Antigamente: “Duas Estranhas Mulheres”, a Boca do Lixo em Blumenau

Em tempos de verão, dormir sem um ar fresco é um tremendo transtorno nas noites quentes, ainda mais depois de uma queda de energia elétrica em casa. Era madrugada destas quando, na tentativa de pegar no tranco com o sono, resolvi ligar o condicionador de ar por algum momento. Não sou do tipo de liga o aparelho a noite inteira, já que pagar a força anda cada vez mais caro. Economizar é preciso.

Neste meio-tempo, costumo ligar a televisão para não adormecer com o ar-condicionado ligado. De madrugada, a TV é uma espécie de terra sem lei, alternando entre documentários, notícias, entrevistas inteligentes (como as reprises do Vox Populi, na TV Cultura) e os filmes eróticos, sobretudo nos tempos dos filmes picantes da Penthouse no MaxPrime e das produções da Pornochanchada vindas da Boca do Lixo no Canal Brasil.

E, para meu próprio espanto, foi justamente numa produção erótica brasileira que pulei da cama espantado. Não é o que o amigo ou amiga está pensando, é uma descoberta que tem lá seu fundo de história, daquelas que nem meia Blumenau sabe: Um filme pornô com cenas externas rodadas…em Blumenau!

Silvio Santos e as Silvetes. Atrizes da Boca do Lixo como Zélia Diniz (que participa do filme), Matilde Mastrangi e Zilda Mayo começaram a carreira neste grupo seleto (Reprodução / Pagina do Silvio Santos)

A película em questão trata-se de Duas Estranhas Mulheres, produção erótica de 1981 do diretor Jair Correia, com um cast de atores nada conhecido do grande público, exceto talvez por Helio Porto e a figura carimbada em filmes deste gênero, Zélia Diniz, atriz de longo currículo e ex-Silvete (assistente de palco de Silvio Santos nos anos 70), como Zilda Mayo e Matilde Mastrangi, outras figurinhas do gênero. O filme, segundo a sinopse, é uma história repleta de suspense e toques de erotismo, marcada pela referência a duas fortes figuras femininas: Eva, a primeira de todas as mulheres; e Diana, deusa romana da caça.

Não quero me ater ao fato de que o filme, além de uma produção meio pobre de recursos, como quase todo o filme da Boca do Lixo, é carregado de cenas de sexo, como todo o filme que vinha do mesmo lugar. O mais espantoso foi no segundo seguimento do filme – Eva – onde o inocente oriental de nome China (John Doo), em um sonho maluco, encontra pela estrada a perdida Eva (Fátima Celebrini), que pede carona na beira de estrada depois que o motor do carro que dirigia fundiu. É ai que Blumenau e a recatada Pomerode (quem diria!) entram na história.

Os detalhes sobre a produção ainda são poucos, o que de mais gritante deu de notar, depois de prestar alguma atenção no filme em meio ao sono, é a passagem de Eva e China pelo Vale. A viagem de China começa logo por Curitiba, em trechos que vão desde a BR-116 e em partes que lembram muito a BR-470, no trecho pouco depois do trevo de junção com a BR-101, sentido Blumenau. O relutante chinês dá aquela pestanejada quase mandrake, mas aceita dar carona a Eva, e os dois seguem viagem. O destino dos dois, na verdade, é Porto Alegre, ela para reconhecer o corpo carbonizado do marido no IML local e ele para vender traquitanas quaisquer, mas a inevitável passagem pelo Vale é quase impossível.

O Dart vermelho da dupla diante da Haco Etiquetas em um trecho do filme. Abaixo, o mesmo trecho atualmente (Google Earth / Reprodução / Canal Brasil)

 

Depois de alguma conversa, o casal do segmento começa a passar com o Dodge Dart vermelho por um trecho da Rua Henrique Conrad, na Vila Itoupava (logo aonde!). Logo uma das cenas picantes do trecho, os devaneios de China, aparenta ser no trajeto sinuoso da Rodovia Guilherme Jensen (SC-474), no trecho da chamada serrinha. Há outros trechos da película que se passam no caminho da Henrique Konrad, sendo uma das tomadas bem diante da Haco Etiquetas, um dos pontos mais conhecidos da localidade. Outra sequencia dá a impressão de se passar em Pomerode, mas falta identificação.

Outro momento marcante é na parada que a dupla faz num restaurante, provavelmente dentro de Pomerode. Durante o almoço eis que o espectador é surpreendido por uma apresentação da Bandinha Verde Vale, de Pomerode, executando a imortal Alte Kameraden (Velhos Camaradas) em playback. O curioso é que o segmento, em grande parte, tem uma música dramática de fundo demonstrando os devaneios e a loucura que, aos poucos, tomava conta de China. Na cena do restaurante, é a própria Alte Kameraden que faz background pro momento romântico-suspense da fita.

Bandinha Verde Vale, de Pomerode, detalhes da apresentação em um tranquilo restaurante na cidade natal no trecho final do seguimento. Alte Kameraden virou tema de suspense (Reprodução / Canal Brasil)

 

Como disse, é pouco que se sabe sobre, e procurar saber mais pode ser sinal de inconveniência em assuntos que envergonhem os participantes. John Doo, o ator sino-brasileiro que interpretou China, já é falecido desde 2012. As atrizes Fátima Celebrini e Misaki Tanaka (Mii Saki), esta última a esposa de China no seguimento, estão afastadas da mídia ou seguem trabalhando em produções independentes ou em outras áreas.

Falar da pornochanchada e da Boca do Lixo pode ser um assunto indigesto para qualquer um dos responsáveis, mesmo que o estilo hoje seja tratado com um pouco mais de respeito do que já fora tratado. Há ainda um elo possível para mais perguntas, o ator e diretor Waldir Siebert, então produtor de arte e efeitos especiais do filme. Siebert nasceu em Blumenau e atualmente, segundo fontes preliminares, vive em Atibaia (SP). No entanto, resolvi por hora apenas apresentar o filme aos amigos curiosos. Se mais a frente o assunto voltar e conseguirmos encontra-lo, talvez um bom papo possa nos responder mais.

Um dos cartazes de divulgação Duas Estranhas Mulheres. Apesar de um certo respeito despertado nos últimos anos, o gênero Pornochanchada ainda é visto com olhos desconfiados. Comparada com Férias no Sul (1966), produção de Reynaldo Paes de Barros em matéria de imoralidade, assim rotulada nos anos 60 (Reprodução)

Fora isto, um achado como este pode ser dito como uma curiosa descoberta histórica. Comparar a produção de Duas Estranhas Mulheres como Férias no Sul (1966), outra película rodada em Blumenau, chega a ser covardia. Acusava-se o primeiro de ser um filme “devasso” e contra a moral, mas perto da película de 1981, a obra de Reynaldo Paes de Barros fica no chinelo. Até porque há uma grande diferença, não só de produção e enredo, mas de locação. Ferias no Sul foi filmado em grande parte em Blumenau, enquanto Duas Estranhas Mulheres teve apenas alguns trechos gravados.

Para quem quiser confirmar a matéria, o filme está disponível completo no YouTube. Vou apenas disponibilizar o link, não o vídeo. Como trata-se de uma película para maiores de 18 anos, recomenda-se descrição antes de assisti-la.

E uma anotação mental: As vezes, a história está nas coisas mais inesperadas. Basta ficar atento.

2 comentários em “Antigamente: “Duas Estranhas Mulheres”, a Boca do Lixo em Blumenau”

  1. Parabéns André!
    Belo trabalho e que no próximo ano, você possa continuar a nos mostrar essa qualidade garciense para toda nossa Blumenau e região.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau

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