Antigamente: Um casal, suas camisas e a apaixonante saga da Dudalina

Hoje, A BOINA vai contar uma verdadeira história, daquelas que nenhum escritor ou novelista repete igual. Um casal apaixonado, cujo companheirismo e tino para os negócios construiu uma das marcas mais valiosas e importantes do mundo da moda brasileira e mundial. Com os amigos e amigas leitores, a saga de Adelina e Rodolfo, o Duda, e a história de seis décadas da Dudalina (Montagem Especial)

Empreendedor. Palavra que vem do francês entrepreneur. Designa aquelas pessoas que assumem riscos em nome de algo novo, de uma nova iniciativa comercial ou industrial. O que não falta no Brasil e no mundo são histórias fantásticas de pessoas que, simplesmente do nada, surgiram com pequenas lojinhas, fabriquetas de fundo de quintal que já foram ou atualmente são verdadeiras potências no universo dos negócios e das marcas.

Só aqui no nosso cercado do Vale do Itajaí residem várias destas histórias de empreendedores valentes, de famílias, imigrantes e muita gente humilde que começou de baixo, bem de baixo, montando muitas vezes pequenas linhas de montagem e costuras na sala de casa com muito suor, graxa, linha e persistência. Algumas pereceram e viraram história, outras prosperam até hoje e continuam escrevendo, como não podia deixar de ser, história. E que história.

Uma delas, cujo neste mês completa seis décadas, é tão apaixonante quanto inspiradora. Ela teve lugar num quadrado de terra da simpática Luiz Alves, cidade próxima ao litoral do Vale, mas teve um dedo grande de Blumenau na trama. Quem podia dizer que no município famoso pela cachaça artesanal seria palco para uma das mais fantásticas histórias de empreendedorismo, família e amor já registradas nos anais da indústria brasileira (e talvez mundial)?

Aos que usam ou, ao menos, conhecem a famosa marca da Dudalina no mundo das camisas tem quase o dever de conhecer a sua história. Uma saga que mistura amor e negócios da forma que nem mesmo o melhor novelista poderia escrever.

Os primórdios: A jovem Adelina e o sucesso do pequeno armazém 

Era 1945, o fim da Segunda Guerra Mundial, celebrado no mundo inteiro e recebido com alívio entre muitos moradores descendentes de alemães no Vale do Itajaí. No mesmo ano, Adelina e Rodolfo – o Duda – se conheciam. O início de uma grande e linda história de amor e negócios (Reprodução)

Era 1945, um ano conturbado no Brasil e no mundo, mas também permeado por uma grande esperança depois do dia 9 de maio. O mundo celebrava o fim da Segunda Guerra, pessoas se abraçavam nas ruas, beijavam-se, gritavam alto e se metiam em bebedeiras para festejar a vitória dos aliados sobre as forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), na Europa e no Pacífico.

Ao mesmo tempo, os brasileiros se questionavam internamente: como podemos estar celebrando a vitória sobre ditaduras se estamos sendo governados por um ditador? Logo, Getúlio Vargas arrumaria as malas rumo a São Borja, no Rio Grande do Sul, depois de ser deposto pelos mesmos militares que o colocaram no poder em 1930. E era assim que o Brasil vivia, nas suas contradições e problemas, mas também na sua música, festa, cultura rica que ganhava os Estados Unidos e o mundo no rebolado de Carmen Miranda.

No entanto, nem tudo era festa no gigante sul-americano. No sul, um distrito de Itajaí ainda sofria com a falta de energia elétrica, mas nada que impedisse o cotidiano de quem lá vivesse. Estamos na pequena comunidade de Luiz Alves, onde entre tantas famílias trabalhadoras nascia um casal justo naquele ano: eram os jovens Rodolfo Francisco de Souza e Adelina Clara Hess, que iniciavam em meio aquele cenário de esperanças e incertezas uma bela história de amor.

