Antigamente: Da Moellmann a Havan, o castelinho de Blumenau

Imponente, carismático, único, simpático. Há adjetivo que enquadre-se no bom e velho castelinho? Dos tempos da saudosa Moellmann a jovialidade com o dístico da Havan, muita história aqui se passou desde que a ideia de um empresário virou matéria, isto há quase 40 anos (Reprodução)
Imponente, carismático, único, simpático. Há adjetivo que enquadre-se no bom e velho castelinho? Dos tempos da saudosa Moellmann a jovialidade com o dístico da Havan, muita história aqui se passou desde que a ideia de um empresário virou matéria, isto há quase 40 anos (Reprodução)

No mundo da imprensa, a gente costuma descontrair-se com certas piadas internas para quebrar o gelo do dia. Uma delas faz-me ligar o lado moleque e deixar a querida estimada colega Elaine Malheiros, da New Age Comunicação, batendo o pé tinhosa com meus argumentos: Toda vez que tocamos no assunto castelinho sobra Havan de um lado, Moellmann de outro, e tome risadas.

Mas, quando recordamos sobre esta quadra tão marcante da Rua XV, logo percebe-se que, mesmo parecendo um tanto recente, o castelinho tem em si histórias que remetem ao passado comercial da cidade, a momentos presenciados por ele, passando pelo auge como sede da Moellmann Comercial S.A., o esquecimento, o período como sede da Secretaria de Turismo e a volta a glória pelas mãos da brusquense Havan. Detalhes que remetem outros monumentos, que assim como o castelinho, viveram para contar tudo o que viram diante das paredes.

A Moellmann: Das ferragens ao castelo

No lado esquerdo da imagem, o prédio branco de 1919 da Moellmann em Blumenau. Empresa de Florianópolis fundada ainda no século XIX começava a ser conhecida pelos blumenauenses, que a procuravam atras de ferragens e materiais de construção (Reprodução / Adalberto Day)
No lado esquerdo da imagem, o prédio branco de 1919 da Moellmann em Blumenau. Empresa de Florianópolis fundada ainda no século XIX começava a ser conhecida pelos blumenauenses, que a procuravam atras de ferragens e materiais de construção (Reprodução / Adalberto Day)

Apesar de, ser referencia histórica do comércio na cidade-jardim, a Moellmann Comercial S.A. tem origem manezinha. Foi fundada em 25 de outubro de 1869 por Carl Moellmann em Desterro (Florianópolis), onde chegara também a abrir uma filial. A loja era especializada em ferragens, tintas, ferramentas diversas e outros produtos de construção e manutenção. Era uma loja popular na capital e com boas perspectivas de
crescimento, estas responsáveis pela abertura da terceira loja, a segunda filial, em Blumenau, em 1919.

A loja foi edificada no mesmo lugar onde ela sempre estive, naquele tempo próxima ao Hotel São José (atual Tunga), na esquina com a Rua República Argentina, que na época desembocava na XV. Ao chegar, a Moellmann logo conquistara a confiança dos blumenauenses que ainda construíam a cidade lentamente desde os idos de 1850, sempre bem movimentada e falada na cidade.

Alguns anos mais a frente no tempo, por volta dos anos 40/50. Com o fechamento das lojas em Fpolis, Blumenau passa a sediar a matriz, que experimentaria um grande crescimento (Reprodução)
Alguns anos mais a frente no tempo, por volta dos anos 40/50. Com o fechamento das lojas em Fpolis, Blumenau passa a sediar a matriz, que experimentaria um grande crescimento (Reprodução)

No entanto, se os negócios iam bem em Blumenau, na capital do estado as coisas não eram lá tão positivas. Em 1921, a família Moellmann fecharia a matriz e a filial de Florianópolis e concentraria as atividades em Blumenau, que passava a ser a sede da empresa. Depois da turbulência dos primeiros anos, a loja edificou-se definitivamente como uma grande empresa no ramo da construção e utilidades, tornando-se referencia na cidade que lhe acolhera.

