinarista favorita do país, e as receitas de multiplicavam. Da coadjuvancia na emissora de Edir Macedo, Palmira pulou para a TV Gazeta em 1999, onde atuou colaborando nos programas Mulheres e Pra Você, tendo em 2005 ganho o espaço próprio: O TV Culinária, onde escreveu o nome de vez entre os culinaristas marcantes do país, conferindo-lhe o titulo de vovó mais querida do Brasil.
As vezes, falta a palavra pronta e estes lapsos memoriais da cozinheira ao vivo acabaram por ajudar o seu nome a chegar a vários rincões onde a Gazeta nem tinha sinal. Circulando pela mídia direto, passando por um sem-número de programas de entrevistas e comerciais, Palmirinha deixa a emissora da Cásper Líbero em 2010 para ir para o território ainda inexplorado da TV fechada, ganhando espaço no então canal Bem Simples (hoje FOX Life), a única emissora que aceitava no ar a presença de Guinho, o fiel mascote da vovó. Desentendimentos com o interprete do boneco fizeram a atração sair do ar no fim do ano passado, mas os episódios do Programa da Palmirinha estão disponíveis no FOX Play e as receitas de Palmirinha já viraram até livros e conquistam muita gente.
E muita gente de fora, como foi no encontro emocionante de Palmirinha com o Cake Boss Buddy Valastro, em 2015. Sobrou elogios e até reverencias nos dois lados do confeiteiro mais louco de Hoboken (Nova Jersey, EUA) e do mundo, Veja ai:
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Os tempos passaram, os programas culinários tornaram-se uma sucessão de receitas gourmet com pratos que, muitas vezes, alimentam mais os olhos do que o estômago. Não querendo ir contra a tendencia mundial, que está desmistificando a cozinha sofisticada e a trazendo a uma nova realidade, mas voltando um pouco no tempo, quem mandava nas cozinhas brasileiras da TV eram as mulheres que traziam de casa e da vida alguns dos pratos favoritos que encantam os cozinheiros de fim de semana até hoje, e provocam reverencia dos chefes brasileiros onde quer que estejam.
Que me desculpem aos novos, mas as vovós ainda mandam nos livros de receita, e ai de quem disser o contrário.