A casa/armazém da família Hess, no então distrito itajaiense de Luiz Alves. Foi aqui que Adelina começou a mostrar seu prodígio para vendas, para encanto dos pais, empregados e clientes (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Adelina, moça de família, aplicada nos estudos e tendo a motivação para os negócios dentro da própria casa, tinha recém-terminado os estudos no ginásio quando voltou do internato onde estudava, em Blumenau, para ajudar os pais no simpático armazém de secos-e-molhados em Luiz Alves. Ela tinha apenas 14 anos, mas sabia exatamente o que era preciso para incrementar as vendas na pequena vendinha.

Com uma jovem visão, ela implantou uma mudança de filosofia no trabalho junto dos pais, organizando melhor a loja e motivando os empregados do armazém, muito acomodados com a rotina pacata da loja. Seus pais lhe ofereceram 1% de comissão por cada venda que fizesse, o que foi um motivador para continuar o bom trabalho.

Em um curto período, o que era um pacato estabelecimento tornou-se um movimentado armazém, com o expediente iniciando as 5h com um ritual frenético: os carroceiros aprumando os animais para a busca de produtos agrícolas, demais operários secando açúcar e os balconistas iniciando os trabalhos na vendinha, prontos para atender ávidos moradores das redondezas, que já estavam na porta aguardando ansiosamente. Tudo só terminava quando, depois do expediente, a loja estivesse arrumada e impecável para o dia seguinte, seguindo as orientações da jovem Adelina a risca.

Estas coisas se passavam, ainda, no período da guerra, onde em meio as incertezas e perseguições aos descentes alemães tentava-se viver com um pouco de alegria. Haviam passatempos naquele distrito de Itajaí, como o vôlei e outros jogos. A juventude passava os domingos passeando de bicicleta, namoricando, fazendo piqueniques, algo um tanto idílico naqueles dias tão tensos.

Além da empresária insipiente, Adelina era uma jovem que também se divertia, mas não esquecia suas obrigações e desejos. Tentou integrar o corpo expedicionário da Cruz Vermelha na Segunda Guerra, mas foi impedida pelos seus pais. Estava com 18 anos e, ao mesmo tempo, estava de passagem por Blumenau aprendendo corte e costura, bordado à maquina e economia doméstica. Destes três conhecimentos, dois deles mudariam sua vida para sempre em um curto período de tempo.

Um feliz casal em uma pedra, tal como uma poesia. Eram os jovens Adelina e Duda, que trocavam carinhos entre as rotinas corridas (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Ao chegar 1945, Adelina enfim encontrou o amor na vida, um jovem de bigode e com o mesmo tino de trabalhador. Rodolfo Francisco de Souza, o Duda, um jovem igualmente trabalhador, dedicado e um romântico incorrigível. Nascido na localidade de Escalvadinho, também em Itajaí, Duda era o caçula de uma família de 13 irmãos, cercado pela maioria feminina em casa. Um filho aplicado aos estudos e trabalho junto da família que também era um pão para as mocinhas da redondeza.

Apaixonado por cavalos, já galopava em carreiras com os melhores alazões da redondeza. Foi militar no destacamento de Itajaí e, com o tempo, alcançou a patente de terceiro sargento em Curitiba. Voltou do serviço no exercito e, depois da negativa da mãe para trabalhar numa serraria em Massaranduba, abriu junto do irmão, Olíndio, uma ferraria na comunidade natal.

Homem generoso e que gostava de ajudar a quem lhe procurasse, Duda conheceu Adelina num comício do Partido Social Democrático (PSD) em Escavaldinho, num interessante jogo de olhares. A química foi quase instantânea entre os dois jovens e, de um lindo namoro, veio rapidamente o casamento, em 1947, dando o pontapé primeiro a uma das histórias mais belas do empreendedorismo do Vale e do Brasil (do mundo também, por que não?)

