Foi em meados de abril que, depois de 25 anos de vida ouvindo as histórias que vinham de la, a conheci internamente pela primeira vez. Num sábado de relativo calor, acompanhado de funcionários, familiares de funcionários e uma boa equipe de guias, percorri corredores que, por si só, contam a história daquela que não perdeu a majestade como uma potencia do mundo têxtil de Blumenau, muito embora os áureos tempos tenham se apagado no mudar do mercado.
Ainda assim, o velho cavalo marinho segue rampando na sua face, a tradição de famílias e famílias no quadro de funcionários, embora mais fraca, ainda é presente e sempre traz boas recordações. Quem bradava há algum tempo que a gigante, sob o dístico de outra gigante nascida em terra mineira, estava de saída do endereço clássico para a Argentina ou para não mais voltar engana-se. Ela está mais forte do que nunca, esbanjando tecnologia e carregando, meio que sem querer, a história do bairro que a cerca e, na alma, o espírito da empresa que a fronteava e que também lhe foi parte da origem.
Se você é do Progresso ou apenas do Garcia, sabe que estou falando da Fábrica de Artefatos Têxteis, palavras que compõem o elegante acróstico da Artex, que neste ano completa 80 anos de existência, história e presença na vida de tantas famílias.
A história – De vizinha pequena a gigante notável
Antes de falarmos da visita que A BOINA fez as dependências da Artex/Coteminas, um pouco de história sempre é importante recordar, como de praxe. Exatamente neste mês, a empresa comemora oito décadas de atividades sempre no mesmo endereço, tornado referencia: Rua Progresso, 150. Fundada em 23 de maio de 1936, a Artex foi fruto do tino empreendedor de Theophilo Bernardo Zadrozny, imigrante polonês que não tinha conhecimento no ramo têxtil, mas conseguiria o elemento que faltava de dentro da vizinha pioneira das indústrias têxteis de Blumenau, a Empresa Industrial Garcia (EIG), com um dos seus mais valiosos tecelões, o imigrante austríaco Otto Huber.
Huber era um exímio conhecedor da arte da tecelagem, segundo depoimentos de quem teve o privilégio de trabalhar com ele ou que registraram esta passagem. Otto, diretor técnico da EIG não concordava com algumas decisões do então diretor principal, João Medeiros Jr., e comentava que, quando pudesse, fundaria a própria empresa. Não deu outra, na chance que surgia pela mão do próprio Theophilo, que o chamou para dar início aos trabalhos da empresa, nascida em um pequeno prédio construído nas terras da família Grevsmuehl. Junto deles também estavam, na montagem da empresa, Max Rudolf Wuensch e Albert Hiemisch, tendo como primeiro diretor Ricardo Peiter.
O pequeno capital inicial da insipiente empresa logo transformou-se em rendimentos milionários graças ao persistente trabalho e aperfeiçoamento da produção de toalhas felpudas, primeiro produto da empresa. Com a morte precoce de Otto Huber, Wuensch tomou as rédeas da tecelagem e a Artex seguiu o desenvolvimento das atividades, dando ao Garcia o status de ser um bairro de progresso constante, com duas grandes empresas do segmento têxtil eu seu território. E, por incrível que pareça, separadas por um simples muro de distância.
A Artex seguiu um rumo de progresso impressionante nas décadas seguintes, sobretudo nos anos 60, onde começou a investir maciçamente em publicidade em revista e TV (sendo eleita a mais bela publicidade de revista em 1968, na revista Manchete). Outro momento foi a visita do então presidente Humberto de Alencar Castello Branco, em maio de 1965, durante passagem pela cidade onde visitou, além da empresa, a Igreja Matriz (Catedral) São Paulo Apóstolo, a Electro Aço Altona e a atual EBM Machado de Assis. Eram provas de que, pouco a pouco, a Artex tornava-se referencia no mercado fora dos cercados citadinos, começada de uma iniciativa pequena e persistente.
