Entre as esquinas que caminho por Blumenau, vem a memória recordações de natais passados, tempos distantes de quando, no tempo de criança, tínhamos guardados no coração aquela ansiedade desgraçada para o grande dia, quando festejaríamos com a família, abriríamos presentes e comeríamos muito sem esquecer, é claro, do verdadeiro significado da data: A vinda de Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria numa humilde manjedoura em Belém. Lição essa passada a risca por meus pais, tios e avós, que viveram as mesmas ansiedades há muitos anos atrás, em outros Natais.
Eram tempos onde tudo parecia muito mais simples do que conhecemos hoje. Enfeites soavam mais belos, as luzes mais brilhantes e os preparativos mais caprichados e afiados para a data. Tempos onde a fantasia era quem mandava e as crianças, maravilhadas, corriam para a Rua XV para um dos pontos altos da festa natalina na cidade. Era o desfile que, mesmo com o lado comercial da história, tinha sua sinceridade em espalhar o espírito natalino até no mais amargo dos munícipes. O desfile de Natal da saudosa Hermes Macedo, que hoje recordamos em A BOINA, com a contribuição fabulosa do grande publicitário e mago das mini-motos feitas de relógios, José Geraldo Reis Pfau, o Zé Pfau para os amigos.
Bem guardado em um álbum de capa azul no escritório da empresa de comunicação que possui na Rua Joinville, Pfau tem registrada uma página doce da história natalina blumenauense, que não é tão antiga como a dos primeiros anos do município, mas que guarda um encanto único. Mesmo com todo o viés comercial, a Hermes Macedo dava um show nos Natais, em tempos onde vender era uma das e não, essencialmente, a maior prioridade.
O álbum foi uma das maiores surpresas que Pfau tivera em tempos. Ganhou de uma senhora que, certa feita, lhe bateu a porta do escritório para lhe entregar o documento que, se não tivesse outro fim, o descartaria. Até hoje, o publicitário não se recorda do nome da moça tamanha sendo a surpresa que teve. Eram recordações não apenas da clássica HM, mas também do trabalho do saudoso pai, Osmêmio Pfau, na gerência da filial blumenauense da empresa made in Paraná, onde ficou por 35 anos.
O que era a HM?
Fazendo um breve histórico, a loja nasceu de uma modesta agência de autopeças fundada em Curitiba, em 1932, pelos irmãos Astrogildo e Hermes Macedo. Do tamanho da fama e freguesia que a agência de autopeças ganhava, os irmãos abriram uma segunda loja na capital paranaense, na Praça Generoso Marques. O sucesso só aumentou ainda mais e, de autopeças, a loja diversificou o mix de produtos, passando a
vender também eletrodomésticos, bicicletas, eletroeletrônicos, artigos para o lar e presentes.
Em 1943, extremamente consolidada no mercado, a empresa tomou como denominação o nome Hermes Macedo e iniciou a criação de uma rede pela cidade de Ponta Grossa, passando após por Londrina e Maringá. A filial blumenauense, a primeira fora do Paraná, seria fundada em 1950 instalada primeiramente ao lado do então Banco do Brasil, onde hoje está localizado o prédio da Pittol Calçados e o Trindade Cabeleireiros. Seria pelas mãos de Osmênio Pfau, ex-profissional do futebol blumenauense, que a HM inauguraria em 1963 a maior loja da rede no sul brasileiro e a maior do sul com vão livre, no endereço onde até o fim esteve localizada: Onde, atualmente, situa-se o Brermen Zenter.
Visitar a HM naqueles tempos era uma sensação das mais incríveis. Era um verdadeiro shopping que ocupava a extensão de terreno completa, partindo da Rua XV e chegando com as costas até a Rua Getúlio Vargas. Uma autentica loja de departamentos mais que completa, com artigos de cama-mesa-banho, moda masculina e feminina, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, costura, som e imagem, bicicletas, camping e náutica, brinquedos e, claro, peças e assistência técnica para carros, motos e caminhões. Isto sem contar que, dentro do estabelecimento, ainda havia um pequeno café, onde eram servidos lanches e café.
O Natal: O verdadeiro encanto da Hermes Macedo
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Agora que você sabe um pouco donde surgiu esta potência, fica fácil entender o porquê da tamanha festa natalina que cercava Blumenau (e todas as cidades que tinham HM) nos áureos anos 60, 70 e 80. É bem sabido que o grande alvo da loja neste tempo era a seção de brinquedos, a Brinquedorama (anteriormente Brinquedolandia, mas que teve o nome alterado por conta de uma questão de registro de outro ponto com o mesmo nome), encanto para as crianças sedentas pelo presente certo no saco do Papai Noel. A chegada do Natal era apenas o começo de uma festa que durava um mês completo, e não ficava apenas no puro incentivo a compra.