Negócios, filhos e filhos, e um lote de tecidos encalhado

O casamento, em maio de 1947. Um dos presentes para o casal foi o controle do armazém da família Hess, que seria administrado exemplarmente pela jovem família numa rotina extensa no dia a dia  (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Logo após o casamento, foi oferecido pelos pais de Adelina o controle do armazém ao jovem casal, o que foi aceito de pronto. A filosofia de trabalho constante não atrapalhava o amor e o crescimento da família, que era feito quase em escala industrial para ambos. Uma rotina puxada que não tirasse o espírito de união de Adelina e Duda, enfrentado toda e qualquer dificuldade pela frente.

Não é surpresa para ninguém que, naqueles tempos, as famílias costumavam ser numerosas, recheadas de irmãos sob um mesmo teto. Para o casal não era apenas questão de esquentar a casa com calor humano, era o misto de amor e trabalho junto a família que motivou Adelina a planejar ter 20 filhos. Mesmo constantemente grávida, ela e Duda não paravam a rotina do trabalho, que tinha 18 horas de expediente diário, de segunda a sábado e, em vezes, até o domingo. No total, dos 20 planejados, 16 filhos nasceram. Um aproveitamento, em números industriais, de 80% das tentativas.

Em 1955, os negócios não poderiam estar mais prósperos para aquela grande família de Luiz Alves. O açougue que mantinha foi fechado e a casa de comércio foi mantida. Duda abriu uma serraria e comprou um caminhão. Aquela altura, a família tinha seis filhos e seguia aumentando, mas as contas da casa eram bem pagas com os negócios em que empreendiam. A sinergia do casal também ajudava, por enquanto Adelina pensava em aumentar os negócios, Duda era o canal de contato entre produtores agrícolas, clientes e o empreendimento, além de manter o armazém bem abastecido.

Os 16 filhos do casal. Eram para ser 20, segundo os planos de Adelina e Duda. Cada um deles com uma passagem importante para os negócios da família. Atendiam, ajudavam a organizar a venda e, por vezes, um ou outro acompanhava a mãe nas viagens para busca de novos produtos (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Adelina também costumava viajar muito aos grandes centros comerciais, como São Paulo, atrás de artigos de moda, perfumaria e armarinhos, para diversificar o sortimento. No entanto, uma das viagens teve de ser cancelada por força de uma gravidez adiantada. Duda foi sozinho a capital paulista e foi nesta viagem, perambulando atrás de novidades pela tradicional Rua 25 de Março, que um turco ofereceu a ele uma espécie de negócio da China: um grande saldo de tecidos de vários tipos e estampas.

Foi um choque para Adelina quando se deparou com aquela pilha de rolos de tecido trazida por Duda para vender no armazém. Não tinha cliente para aquilo tudo e, com certeza, todo aquele volume seria um verdadeiro encalhe na loja. Tentou-se fazer uma venda do produto a preços baixos, mas não surtiu o resultado esperado. No entanto, o que podia ser uma discussão de casal/empresários acabou fazendo florescer uma ideia na mente da jovem empreendedora: transformar todo o tecido em camisas.

Com uma pilha de tecidos em casa encalhados, a saída foi fazer camisa deles. Tudo isto em tempos que costurar eram em máquinas parecidas com esta, já que Luiz Alves não tinha eletricidade. Foi deste jeito artesanal que Adelina fez nascer as afamadas camisas que hoje conquistam o mundo (Reprodução)

Batata! Não podia ter saído da mente de Adelina ideia melhor. Aproveitando os conhecimentos de corte e costura que tinha, ela e mais duas amigas – Lídia e Gertrudes, também costureiras – começaram a debulhar todos aqueles rolos de tecido, fazendo nascer deles belas e bem feitas camisas. O trabalho demandou espaço, as maquinas foram instaladas num dos quartos da casa do casal e a produção em massa teve início. Era maio de 1957, e ali naquele quartinho Adelina mal podia imaginar que estava criando uma das mais afamadas camisarias do mundo.

