Antigamente: Corridas em Blumenau, do Centro ao Bom Retiro a 200 Km/h

Largada da "1 Hora de Blumenau", provavelmente em 1968. Tempos românticos do automobilismo que não voltam mais (Antigamente em Blumenau)
Largada da “1 Hora de Blumenau”, provavelmente em 1968. Tempos românticos do automobilismo que não voltam mais (Antigamente em Blumenau)

Você, amigo, parado no trânsito do centrão de Blumenau, mal pode imaginar que na reta quase sempre congestionada da Rua 7 de Setembro já rasgaram carros a mais de 200 Km/h em uma corrida. Não falo de racha, não falo de loucos desvairados, mas de azes do volante que buscavam a vitória em um legítimo Grand Prix nas ruas citadinas.

Era o fim da década de 60, quando o automóvel já era uma verdade ainda mais contundente nos centros urbanos do Brasil, que as corridas tomavam cada vez mais dimensão, seja nas pistas lendárias como Interlagos e Jacarepaguá, seja nos circuitos montados dentro das ruas das cidades, tornando ainda mais desafiadoras as corridas.

Os carros sobem em alta velocidade a Rua 7. Torcedores nas beiradas, separados por apenas uma corda, sem guard-rails...Outros tempos de juventude transviada, perigo e emoção nas ruas (Felipe Mertens Brancher / Adalberto Day)
Os carros sobem em alta velocidade a Rua 7. Torcedores nas beiradas, separados por apenas uma corda, sem guard-rails…Outros tempos de juventude transviada, perigo e emoção nas ruas (Felipe Mertens Brancher / Adalberto Day)

Na falta de um autódromo de verdade em solo catarinense, as ruas das cidades viravam pista, e por elas verdadeiros botas que dobravam a quase 80 por hora esquinas que normalmente se faziam a 20. Cidades como Joaçaba, Lages e Chapecó eram alguns palcos destes circos românticos do automobilismo nacional. E Blumenau, como não podia deixar, tinha circuito e até uma “lenda local” das ruas.

As provas citadinas não iam além de três horas de duração. Em Blumenau, esta prova não ia além da uma hora, dependendo do tamanho da pista. A primeira corrida foi em 1967, reunindo pessoas em todos os pontos do circuito montado.

Autódromo de BLumenau
Circuito de rua de Blumenau, usado para as provas entre 1967 e 1969 (perdão pelo erro no título da imagem, jovens!) Longo trecho de alta na Rua 7 era combinado com uma parte técnica, na Rua João Pessoa, e uma parte travada, Por dentro do Bom Retiro (André Bonomini)

A largada saía da Rua 7, próximo ao Hotel Rex, subindo a via no sentido contrário ao atual. Depois, uma tomada rápida para a entrada da Rua João Pessoa, onde as curvas em sequencia eram um desafio técnico ao piloto. Logo, uma freada forte de quase 90 graus para a subida da Rua Bruno Hering, o Morro da Companhia, talvez a parte mais travada e difícil do circuito. Por fim, o trecho de alta entre as Ruas Hermann Hering e Floriano Peixoto, para voltar ao ponto inicial.

Curva de subida na Rua Bruno Hering (Morro da Companhia). Talvez o ponto mais difícil do circuito (Wolfgang Dittrich / Antigamente em Blumenau)
Curva de subida na Rua Bruno Hering (Morro da Companhia). Talvez o ponto mais difícil do circuito (Wolfgang Dittrich / Antigamente em Blumenau)

Nas provas, a emoção imperava. Com equipamentos parecidos, os pilotos tinham que descontar diferença, brigar e manter o carro na pista no braço puro, tomando cada esquina com notável habilidade que mal podemos imaginar nos congestionados dias de hoje. Simca Chambord, Fusca, Renault/Willys Gordini e Interlagos, DKW-Vemag Belcar, um desfile de carros da moda que rasgavam em alta velocidade pelas ruas de Blumenau a um fio de cabelo distantes da multidão em polvorosa.