Consolidada como uma potência no segmento de materiais de construção e utilidades e tendo aberto uma filial voltada ao vestuário na hoje BR-101, em Balneário Camboriú (o prédio existe até hoje, abrigando um restaurante), a Moellmann chegava com vigor único ao fim dos anos 70. A ampliação dos negócios fazia-se pedir uma nova estrutura já que a antiga, por vezes remodelada, ainda tinha a estrutura de 1913, sem contar os outros espaços construídos pela loja ao longo da XV e outros, como galpões a beira do rio, perdidos por conta da construção da Avenida Beira-Rio, entre 1964 e 1973, com término em 1978.

A filial de Balneário Camboriu, voltada ao vestuário, nas margens da BR-101. Abaixo, a filial da Itoupava Central, seguindo os moldes da loja-matriz Reprodução)
A filial de Balneário Camboriú, voltada ao vestuário, nas margens da BR-101. Abaixo, a filial da Itoupava Central, seguindo os moldes da loja-matriz (Reprodução)

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Eis que chega 1977, e a ideia não era apenas de construir um mero prédio administrativo, mas sim de marcar de vez o nome na história e nas referencias da cidade. Na ideia do empresário Udo Schadrack a construção de um prédio de características germânicas sem perder a imponência. Esta visão de Schadrack foi compartilhada com o arquiteto Henrich Herwig, o mesmo que construíra em 1969 o belo Restaurante Frohsinn, no alto do Morro do Aipim.

Para quem nunca viu e sempre se perguntou sobre este prédio, eis ai a prefeitura de Michelstadt, na Alemanha. Edificação de 1484 que serviu de base para o projeto do castelinho da Moellmann Reprodução)
Para quem nunca viu e sempre se perguntou sobre este prédio, eis ai a prefeitura de Michelstadt, na Alemanha. Edificação de 1484 que serviu de base para o projeto do castelinho da Moellmann Reprodução)

Parecia uma ideia de loucos sonhadores, mas ela se venderia por si só nos anos seguintes. Construir um castelo no meio da Rua XV soava visionário mas nada espantoso para aqueles tempos imaginativos. A referencia de Herwig era a prefeitura de Michelstadt, cidadezinha ao sul da Alemanha e cuja prefeitura era sediada em um pequeno castelo datado de 1484. Na construção blumenauense, o estilo falso enxaimel deu a graça final, embora aproveitando os benefícios da lei que concedia descontos nos impostos – IPTU e tarifas comerciais – para construções que apostassem neste estilo nas fachadas.

Controvérsias a parte, nascia em 1978 um dos símbolos mais icônicos de Blumenau e, mais tarde, o que seria um dos cartões postais mais fotografados do país. Por trás dele, a fachada de uma loja que sobrevivia aos revezes de tempos difíceis, como os das enchentes de 1983 e 1984, que por sorte não causaram danos maiores, por estar localizada numa das regiões mais altas da XV.

Apenas a título de nota, outra filial foi aberta nos anos 80, na Itoupava Central. Siga, abaixo, mais alguns recortes do nascimento do castelinho:


Tempos difíceis e a volta a glória passada

21 anos se passaram, e apesar da vitalidade do castelinho a loja não seguia o mesmo ritmo. Os tempos haviam mudado no centro da cidade e a economia, naquele fim dos anos 90, estava ainda em processo de reconstrução depois da criação do Real e dos baques das crises em países vizinhos. A Moellmann sofre os impactos e as dificuldades, tendo que irremediavelmente encerrar as atividades da loja tão tradicional em 1999.

Em tempos complicados: Depois do fechamento da Moellmann, em 1999, vários donos e habitantes estiveram no castelinho. Já fora da Malwee, sediou atividades de natal e dos 150 anos e abrigou, de 2002 a 2008, a Secretaria de Turismo Reprodução)
Em tempos complicados: Depois do fechamento da Moellmann, em 1999, vários donos e habitantes estiveram no castelinho. Já fora da Malwee, sediou atividades de natal e dos 150 anos e abrigou, de 2002 a 2008, a Secretaria de Turismo (Reprodução)

Um momento trágico, afinal, era o preludio de que algo não estava bem no comércio blumenauense. A Moellmann fechou em um momento crítico do segmento da cidade, onde muitas lojas tradicionais e demais estabelecimentos encerravam as atividades e fazendo correr na boca popular o infame apelido de latinha. O castelinho ficou um grande período sem uso até ser destinado para duas ações: A residencia do Papai Noel no evento Natal em Blumenau, quando o prédio era de propriedade da Malwee, e as atividades dos 150 anos da cidade, onde teria no prédio o QG oficial, em 2000.