Os anos passavam, e em torno da empresa montava-se uma espécie de cidade tão forte e bem estabelecida quanto a centenária EIG. Do outro lado da rua, os funcionários da Artex tinham garantidos alimentação, saúde e desenvolvimento profissional. A majestosa cantina despontava-se no alto do pequeno monte em frente a portaria, com amplo espaço, boa comida e festas inesquecíveis relembradas por muitos. Ao lado ficavam ainda o ambulatório da empresa e o Centro de Treinamento (CT), um diferencial para a época. Hoje, a antiga cantina abriga, depois de muita luta, as instalações do Ambulatório Geral (AG) do Garcia. Já o antigo ambulatório é utilizado pela Intendência Distrital e o antigo Centro de Treinamento abriga o Instituto Gene.
Também estava na Artex um moderno Centro de Processamento de Dados (CPD), instalação aproveitada na Incorporação da EIG e uma das primeiras da cidade, num tempo onde a informática ainda engatinhava no país. Outra herança da Garcia era a Cooperativa de Abastecimento – a Cooperartex – que era aquela mão na roda para os funcionários no rancho do mês. Ela resistiu no funcionamento até fins dos anos 90, quando foi absorvida pela Cooper para a abertura da hoje filial Glória.
Isto sem falar nos informativos, como o Mensageiro Artex e O Progresso, jornal interno da empresa com as notícias de destaque entre as ações promovidas pelos funcionários e para os funcionários, como os prêmios de Operário Padrão (fase estadual) conquistados, dentre eles o diácono Harry Boos, da subestação/central telefônica, galardiado com o prêmio em 1986. Ganhador da fase nacional apenas Rudolfo Papst, pela EIG, em 1967.
No mesmo 1986, ano do cinquentenário da empresa (bastante festejado, por sinal), a Artex entregava a comunidade dois presentes, um abandonado e outro vivo até hoje. Na Prainha (Praça Jucelino Kubitschek), era erguida uma concha acústica para execução de shows e concertos, hoje abandonada em um canto tomado pelo mato naquele local, esperando o dia de volta a velha glória.
Já no Progresso, nas terras de Bernardo Rulensky, era entregue a comunidade e funcionários as modernas instalações da Associação Artex, com grande salão de festas, campos de futebol, piscina, ginásio e bosques no meio da mata. Uma festa que movimentou o bairro inteiro que, ainda hoje, é um dos pontos mais badalados da região, sendo usado para festas, confraternizações, para o esporte ou, simplesmente, para o relaxar dos associados.
A Incorporação, mudanças de mão e a Coteminas
Em 1974, um dos momentos de grande monta da história da Artex também marcava um ponto de virada na história de todo o Garcia. A empresa dos Zadrozny, estabelecida há 38 anos de forma sólida, incorporava a suas instalações o parque fabril da EIG, expandindo sua produção também para a cama-mesa e tornando-se uma das maiores da América Latina.
Esta incorporação, iniciada em 1973, provocou uma metamorfose no bairro, especialmente naquele local onde a Rua Progresso entroncava-se com a Rua da Glória. O trânsito, que passava por dentro da EIG, foi desviado para a lateral da fábrica, ao lado dos tanques de óleo, obrigando também a mudança de local da Praça Getúlio Vargas para o endereço original, alguns metros a frente do ponto original. A Rua Emílio Tallmann perdeu o acesso a Rua Amazonas pela ponte, sendo acessada apenas pela Rua Osasco e Rua Mário Schmidt. Foi neste processo também que o majestoso estádio do Amazonas Esporte Clube, um dos mais belos do estado, foi impiedosamente aterrado, colocando um ponto final também na existência do clube anilado.
Mudanças profundas a parte, a Artex consolidava-se como uma potência nacional e um orgulho maior da indústria têxtil brasileira. Infelizmente, as dificuldades financeiras dos anos 80, somadas as disputas familiares, fizeram os Zadrozny perder o controle acionário da empresa, sendo este vendido em 1994 ao Grupo Garantia, fazendo desaparecer a razão social antiga (Artex – Fábrica de Artefatos Têxteis S/A) para apenas Artex S/A.
Só depois de tantas razões sociais e mudanças depois, a Artex, enfim, tem o controle acionário assumido pela Companhia de Tecidos Norte de Minas, a Coteminas, conglomerado fundado pelo ex-vice-presidente da República José Alencar. A Coteminas mantém o controle da empresa até hoje, passando a Artex ao status de marca.