A "lenda" blumenauense. Carlos Federico Mertens, o "LigueLigue", a voz da torcida citadina nas pistas era para ele (Felipe Mertens Brancher / Adalberto Day)
A “lenda” blumenauense. O taxista Carlos Federico Mertens, o “LigueLigue”, a voz da torcida citadina nas pistas era para ele (Felipe Mertens Brancher / Adalberto Day)

Mas, na torcida blumenauense, o grito maior era para o taxista citadino Carlos Federico Mertens, o Ligueli ou LigueLigue para os fanáticos. Ele era o nome do Simca Chambord 92 da Escuderia Zangão, formada por um grupo de amigos – todos com carro e até o “carango” do pai – residentes nas imediações das Ruas São José, Amadeu da Luz e Getúlio Vargas. Era moda os grupos andarem juntos como uma equipe, tendo um distintivo que os diferenciava, no caso, o logo da escuderia desenhado pelo pioneiro na publicidade blumenauense, Zé Pfau.

Além do taxista, azes da terra como Fritz Reimer, Julio Reichow, Sergio Buerger, Armindo Klotz e outros blumenauenses enveredavam pelas esquinas atrás da glória. Nem sempre a coisa acabava bem, acidentes eram normalíssimos, mas nos três anos de prova na cidade, nenhuma morte, apenas escoriações e recordações doloridas.

Acidentes eram uma constante em tempos sem inventos tecnológicos, como o aerofólio. Foram os acidentes em outras provas citadinas que crucificaram esta prática no Brasil por um bom tempo (Felipe Mertens Brancher / Adalberto Day)
Acidentes e escapadas eram uma constante em tempos sem inventos tecnológicos, como o aerofólio. Foram os acidentes em outras provas citadinas que crucificaram esta prática no Brasil por um bom tempo (Felipe Mertens Brancher / Adalberto Day)

 

O próprio LigueLigue não escapou de algumas pancadas, mas gravou na história da velocidade blumenauense o nome como a primeira lenda do nosso automobilismo. O lendário taxista faleceu em 2004, deixando inúmeras histórias e recordações de um passado romântico.

Quanto as corridas citadinas, a era dourada destas provas no Brasil teve um fim cruel. Por conta das mortes e do perigo nas Três Horas de Petrópolis (RJ), em 1968, as provas urbanas foram acabando repentinamente, retomando no fim dos anos 80 em provas de monopostos, como Fórmula 2 (posteriormente, Fórmula 3) e Fórmula Ford. Em Santa Catarina, a morte de um piloto em Joinville, durante uma prova urbana, foi a gota d’água, restringindo o automobilismo catarinense ou as provas na terra ou ao kart, quando não no autódromo de rua de Florianópolis, por um período.

Abaixo, uma galeria recheada de recordações memoráveis das corridas em Blumenau:


Mas em Blumenau, uma semente de automobilismo foi plantada, dando origem a várias histórias de muito bem sucedidos pilotos nas pistas catarinenses e nacionais. Mas estes contos velozes ficam para uma outra vez…

14 comentários em “Antigamente: Corridas em Blumenau, do Centro ao Bom Retiro a 200 Km/h”

  1. Parabéns André por mais essa bela postagem.
    Assim fizemos um pacto de homenagear esses grandes corredores do nosso automobilismo de Blumenau. Em especial o Lige-Ligue.
    Muita gente sabe desse fato. Eu tive a oportunidade de ouvir pela rádio.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da História em Blumenau

  2. Simplesmente emociante a narrativa.
    Obrigado por trazer as memórias de meu avô, o Guili (como carinhosamente era chamado por seus netos)

    Em nome de toda minha familia eu agradeço por não deixar essa parte da história de meu avô e de blumenau morrer.

  3. Muito bom, voltei no tempo. Assisti essas corridas do alto do morro dos padres. Hoje shopping Neumark. Simplesmente fantástico. Lembro também do galo cego de Rio do Sul e de um gordini preparado pela Ufpr.

  4. Doente por corridas que sou, invejo quem teve a oportunidade de acompanhar e sobretudo participar dessas competições!!!!

    Que bom que houve quem registrasse isso na época e pena não existiram ainda mais fotos…

    Ótimo artigo, parabéns!!!

  5. Fantásticas imagens, quando as corridas aconteciam acompanhava a transmissão pela Rádio Clube, tinha 12 anos. Inspirado no Ligue-Ligue aos 48 anos adquiri uma Simca Chambord 1966.

  6. Meu saudoso pai – Liguili . Muito bom rever essas fotos . É muito bom saber que ele fez parte da nossa querida Blumenau .

  7. Tenho 57 anos, e lembro muito bem, meu pai me levou para ver uma destas corridas. Lembro-me que fiquei observando a corrida bem em frente a subida do morro da Cia Hering. Emocionante emocionante relembrar isso. Muito obrigado em ajudar a relembrar o passado.

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