
Nestes tempos tão violentos, onde a insegurança é notícia de primeira página por muitas vezes na imprensa, fala-se muito pelas esquinas em termos que remetem a máxima de se fazer justiça com as próprias mãos. Não raro, ouvir de alguém a tal frase ah, eu reagiria é coisa normal em várias rodas de papo pelas cidades quando o assunto vem da cronica policial. E até há certa razão embora sendo uma atitude errada. Nenhum cidadão, mesmo consciente dos direitos e deveres, tem sangue de barata, ao menos no pensamento.
Nos famosos programas carinhosamente apelidados por muitos de bacia de sangue (Cidade Alerta / Brasil Urgente) é impossível escapar da revolta ao presenciar casos de assassinatos, homicídios, assaltos, abusos sexuais e estupros e tudo mais que nos amedronta e nos tranca em casa. Por falar em estupros, um dos crimes mais sujos e hediondos, foi um deles que motivou aquela máxima que comentei no parágrafo, a de fazer justiça nas próprias mãos, no mais famoso e macabro caso de linchamento já registrado no país e que, este mês completa 30 anos.

Este caso teve lugar em 22 de dezembro de 1986 e aconteceu na pacata cidade paranaense de Umuarama, localizada a mais de 400 Km da capital, Curitiba. Era próximo do Natal e muitos já se preparavam para curtir as férias, seja na cidade ou no litoral. No sábado anterior, o casal de noivos Shirley do Nascimento, 22 anos, e o fotógrafo Júlio César Jarros, 26, se preparava para sair de casa quando foi abordado por um trio de criminosos que os sequestraram e os levaram para um local retirado fora da cidade.
A quadrilha – Iremar Gonfio (19 anos), Edivaldo Xavier de Almeida (20 anos) e Aurico Reis (18 anos) – estuprou Shirley e matou Julio, deixando os corpos no local e se evadindo dali. Um crime que, pela proximidade do Natal, tornaria-se ainda mais revoltante e chocante para qualquer um. Mesmo com o choque do ocorrido e em menos de quinze horas depois do crime (na manha de domingo, 21/12), o destacamento de Polícia Civil de Umuarama já tinha pistas dos criminosos e, tão logo, os prendeu. A noticia correu a cidade, num misto de alívio e… vingança.

O estopim para o que viria na noite de domingo ocorreu ainda no decorrer do dia. Depois de confessarem o crime, a Polícia levou o bando ao local do fato para a reconstituição do caso. Durante os trabalhos, Edivaldo teria soltado uma pergunta irônica e debochada quando indagado sobre como matou o fotógrafo: Por que não me dão um revólver carregado? Foi o que precisava para despertar a ira de cerca de 2 mil pessoas, que incitadas por um pequeno grupo, cercavam a cadeia de Umuarama em busca de pagar na mesma moeda o crime dos rapazes.
Foi uma loucura jamais vista na pacata cidade, o grupo pedia a adesão de quem encontrava pelo caminho, que seguia a marcha empunhando paus, facões e pedras. Alguns trouxeram gasolina, outros apenas gritavam palavras de ordem, sendo em muitas das citações elogios a polícia. As poucas guarnições da Polícia e agentes da cadeia pouco puderam resistir diante da fúria descontrolada da multidão, que entrou pela porta da frente, barrou os agentes e rumou até a ala 7, onde estava o trio.
A descrição do ocorrido está documentada e acessível a todos pelo YouTube. A matéria é do antigo programa Aconteceu na Polícia da TV Tarobá, afiliada da Band em Londrina e Cascavel.
As imagens são fortes, recomenda-se cautela:
Para quem não viu o vídeo, vamos descrever: O bando invadiu a cadeia, tirou o trio da cela, os agrediu com pauladas, pés-de-cabra e o que havia na mão. Depois, a orda amarrou o trio na traseira de um carro, os arrastando quase mortos pela Avenida Paraná – a principal da cidade – até a Praça Miguel Rossafa, no bairro Zona III, onde foram queimados sob palmas e gritos de queima! queima!. Teve quem aplaudiu o macabro cortejo levando os criminosos até a praça para o golpe final.
O linchamento correu as notícias do país, sendo até destaque da revista de fim de ano da revista Veja do dia 31 de dezembro daquele 1986 que a ONU havia declarado como o Ano Mundial da Paz (irônico!). A população de Umuarama poderia estar aplaudindo o ato digno de oeste selvagem, mas havia quem não conseguia acreditar num fato tão impactante. Há relatos de que os índices de criminalidade no município caíram a níveis baixíssimos e ficaram assim por muito tempo, o que é muito bom mesmo tendo vindo de uma cena dantesca de vingança coletiva.

A Polícia conseguiu, posteriormente, reconhecer os responsáveis pela incitação da violência, que responderam a um processo criminal por arrebatamento de preso e vilipêndio a cadáver, no entanto não havia como saber quem de fato matou os três criminosos e, sendo assim, ninguém respondeu por homicídio. O processo correu por anos na comarca de Umuarama, mas sem nenhuma conclusão e refém da morosidade judicial, acabou arquivado.
A história tem diversos tratamentos dentro da cidade, desde quem ignora sumariamente o fato aos que recordam e até contam detalhes, especialmente quem esteve junto a multidão. É mais do que certo de quem um episódio de linchamento, atualmente, soe como corriqueiro em regiões do país onde a lei nas próprias mãos é a unica forma de se colocar ordem. Pesquisando sobre o fato em Umuarama, outros tantos linchamentos e agressões a criminosos pipocaram, um mais sanguinolento que o outro, e quem não tem coração e estômago não faça isso.

Procurar explicações, motivos psicológicos que tentem destrinchar toda essa raiva que virou morte pelas ruas da chamada capital da amizade talvez não compete a mim. Passados 30 anos, tem quem lembre ou que esqueça do que viu, talvez pela corriqueirice dos crimes que motivem a tanto e da revolta coletiva que mais se dispara pelas redes sociais do que pela vida real. A vida em Umuarama não poderia estar mais tranquila – ou não – para quem lá vive, mas no meio da praça a marca de uma noite selvagem não se apagará tão fácil quanto se pense.
E vale um adendo: Por mais revoltoso que seja um crime, linchar um bandido, assassino ou estuprador não é jamais a forma certa de se fazer justiça, muito embora todo o brasileiro – até o que vive em Umuarama – sinta a vontade de faze-lo diante do que vemos dia a dia pelo país. Aguente a vingança, anote a dica e não esqueça do mau exemplo da noite de 22 de dezembro de 1986… O dia do linchamento na Capital da Amizade.
Nasci em Brasilia em 1991, cheguei em Umuarama em 2020, e apenas hoje 26/03/2023 fiquei sabendo dessa história. Quero deixar meus mais sinceros parabéns a todos os envolvidos que tiraram a vida desse trio maldito. Mataram e estupraram, não mereciam viver.
Hoje moro em Sorocaba sp mais sou nascida em umuarama a cidade parou foi uma coisa inesquecível oque fizeram
Nasci em Umuarama. Em 1986 tinha 18 anos. Foi uma noite macabra, pesada, horrível para dormir diante das atrocidades feitas pelos bandidos com duas pessoas de bem que estavam se preparando para casar. Sei que nossa justiça é muito falha e tem direitos humanos para os desumanos. Porém não concordo em fazer justiça com as próprias mãos. Foram com os corpos na frente da casa de cada um, sem pensar que eles tinham mãe. Me lembro que tinha um quarto elemento menor de idade que fugiu da cidade. Não sei se ainda está vivo, mas a mãe dele que era professora teve depressão e morreu de desgosto e tristeza.