A visita – Sem trenzinho, mas cheia de surpresas
Não era a mesma coisa de antigamente por um elemento, diga-se de passagem. Nos tempos áureos, os visitantes da Artex eram levados por um tour pela empresa num charmoso trenzinho, meramente dois vagõezinhos bem cuidados tracionados por um veículo da empresa. Fora este detalhe, a visita começara pelo show-room da empresa, sendo os participantes recebidos com um delicioso café e uma agradável música de fundo.
Pelo show-room, uma das coisas que mais me instigou a curiosidade foi a presença, lado a lado, das marcas Artex e Santista, hoje defendidas pela mesma bandeira e, num tempo antigo, concorrentes ferrenhas no mercado de toalhas. A visita seguiu pela passagem pelos setores administrativo, de tecelagem, estampa e embalagem dos vários produtos fabricados pela unidade. Em cada esquina o contraste constante entre a tecnologia de ponta e a história, presente nas lajotas e no antigo caminhão de bombeiros, um modelo Ford vermelho desbotado pela idade, que ainda hoje serve a empresa junto com a equipe de brigadistas.
Junto de um dos guias (que, infelizmente, o nome me fugiu), perguntava sobre a solidez da empresa e a existência da marca. O logo do cavalo marinho, segundo o que diziam, foi deixado propositalmente nas fachadas da empresa, não apenas pela manutenção do nome, mas como uma referencia a quem visita o bairro.
Ao chegar próximo a portaria da Rua Amazonas, um momento de emoção e contato com a história. Ali resistiam ao tempo uma pequena parte do antigo leito da rua, cortado para a ligação entre a Artex e a antiga EIG, quase como uma volta ao tempo áureo daquele pedaço do Garcia. Mais a frente, as placas bem preservadas do centenário da EIG (1868-1968) e do cinquentenário da Artex (1936-1986), junto de uma peça de raridade única: Um dos últimos sinos produzidos na década de 40 na antiga fundição da EIG. Bela peça de som fabuloso, que fora gentilmente gongada naquele momento por um dos guias, num flash de um tempo distante.
Mas a tecnologia foi o que mais chamava atenção na visita, além, é claro, da história latente. Maquinas de ponta capazes de dobrarem com exatidão os edredons de casal, equipamentos de costura que ao toque de um botão arrematavam pontos nos cobertores com precisão milimétrica, o avanço da indústria têxtil visto alí também era uma lembrança constante que a velha fábrica continua com braço firme, sem deixar a peteca cair ou dar sinal de fraqueza, como tantos boatos e alguns colegas de imprensa davam como certos algum tempo atrás.
Visita encerrada, uma singela toalha branca foi a lembrança de um dia incrível. Dia de conhecer profundamente uma empresa que até hoje é parte da história de famílias, da gema do Progresso ou não, que escrevem a vida pelos seus corredores. Longe da boataria e especulação falsa, a Artex/Coteminas continua escrevendo uma pagina única no Garcia, leva consigo a alma da antiga e pioneira EIG e, que assim espera-se, continue sendo a boa referencia do maior bairro da cidade, de um distrito que nasceu em volta de duas empresas e que, hoje, mistura o verde da natureza, a história que lhe marca e o trabalho da gente que lá vive.
Assim caminha a Artex, a sempre moda em toalha, pelas curvas do Garcia.
(Fotos em galerias: Adalberto Day / Arquivo Harry Boos / André Bonomini)
André, simplesmente espetacular esta sua visita e seu relato sobre a história dessa magnifica empresa, Coteminas aqui representada pela EIG e Artex como pioneiras no bairro e Blumenau ramo têxtil.
Já escrevi muito sobre o assunto, mas não dessa forma mais agradável para a comunidade, sempre faço a descrição mais detalhada, técnica e dados históricos como datas e razão social.
Parabéns pois sei o quanto ficasse honrado e viajasse no tempo com tantas histórias a mais que já ouvisse sobre essas empresas.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau
Excelente esse trabalho …. Um filme se passou na memória. Por 12 anos -1977 a 1989 – vivi esta “família”… Muito trabalho e sobretudo, aprendizado, que valeram para toda uma vida … E muitas belas historias a serem contadas sempre ….