O trabalho era constante, dia e noite queimando linha, afiando tesouras e cortando tecidos manualmente para a costura precisa nas máquinas. Adelina não deixava passar nada, revisava peça por peça atrás de algum defeito, e daquela montoeira de tecido as camisas pipocavam. E neste ritmo todo ela ainda contou com a providencial e inusitada vinda de clientes para suas camisas. Eram trabalhadores da Celesc que estavam em Luiz Alves para a ampliação da linha de energia da Usina Termoelétrica Jorge Lacerda, rumo a Joinville, passando pelo então distrito itajaiense.

O casal ao lado do novo caminhão adquirido para os negócios. Muitas vezes, era Adelina mesmo que o dirigia pelo estado, vendendo suas camisas (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Foi o que precisava para estimular ainda mais a produção constante de camisas. Adelina bateu o pé e embrenhou-se em outra inciativa empreendedora. Ela alugou uma casa em frente a loja, comprou mais tecidos e, ali naquela casa defronte ao armazém, começou a pequena indústria. Detalhe: mesmo com uma linha de eletricidade passando perto de casa, Luiz Alves ainda não tinha energia elétrica, o casal não tinha capital nem incentivos governamentais. As dificuldades teriam de ser enfrentadas no peito e na raça para o novo negócio dar certo.

Mas nada que os impediu no novo empreendimento. Mais costureiras foram contratadas, sendo pago aluguel a elas pelo uso das máquinas de costura que traziam. Dois anos depois, quando Luiz Alves já era município independente de Itajaí (emancipado em 1958), o casal adquiriu um gerador elétrico, o que permitiu que mais máquinas fossem compradas. Era a filosofia de Adelina que não falhava e não falha até hoje: para crescer é preciso investir, dizia.

A primeira logomarca, a junção do nome do casal e uma âncora, para marcar a solidez do empreendimento (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Ela mesma não se vexava a bater cartão e fazer o possível para ver a empresa crescer. Se concentrava nas vendas – que ela mesma fazia, muitas vezes, dirigindo pelo estado no caminhão que tinham e levando camisas a vários cantos – e na contratação de representantes comerciais, mas não deixava passar batido o mínimo detalhe na produção das peças, revisando junto dos filhos cada uma das camisas produzidas.

Foi também por esta época que a empresa ganhou, por sugestão do sobrinho que trabalha na empresa, a primeira logomarca e seu nome que será motivo de fama no mundo inteiro com o passar dos anos: Dudalina, acróstico entre o simpático apelido de Rodolfo (Duda) e a parte final do nome de Adelina (Lina). A marca foi adicionada uma âncora, simbolo da solidez e segurança do novo negócio, que esbanjava saúde e prosperidade naquele cantinho da pequena Luiz Alves.

Blumenau: Uma mudança necessária

O recado as margens da BR: Tem loja da Dudalina em Camboriú. O casal abrira duas filiais no recém-criado Balneário, tendo os filhos participação na administração dos estabelecimentos (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Na metade de década de 60, mais precisamente em 1965, os negócios dos Hess de Souza chegaram a já movimentada Balneário Camboriú. O município litorâneo mal havia sido desmembrado de Itajaí (1964) e o turismo começava a bater ponto mais frequentemente por la. Eram duas lojas, uma mantida por Duda e outra por Adelina, tendo cada uma quatro filhos do casal ajudando. Mais do que um negócio próspero no litoral, o atendimento familiar era quase um espetáculo para turistas, que faziam questão de visitar a família na temporada seguinte.

No entanto, os negócios cresciam assustadoramente, forçando, como é natural, mais investimentos em estrutura e administração. Adelina se dividia entre BC e o trabalho na camisaria, contando com a ajuda dos filhos no armazém. Mas nem tudo era tão fácil quanto antes. Os filhos precisavam estudar e aperfeiçoar os conhecimentos, Luiz Alves ficou pequena para os Hess de Souza e não tinha-se outro caminho senão mudar-se de mala e cuia para uma cidade maior. No radar, estava Blumenau, e outra grande história começa.

Com todas as economias poupadas por algum tempo, a família conseguiu enfim se mudar para Blumenau, em 1968. Naqueles idos, a cidade-jardim vivia anos de surpreendente crescimento industrial e da descoberta de atrações e história que encantavam turistas e jornalistas de outros cantos brasileiros, além do charme europeu que havia em cada esquina da metrópole do Vale.

