As noites da Blumenau de hoje pouco lembram as de antigamente, é verdade. Com os agitos dos pubs e o perigo de assaltos em cada esquina, nem sempre andar na penumbra do Centro é motivo de paz e sossego. No entanto, houve tempos cálidos na vida citadina em que andar a noite era algo prazeroso, e o silêncio era via de regra
depois das 22h. Mas, junto no pacote, as ruas e travessas do Centro antigo
também guardavam lendas, e uma delas situa-se numa das vias mais simpáticas e
pouco notadas da região central: A Rua Ângelo Dias.
Batizada em homenagem ao canoeiro itajaiense que conduziu Dr. Blumenau e seu
sócio, Ferdinand Hackradt, pelas águas do Itajaí-Açu rumo as terras da colônia, a
via é conhecida por abrigar uma das primeiras farmácias do SESI da cidade (no
endereço até hoje), por ser acesso a estacionamentos, por ser o local dos Correios
(antiga Universal Veículos) e por ter, na esquina com a Dr. Luiz de Freitas Melro, um
dos hotéis mais antigos da cidade, o City Hotel.
Nos anos cálidos da cidade, a Ângelo Dias já foi uma rua residencial. Casarões magníficos e ipês amarelos davam o colorido da paisagem na loira e ainda
infantil menina Blumenau. No entanto, ao cair da noite, a graça dava lugar a um clima
tétrico, especialmente nas altas horas, onde entre as décadas de 20 e 30, uma
lenda urbana teve lugar naquela via, e que fez a pacata rua, chamada de Travessa 4
de Fevereiro naqueles tempos, ser conhecida como a Gespensterstrasse, a Rua
do Fantasma, no bom português.
A lenda, quem conta, é o amigo jornalista, escritor e Cid Moreira blumenauense,
Carlos Braga Mueller, que fez o primeiro relato ao blog de Adalberto Day há algum
tempo. Fantasmas eram algo corriqueiramente normal nas ruas blumenauense no
tempo antigo. Histórias eram várias, talvez algumas para assustar crianças levadas, mas a mais marcante foi esta que acontecera na Ângelo Dias e que também entrou para o rol das lendas. Segundo conta, moradores afirmavam ver passar por ali a altas horas da noite a figura de um personagem em pesadas roupas escuras a passar naquela via. Dali para o famigerado apelido foi um pulo.
Depois de tanto contar a história e de tantos outros que viam, vez ou outra, o vulto vagando sempre rumo a mesma casa e sempre nas altas horas da noite na Travessa, resolveram montar tocaia e, certa feita, pegaram o fantasma numa das caminhadas. Sem violência, como você pode estar pensando, apenas um papinho informal para matar a curiosidade.
Descobriu-se então que a figura era, simplesmente, um sacerdote franciscano, talvez da então Igreja Matriz São Paulo Apóstolo, que naquele horário saia para visitar um amigo (ou amiga) muito estimado(a) e, no caminho, acabava cruzando a Travessa. Fazia isso sempre naquele horário para não causar escândalos, escondendo-se na penumbra e aproveitando o vazio das ruas. Quanto a capa preta, era a túnica marrom escuro característica dos franciscanos, com o capuz que cobria quase toda a cabeça.
No entanto, ninguém sabe dizer, nem mesmo o próprio Braga, quem era esse sacerdote. Ninguém queria, ao menos, pronunciar o nome dele pois, segundo o jornalista, era uma pessoa muito importante na época. Como toda lenda, a do fantasma da Ângelo Dias perdeu informações no espaço e, tão somente, virou história, sem registros. Também muito menos se sabe quem era a pessoa que ele visitava nas noites.
Como toda a lenda, fica a pergunta se a história era verdade ou foi apenas fantasia da fértil imaginação do blumenauense. Seja como foi, a Ângelo Dias guarda muito mais que história, prédios comerciais e estacionamentos, mas também uma lenda assombrosa e misteriosa, perdida para sempre no trecho daquela viela tão conhecida no Centro blumenauense.