Eu vivi esta época … Devo muito a Artex, aos colegas e diretores da época, pela oportunidade de um tempo muito feliz e de realização.
Tive a honra de trabalhar nesta empresa duas vezes na fases antes e depois da Coteminas. Num total de 20 anos.
Excelente trabalho. 1970-2015. Tempo de trabalhei lá. Sugestão;A partir da transição , Garantia em 1994 e Coteminas com a nova administração ouvir o relato do Sr. Sérgio Pires, sobre o período que ele foi diretor até o Diretor atual Sr Eliezer Matos. O Sr Irio Hort trabalhou lá pov n anos também também vale a pena ser ouvido.
Bela postagem. Como disse o Adalberto Day, tudo já foi contado e recontado, mas sem esta suavidade. Parabéns.
Nasci,ao lado destas duas grandes empresas,que era nosso orgulho.
Comecei,a trabalhar na EIG em 1968,
como aprendiz de tecelao.E sai em 1996,da área administrativa.
Era muito bom,deixou saudade.
Eu, nasci ao lado destas duas grandes empresas,que era nosso orgulho.Comecei a trabalhar na EIG em
1968 de aprendiz de tecelao e sai em 1996 da area Admistrativa.era muito bom, deixou saudades.
Parabéns pela forma com que abordaste tudo isso! Tambem fui funcionário, não posso dizer que valorizei como deveria, mas foi uma grande oportunidade. Com certeza uma Empresa que jamais deveria ter tido o “final” que teve… uma grande Empresa, com grandes homens e valorosas mulheres a frente…
Parabéns pela forma como foi feita a abordagem…uma bela história.
Foi um prazer ler e voltar para aquela época, lembrando de um tempo maravilhoso de minha vida…trabalhei 10 anos nessa empresa (79 a 89) e fui muito feliz na Artex!!
Eu também tive a Honra de trabalhar nessa Empresa,na época o Diretor em Capinópolis era ARNO ZADROZNY Por sinal uma pessoa maravilhosa,lá trabalhou mais duas das minhas irmãs .Sinto muitas sds.
Meu pai trabalhou 25 anos na Artes , filial aqui em São Jose dos Pinhais. (não mencionada na reportagem0. Faz parte da minha infância a Artex. Aqui fez nascer um bairro enorme em torno da fábrica(quase uma cidade) e com certeza entrou para o roll das grandes fábricas da cidade. Muita saudade, e muitas lembranças. Muitas historias para contar.
Que fique o registro
Trabalhei lá de 1960 a 1965. Sai quando casei. Na época não havia ônibus e íamos e voltávamos de carona com a família Zadrozni ou o Sr.Wunsch. foi um período excelente e traz muita lembrança e saudade!!!
A Artex faz parte da minha história e de minha família. Meu pai ajudou na construção do primeiro prédio da empresa. Muito importante relato. Parabéns!
Parabéns! Trabalhos como esse imortalizam pessoas que fizeram história sob a égide da ética e do empreendedorismo.
Saudosas lembranças . Trabalhei de 1969 a 1987.
Com certeza fortes marcas ficaram…. Desde pequena convivi, ainda que indiretamente, dessa história. Começando por meu pai (Erwin Bachmann) que trabalhava na Empresa Industrial Garcia exercendo a função de Guarda na garagem de bicicletas…. passando por minhas irmãs Iolanda e Silvia que trabalharam na Costura e Fiação respectivamente… além também da passagem de meu irmão (Walfrido) pelo setor então chamado de oficina.
Claro… eu não ficaria de fora. Aos quinze anos, já com idade de iniciar minha vida profissional vislumbrava trabalhar na Artex. Era uma questão de honra…… Sim… bem isso. Em 14/09/1976 iniciei minhas atividades na Artex, no setor então denominado Tempos e Métodos. Ninguém podia imaginar o orgulho que senti.
Orgulho que me acompanhou por 36 anos (até 17/08/2012) . Sim… esse foi o tempo que trabalhei na empresa…. Tempo de desafios, de realizações e também de muita dedicação.
Bons tempos…. Muitos amigos…. Muitas saudades!
Trabalhei na EIG e artex de 1968 a 1986 bons tempos.
Fiz parte desta família no ano de 1980 até 1991 ótima empresa sinto saudades.