A loja do casal na cidade e a fábrica ficavam no mesmo endereço, num prédio modesto de dois pavimentos no lote 83 da Rua Padre Jacobs, próximo a esquina com a Rua Curt Hering, no Centro. Ao mesmo passo que a marca se consolida no mercado da moda, os filhos mais velhos de Adelina e Duda vão assumindo cada vez mais papeis importantes na administração das empresas. Os mais novos eram responsáveis pela loja blumenauense, além de desempenharem atividades nas demais lojas e na fábrica central. Outro ponto era na Rua XV, no Edifício Schadrack.

A primeira sede da fábrica e loja da Dudalina em Blumenau, na Rua Padre Jacobs. Eram quatro pontos, sendo um deles ali perto, na Rua XV, no Edifício Schadrack, abaixo (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

A residencia dos Hess de Souza, no Bom Retiro, adquirida em 1969 e por muito tempo uma das referencias da família na cidade. Hoje, a construção abriga o CAPS, órgão da Secretaria de Saúde (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

No ano seguinte a abertura da loja, Adelina e Duda compraram uma residência e, juntas, família e fábrica se mudaram para Blumenau. A nova casa da família era no bairro Bom Retiro, uma belíssima construção que ainda hoje marca presença por entre as curvas da Rua Hermann Hering, sendo sempre referida como a antiga casa da Dudalina, hoje ocupada pela sede administrativa do Centro de Atenção Psicosocial (CAPS), órgão da Secretaria de Saúde do município.

Era um de crescimento irresistível. Em Blumenau, a Dudalina ganha sua maior vitrine, sendo adotada como uma entre tantas populares indústrias do setor têxtil. Logo, a empresa saiu do ramo de gêneros e virou uma especialista exímia em moda, cujas camisas já constavam fama nacional pela qualidade e pela beleza em várias estampas e cores. Os tempos mudavam, e a direção da empresa também. Era hora de um dos filhos assumir o comando da empresa. Foi assim que aconteceu com Anselmo José, o mais velho do casal, que assumiu a presidência em 1974.

Ele era o primeiro dos herdeiros que tornava-se presidente da empresa, prosseguindo com as obras dos pais, que permaneciam gerindo e tocando em frente a iniciativa. Três anos depois de Anselmo assumir a presidência, os Hess de Souza voltavam a ter parte na terra-berço ao inaugurar em 1975 uma unidade fabril em Luiz Alves, bem em frente a primeira casa/fabriqueta de outros tempos. Era a primeira unidade fabril de outras três (Presidente Getúlio, em 1986; Terra Boa, no Paraná, em 1992 e outra unidade em Blumenau, em 2011) que continuariam e complementariam a empresa.

Os filhos comandam, e o casal não para

O casal não parava e os negócios iam de vento em popa. Dificuldades vieram nos anos 80, mas superadas com muito tino. Foi na mesma década que o casal passou a administração da empresa definitivamente para os filhos, mas nada que significasse que Duda e Adelina estavam em ritmo de aposentadoria. Muita coisa estava por vir (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

No entanto, dificuldades vieram: o mercado difícil, os problemas econômicos brasileiros e, pior, as enchentes. Depois da cheia de 1984 e de muito esforço para se reerguer e reconquistar a confiança dos clientes no pós-cheia, a sede administrativa e fabril da Dudalina muda-se de endereço em Blumenau, passando do modesto prédio na Rua Padre Jacobs para uma moderna e grande sede, as margens da BR-470, no bairro Fortaleza, onde está até hoje.