O encanto já começava com a decoração natalina feita pela HM. Muito além das
luzes (piscas, à época eram feitos com lâmpadas de baixa voltagem), a Hermes
Macedo montava um belíssimo portal defronte ao prédio, armado em estrutura de
ferro, onde se apresentava a cada ano uma bela e diferente mensagem e desenho.
Entre as fotos de Pfau, os portais sempre são os maiores destaques,
impressionando pela beleza e originalidade. Eram o grande chamariz da decoração.
Veja uma galeria com os portais da HM ao longo de alguns anos (não necessariamente em ordem cronológica):
Outro grande chamariz, segundo os antigos, era o presépio da HM. Pfau, muitas vezes, recebera comentários no Antigamente em Blumenau, sendo mencionando um grande presépio mecanizado que enchia os olhos de crianças e pais que visitavam a loja. Apesar de nunca ter sido registrado em filme ou foto, ele realmente existiu. Foi feito por um artista de Indaial e consistia de um eixo central movido por motor elétrico que, com o auxilio de barbantes e uma precisão milimétrica nos movimentos, fazia mover todas as formas do cenário. Desde a mão dos pastores, passando por lenhadores, anjos e as figuras centrais. Um encanto mais do que criativo.
Estava pronto o campo de festa, era a hora da chegada do bom velhinho a cidade. Para tanto, um grande desfile sempre era organizado a cada ano, com uma massiva presença do público. O setor de decoração da HM blumenauense contava com a parceria dos artistas circenses do Circo Bartolo, vindo de Curitiba, que ajudavam no desenvolvimento dos painéis, esculturas e dos carros alegóricos. Eram usados os mais variados materiais, de madeira a crepom, de metal a isopor, sempre com um resultado de encher os olhos pela perfeição conseguida.
Veja as cores dos carros alegóricos dos desfiles da HM pela XV de Novembro, feitos quase que perfeitamente em vários materiais. Quem for nostálgico que se emociona, aconselho lenços de papel ao lado:
O Circo Bartolo também colocava na pista os artistas que faziam as graças durante o desfile. Duendes, cowboys, palhaços, fadas, todo o tipo de personagem entrava na roda, para delírio das crianças que, tendo chuva ou sol, lá estavam para apreciar a festa. Depois de tanta cor, eis que no final chegava o grande motivador da recepção. Diretamente da Lapônia para Blumenau, o Papai Noel da HM pisava na loja que o abrigaria durante as festas e receberia, com carinho, os pedidos de cada um dos pequenos que lá passariam.
A Brinquedorama se transformava na mais pura oficina de Papai Noel que a fantasia podia produzir. Atendentes caracterizados e uma enxurrada de brinquedos garantiam a festa da gurizada nos corredores do local. Era um sonho, tempos em que, segundo nossos pais, os brinquedos tinham um “algo mais”. Eram feitos com qualidade superior e que, em alguns momentos, necessitavam daquele 30% de imaginação para poder tornar a brincadeira mais alegre. E quantos que, hoje são pais e avós que não se recordam destes momentos mágicos de escolher presentes na Brinquedorama da HM? Saudosa infância.
Em imagens, os sonhos infantis residentes na Brinquedorama da HM:
Este jornalista admite que nunca teve a honra de viver aquele tempo, mas recorda fielmente de um Natal que teve uma marquinha de HM. Se não falha minha memória, foi em 1996, um dos últimos anos da loja na cidade. Ganhei de meus padrinhos uma bela carreta de brinquedo da Elka, modelo Scania cara chata azul. Era uma perfeição de brinquedo, bem feito, bem acabado e muito bem cuidado. Brinquei com ela até estragar, e hoje ela roda apenas em minha memória. Tanto ela quanto a HM, que não sobreviveria muito além.
O Fim da HM e o Natal em Blumenau
Lamentavelmente, grandes titãs do comércio brasileiro naqueles idos, como Ducal, G.Aronson, Jumbo Eletro, Mappin e Mesbla, começaram a sofrer paulatinamente os efeitos da grave crise econômica que acometia o país no fim do regime militar. Com a HM, o efeito não foi diferente em nenhuma vírgula. Sequentes crises financeiras e disputas pelo poder fizeram com que a cadeia escorregasse para uma irreversível concordata, em 1992. Repleta de problemas, a HM catarinense chegou a fazer, em 1995, um acordo com a Lojas Colombo para a manutenção dos pontos de venda, recebendo por este processo 10% de comissão sobre as vendas.