Em 2002, novos hóspedes. Desta vez, era a Secretaria de Turismo que passava a ocupar a estrutura. Era também na mesma época que a Fundação Catarinense de Cultura (FCC) tombaria o prédio como patrimônio histórico, mesmo que as condições da construção já não fossem as melhores. Isto que apenas o castelinho era ocupado, permanecendo abandonadas as demais instalações da loja, sem um destino definido.

Eis que, após anos de indecisões sobre um destino digno ao prédio, uma luz surge e traz o castelinho de volta a vocação comercial. Em 2005, a Havan havia finalmente chegado em Blumenau abrindo a primeira filial no Shopping Neumarkt. Visionário como sempre, Luciano Hang foi além e apenas três anos depois da primeira loja blumenauense, em 2008, ocupou o castelinho, que havia passado também por uma merecia reforma e melhoria do espaço, trazendo a velha estrutura de volta ao século XXI. Apesar das catástrofes de novembro daquele ano, no fim daquele ano a cidade vivia o primeiro Natal Luz Havan. Uma grande festa ainda em maio marcara a volta triunfal do castelinho, agora conhecido pelo pomposo nome de Castelo Havan.

Renascimento: Depois de tantas incertezas, Luciano Hang olha com a visão de sempre e faz do velho castelinho uma das mais simpáticas filiais da Havan, em 2008 Reprodução)
Renascimento: Depois de tantas incertezas, Luciano Hang olha com a visão de sempre e faz do velho castelinho uma das mais simpáticas filiais da Havan, em 2008 (Reprodução)

Hang pode até não ter sentido com a mesma magnitude do que tantos blumenauenses batalhadores da preservação da história sentiram, mas a volta do castelinho a vocação inicial foi um feito de justiça sem tamanho. Depois de anos de incertezas e uma presença preocupante, o castelinho simpático da Rua XV era, novamente, o bom e velho cartão postal que encanta turistas e não deixa nenhum blumenauense inerente a sua presença que já começa a beirar os 40 anos de histórias e recordações iconográficas em postais e nas retinas de quem por aqui passou.

Atualmente, com toda a estrutura antiga da Moellmann ocupada pela Havan, o castelinho segue deslumbrando quem visita a cidade ou ao blumenauense que corta o Centro em passo apressado, mas não menos atento a construção que margeia a XV e a Beira-Rio. O castelo de linhas imponentes e simpáticas, mesmo em falso enxaimel, é a marca de uma cidade que, mesmo moderna, não deixa de olhar para trás nas origens que a construíram. Da visão sonhadora de Schadrack e Herwig para uma obra que arranca suspiros até dos incautos e enche de orgulho uma cidade que tem no coração do agitado centro um recorte de germanidade impresso em tijolos, aço e tinta.

Este é o castelinho, seja ele da Moellmann ou da Havan, é o castelinho de Blumenau.

4 comentários em “Antigamente: Da Moellmann a Havan, o castelinho de Blumenau”

  1. André, fantástica esta postagem sobre o nosso eterno Castelinho da Moellmann – atual Havan, mas sempre Castelinho de Blumenau.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da História em Blumenau.

  2. Boa tarde, Adalberto.
    Gostaria de saber se o Sr. não dispõe das dimensões do Castelinho?
    Sou estudante do Curso Arquitetura e Urbanismo, UniRitter.

    Desde já, agradeço!
    Esta foi uma ótima reportagem.
    Laís

  3. Infelizmente, hoje o tradicional chafariz que fica bem em frente ao Castelinho está desativado, e parece mesmo abandonado, já que essa situação se arrasta há mais de um ano. No seu lugar ficou apenas um feio buraco no solo. Alguém tem alguma notícia sobre a razão de tamanho descaso, numa cidade tão bela quanto Blumenau?

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