O tradicional e elegante Himmelblau Palace Hotel, um dos mais importantes da cidade, administrado por Adelina entre 1983 e 1991 (Reprodução)

Um ano antes, Adelina já sentia que não dava mais para acompanhar o ritimo frenético de crescimento da empresa e o mercado em ebulição. Deixou o comando dos negócios definitivamente aos filhos e assumiu a administração do Himmelblau Palace Hotel, na Rua 7 de Setembro. Construído pelos empresários George Buatim e Rudi Affonso Bauer , o hotel tinha menos de oito anos de idade (foi inaugurado em maio de 1975) quando a família o adquiriu. Adelina ficou a frente do Himmelblau até 1991, quando transferiu a administração para outro dos filhos, Rodolfo Neto.

A matriarca não queria nem saber da palavra aposentadoria. Mesmo fora dos negócios da camisaria, ela continuava aprontando as suas para manter-se ocupada e trabalhando. De uma fazenda da família, em Massaranduba, nascia o Hotel Fazenda Santo Antônio (hoje, Hotel Fazenda Massaranduba), que seria também passado aos filhos após sua construção, em 1994.

E pensa que ela ia sossegar? Não mesmo! Desde o começo da fábrica, Adelina comercializava o retalho que sobrava das camisas até que, numa viagem a Nova York, a sra. Hess de Souza comprou um blazer confeccionado na técnica de patchwork, a famosa junção de retalhos de malhas que constituía em belos trabalhos, como colchas, cobertores e outros. Logo, Adelina estava voltando daquela viagem aos EUA com o blazer, além de colchas e camisas confeccionadas com a técnica que ela pretendia começar a produzir no Brasil.

Dito e feito, lá estava Adelina como que se voltasse as origens. Nos fundos da casa, abriu uma pequena confecção, fazendo ela mesma os desenhos e mosaicos. Aproveitava os retalhos vindos da fábrica e, logo, já estava com uma equipe de modelistas e costureiras que davam vida aos patchwork idealizados. O resultado foi a abertura de uma pequena loja ao lado do Himmelblau Palace Hotel para a venda destes produtos, além da comercialização deles para várias lojas no Brasil e clientes na Argentina e no Chile.

Sacola sustentável produzida pela Dudalina, em patchwork. Técnica foi trazida por Adelina e hoje espalha-se em vários atelies pelo estado e pelo país (Evair Lopes)

A vida não podia estar melhor. Enquanto Adelina fazia seu patchwork, Duda assistia os filhos na empresa, que a esta altura já tinha Armando Hess de Souza a frente dos trabalhos. Os filhos cuidavam com excelência do Hotel Fazenda em Massaranduba e o nome da família luizalvense estava, definitivamente, cunhado na história de Blumenau. Uma trajetória que emocionava quem ouvisse e, provavelmente, o está fazendo agora em quem lê estas linhas.

A vida segue, e o casal vira história

O tempo seguiu passando, e a Dudalina virou internacional. Uma das marcas mais reconhecidas na indústria têxtil brasileira, a camisaria é a mais famosa e a maior em tecido plano do Brasil, Tanto a marca principal quanto as marcas Individual e Base são reconhecidas em cada canto do país e até pelo exterior, seja pela originalidade quanto pela qualidade, puxada do zelo e perfeccionismo de Adelina em cada peça. Prêmios e honrarias foram conquistados, projetos foram criados e apoiados e a empresa não tem limite para parar de crescer.

Em 2013, dez anos depois que o terceiro herdeiro, a sorridente Sônia Hess de Souza assumira a presidência da organização, a Dudalina mudou de mãos, passando a ser controlada por dois dos maiores fundos de investimentos dos Estados Unidos – Advent e Warburg Pincus. Os valores da transação nunca foram revelados ao total, mas foi mais um passado para a outrora tímida camisaria de Luiz Alves se tornar internacional. E, em partes, já o era, tendo aberto no Panamá e na Itália duas das 95 lojas de fábrica da marca.


O sorridente Duda, homem reconhecidamente bom por muitos que tiveram a honra de conviver com ele, foi o primeiro a partir, aos 74 anos, depois de um acidente na Fazenda Paraíso, de sua propriedade, em Ilhota, onde criava gato.(Centro de Memória da Família Hess de Souza)

No entanto, se há alguma coisa que a empresa e os filhos sentem falta é da presença dos pais. Toda família assim o sente e, naturalmente, os leva como exemplo para uma vida inteira. Duda partiu primeiro, numa madrugada fria de 13 de janeiro de 1996, aos 74 anos, depois de sofrer um grave acidente na Fazenda Paraíso, de propriedade da família, onde ele criava gado e passava alegres momentos.