Irremediavelmente, em fevereiro de 1997, a Hermes Macedo, outrora uma das maiores e melhores empresas para se trabalhar no país, decretava a falência e o fechamento da rede que, até aquela altura, contava com 285 lojas em 80 cidades de seis estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espirto Santo, o que a fez sustentar por muitos anos o slogan indelével Do Rio Grande ao Grande Rio. O Natal das HM já era página do passado desde o início dos anos 90. As festas eram encargos impossíveis de serem honrados em tempos de crise extrema, e com isso, o fim foi melancólico para uma das festas mais belas das cidades onde estava, especialmente em Blumenau.
E não era para menos, era o Natal da HM que era, talvez, a maior atração da cidade no tempo natalino, a colocando até em posição de referência no Brasil inteiro de celebração de Natal. Agarrando o que restou das lembranças dos festejos da HM, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Blumenau e o Sindicato do Comércio Varejista de Blumenau (Sindilojas) embarcou na aventura de continuar a tradição de celebrações natalinas na cidade com o lançamento do Natal em Blumenau. A celebração não tinha um desfile pomposo, mas sim uma série de atrações para marcar a passagem da quadra natalina. Tendo, claro, o Papai Noel como grande presença.
No evento, apresentações de corais como o Camerata Vocale e o Coral de Mil Vozes (este formado com alunos das escolas municipais) eram algumas das grandes vedetes da ação. Além de tudo isso, a Casa do Papai Noel era um dos pontos altos da festa. Durante o Natal em Blumenau ela teve três endereços marcantes: Primeiro, na antiga Casa Peiter filial (antiga Blubel), depois passando ao hall de entrada do Edifício Catarinense para, depois, abrigar-se no antigo Castelinho da Moellmann (hoje, Castelinho Havan). Uma autêntica casa de bom velhinho onde o brilho e encanto das crianças, perdido outrora nos tempos da HM, retornava em novos sorrisos e esperanças. Carinhas se multiplicavam, sorrisos idem e, por muitos anos, o Natal esteve a salvo na cidade.
Alias, não sabendo ao certo se eram outros tempos onde o capricho mandava mais nas pessoas, as casas, estabelecimentos comerciais e ruas de Blumenau eram muito mais iluminados do que os dias atuais. Aos amigos, uma pequena galeria, também creditada ao amigo Zé Pfau, com alguns pontos de Blumenau iluminados. Cenas que não voltam mais…
Passando pelo Natal Alles Blau (2008-2009) e pelo atual Magia de Natal, a cidade tem buscado continuar a celebração natalina entre os moradores, muito embora as sensações de outros tempos perderam-se no mudar constante da sociedade. Nada parece que será igual, tampouco superior, ao que se viveu nos inocentes tempos em que uma loja do Centro de Blumenau fazia a alegria de pais de filhos nesta época tão colorida.
Assim, fecha-se o album azul de Zé Pfau, recheado de lembranças que emocionam e enchem os olhos dos mais velhos de lágrimas saudosas. E fazem novos como eu embarcarem numa onda de nostalgia inigualável.
Aos amigos de A BOINA, o Feliz e iluminado Natal, sincero e puro, deste jornalista.
Paz, carinho, amor e saúde a você e sua família e que não falte na noite santa a luz
das estrelas cadentes, que alegres anunciam mais uma vez a chegada de Jesus
menino, ou o que você melhor acreditar!
Boas festas!
André,
mais uma dessas postagens de deixar a gente de boca aberta. Texto muito bem produzido e nos brinda com o grande publicitário José Geraldo Reis Pfau, nosso eterno Zé Pfau. Quem tem o prazer de conhece-lo nunca mais o esquece. Eu o tenho como um irmão, incentivador e sobretudo um exemplo de fibra, honestidade que veio do berço de sua querida família Pfau. Seu pai o senhor Osmenio Pfau, veio para Blumenau e aqui criou esta bela família, faltava um jogador para treinar no Brsil?Palmeiras e ele lá na arquibancada foi treinar e nunca mais sai do time. Foi campeão em 1944 e tantos outros. Depois foi ser o Gerente da HM – e por isso aqui rendo minha homenagem a ele pelo carinho que sempre tratou as pessoas que o procuravam e seus funcionários. E Zé Geraldo? Bem este também já marcou sua passagem gloriosa de nossa cidade, e seu hobby as motos com peças de relogios? já correram o mundo.
Parabéns André e José Geraldo Reis Pfau.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história
Muito obrigado André. Seu texto está maravilhoso e certamente emociona e remete ao encanto do NATAL em Blumenau. Parabéns, sucesso, felicidade e boas festas. Zé Pfau.
amei! fantástico