Toque do Silêncio: Histórias por trás da “melodia da saudade”

São algumas notas musicais apenas, executadas sob o som inconfundível de um trompete ou corneta, e que remetem ao sentimento de tristeza e resignação pela lembrança de algum ente querido já partido há tempos e cuja falta é sentida nas lembranças que correm por esta melodia. Nas cerimônias militares, ela é a grande homenagem a aqueles que tombaram a serviço da pátria, lembrados sempre com reverencia e saudade.

Com uma origem tão impressionante quanto antiga, o Toque do Silêncio, a clássica música de celebrações fúnebres e, especialmente, enterros com honras militares, é uma das melodias mais conhecidas do cancioneiro mundial, sendo reconhecida como simbolo de respeito e saudade dos que já partiram. No entanto, o que muito pouca gente conhece é a história por trás desta canção, tão emocionante quanto qualquer sentimento que passa em corações e mentes enlutados pelo mundo.

Guerra Civil Americana – Uma canção na perda de um filho

A versão mais conhecida da origem do Toque do Silêncio data de 1862, nos campos de batalha da Guerra Civil Americana (Guerra de Secessão) entre o norte e o sul dos EUA (já comentada em A BOINA há algum tempo). Segundo constam os fatos, o Capitão nortista Robert Ellicombe estava estacionado com seus homens próximo a Harrison’s Landing, no estado da Virginia. Do outro lado de uma estreita faixa de terra que dividia o local, estavam os militares confederados, em constante tiroteio naquele trecho de campo.

Uma representação em pintura de um dos tantos combates da Guerra Civil Americana (1861-1865). Foi num cenário destes que nasceria a canção que nos Estados Unidos é chamada de "Taps", ou como chamamos, o Toque do Silêncio (Reprodução)
Uma representação em pintura de um dos tantos combates da Guerra Civil Americana (1861-1865). Foi num cenário destes que nasceria a canção que nos Estados Unidos é chamada de Taps, ou como chamamos, o Toque do Silêncio (Reprodução)

Na calada da noite, O capitão Ellicombe ouviu gemidos que aparentavam ser de um soldado caído em combate e muito ferido. Com a escuridão alta não havia nem como identificar o militar a distância, se era confederado ou da união. Mesmo assim, o capitão avançou noite adentro, aproximando-se da faixa limite em busca do soldado ferido, enfrentando os tiros entre as duas tropas. Ele conseguiu, com sucesso, resgatar o militar ferido, o trazendo para o acampamento para receber cuidados médicos.

Só quando conseguiu chegar no acampamento, e já com o soldado morto, é que o capitão Ellicombe descobriu, pelo uniforme, que era um confederado. Com a ajuda de uma pequena lanterna ele procurou ver quem era o militar que carregara, e qual não foi o choque ao perceber que quem estava morto a sua frente e com o uniforme confederado era, na verdade, o próprio filho. Ele havia ido para o sul estudar música quando a guerra começou. Mantendo segredo do pai, ele alistou-se ao exercito confederado e ido para o conflito.

Retratação da surpresa do Capitão Ellicombe ao descobrir o filho, trajado de confederado, morto (Reproduçao)
Retratação da surpresa do Capitão Ellicombe ao descobrir o filho, trajado de confederado, morto (Reproduçao)

Na manhã seguinte, tendo cessados os ataques, o capitão pediu autorização aos seus superiores para dar ao filho um funeral com honras militares, mesmo ele sendo um combatente sulista. Ellicombe foi parcialmente atendido, inclusive o pedido para que a banda militar tocasse no velório. Os comandantes não concordaram em enviar o conjunto todo, por se tratar de um confederado. No entanto, em respeito ao pai enlutado, eles ofereceram apenas um único músico para cumprir a missão.

Capitão Ellicombe escolheu um corneteiro da banda, pedindo-lhe que tocasse no local uma série de notas musicais que encontrara escrito num pedaço de papel no bolso do uniforme do filho. E foi naquele dia, silenciado dos tiros da noite anterior, que a melodia – que seria conhecida nos EUA como Taps – foi executada pela primeira vez, e imortalizada como simbolo da perda e da saudade.

E acredite, a canção tem até letra. Veja:

O dia se foi. Foi-se com o sol. Dos lagos, das colinas. Do céu.
Esta tudo bem. Descanse a salvo. Deus esta aqui.
Luz desvanecente. Escurece a visão. E uma estrela. Adorna o céu. Cintila brilhante.
De bem distante. Delineando aqui. Cai a noite.
Agradecimentos e elogios. Por nossos dias. Sob o sol. Sob as estrelas. Sob o céu.
A medida que vamos. Isso sabemos. Deus esta aqui.

Outra versão – A origem mexicana da melodia

O Napoleão do Oeste, como costumava ser chamado,
O Napoleão do Oeste, como costumava ser chamado, o general António Lopes de Santa Anna é um dos grandes nomes no mundo militar mundial. No fim da Batalha do Álamo é que também conta-se que foi o nascedouro da canção (Reproduçao)

A versão americana da história é hoje uma das mais aceitas e tem circulado até hoje nas redes sociais, mas ainda há uma outra versão sobre a origem do Toque do Silêncio, ainda mais antiga. Ela remonta por volta de 1836, partida de uma ordem do general mexicano António Lopes de Santa Anna, militar com um currículo extenso na vida militar (um dos mais extensos do mundo) e famoso na história por ter conduzido as tropas mexicanas a vitória na Batalha de El Álamo, naquele ano.

Conta a história que, após a batalha vitoriosa do conflito e antes ainda da prestação de honras a bandeira mexicana, o general Santa Anna ordenou ao corneteiro da tropa que compusesse uma melodia em honra aos caídos em combate. Pediu que, durante a execução da música, se guardasse silêncio, punindo com a pena de morte que desobedecesse a determinação. Ordenou também que a bandeira mexicana fosse desfraldada durante a cerimônia.

Até hoje nunca se sabe quem teria sido este soldado que compôs a melodia. Este soldado, muito próximo do velho general, esteve ainda na recepção à Santa Anna, que regressava do exílio na madrugada do seu aniversário, em 1874, já velho, quase cego e meio surdo. Santa Anna fora recebido em casa com um toque de clarim de várias canções militares mexicanas. Conversaram por um bom tempo e o soldado, vivendo na extrema miséria, pediu-lhe ajuda financeira para se manter, mas ganhou mais do que isto: Como não tinha dinheiro para ajuda-lo, o velho general o convidou a morar com ele e assim viveram até o fim da vida.

O trompetista italiano Nini Rosso, responsável por levar Il Silenzio (1965) ao estrelato e um pouco longe de meu grupo (Reprodução)
O trompetista italiano Nini Rosso, responsável por levar Il Silenzio (1965) ao estrelato e um pouco longe de meu grupo (Reprodução)

Anos e anos passaram-se depois destas histórias, e por todo mundo a sequência de notas do Toque do Silêncio ficou imortalizada nas despedidas militares ou, tão somente, nos momentos de saudade de um ente querido. Uma das versões da canção ganhou até as paradas musicas da Europa por volta de 1965, na interpretação do “Herb Alpert italiano“, Nini Rosso.

E é com ela que encerramos esta bela história. De um soldado caído e sua canção, que atravessa os tempos nos fazendo lembrar de quem amamos e cuja lei da vida nos deixou distante…

Deixe uma resposta