Foi um choque profundo para Adelina. A perda tão repentina do companheiro de vida que não dividia só os negócios, mas também o coração, as alegrias, as viagens, as agruras e conquistas e, mais do que tudo, os versinhos que ele compunha, muitas vezes em terras distantes, quando estava em viagem, recordando daquela moça simples de cabelos curtos por qual se apaixonara num comício político. Mas era necessário seguir em frente, com a força e pensamento, claro, na memória e nos olhares do velho amado.

12 anos depois da ida do marido, e após tantas aventuras pela vida, foi a vez de Adelina deixar os filhos e admiradores, falecendo em 2008, aos 82 anos de uma vida cuja história é impossível de ser repetida por qualquer escritor (Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Eis que em 2008, aos 82 anos de vida e 12 sem a presença do amado Duda, rodeada dos filhos e dos admiradores de sua história, era a vez de Adelina partir. Foi ceifada por uma pneumonia violenta depois de 21 dias de luta enquanto internada no Hospital Santa Catarina, em Blumenau. A notícia correu o mundo, Santa Catarina sentiu o baque e não teve como não prestar uma justa reverencia a mulher mais expressiva no mundo dos negócios que vira pisar sobre a terra barriga-verde. Jornais recordaram e historiadores registraram, com justo mérito, a história do casal que ganhou o mundo partindo da pequenina Luiz Alves.

Grande parte desta memória está sendo bem cuidada e guardada com carinho lá naquele endereço simpático de Luiz Alves: a casa construída em 1932 e onde toda a história começou é, hoje, o lugar onde toda esta história é conservada, o Centro de Memória Dudalina. Na fachada, muito além da beleza arquitetônica, um antigo luminoso indica que ali naquelas quatro paredes está a memoria de uma grande história nascida ali e que conquistou o mundo.

(Centro de Memória da Família Hess de Souza)

Gentilmente e em reverencia, A BOINA faz sua homenagem com esta grande história sendo recontada e preservada ao máximo no mundo virtual para qualquer um que queira mergulhar neste conto romântico que virou um grande motivador a qualquer futuro empreendedor nestes dias de hoje. A história de amor de Adelina e Duda é exemplo, poesia, incentivo, realidade que assemelha-se a um conto ficcional, daqueles que nem mesmo o melhor escritor poderia escrever.

Abaixo, terminando esta história, o vídeo produzido em celebração aos 60 anos da marca, comemorados neste mês, produzido pela equipe da Pacto Comunicação, com narrações de Cinthia Canziani e Omar Muhad… Por que não há parágrafo que termine este texto, mas uma representação simples do que foram Adelina e Duda e suas camisas que vestem o mundo.

(Agradecimentos do blog a Jacqueline Hess, do Centro de Memória da Família Hess de Souza, a jornalista e amiga de A BOINAMiriam Mesquita e ao cientista social, pesquisador da história e também amigo de A BOINA, Adalberto Day)

(Centro de Memória da Família Hess de Souza)

2 comentários em “Antigamente: Um casal, suas camisas e a apaixonante saga da Dudalina”

  1. André,
    Uma grande empreendedora, uma grande mulher e com um marido sempre ao seu lado, assim foi o sucesso da senhora Adelina e senhor Duda. Uma das marcas mais famosas do mundo em camisaria, assim foi transformada a DUDALINA pelo belo trabalho familiar.
    Um pesquisa muito boa e importante para nossa comunidade.
    Parabéns André!
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau.

  2. Parabéns por mais este lindo trabalho de pesquisa e registro de tão importante história de empreendedorismo.
    Belíssima matéria marcando o mês de comemoração dos 60 anos da Dudalina.
    Um abraço.

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