Provinciana…
É mais ou menos assim que chamamos qualquer atitude daquelas “conservadoras sem sentido” que se propagam por estas esquinas do Vale do Itajaí em alguns dias. E lembro de a ouvir muito nas bocas de muitos amigos que, pelas mesmas esquinas que eu, cruzam e refletem o dia.
Não que seja adepto a termos inventados, embora eles expressem algo que o Aurélio não tem verbete correlato que o expresse, mas meio que vivemos cercados de verdadeiros “provincianismos” nestes últimos tempos, aqueles que são criados e sacramentados por grupos ditos tradicionais que negam a entender que essa terra é bem mais que uma província clássica.
A história anda, os pensamentos e consciências mudam dia a dia e o mundo não é mais o mesmo como no tempo que se amarrava cachorro com linguiça. É claro que nada é imposto, mas tudo em que se fale de inclusão, respeito, empoderamento e Brasil (na acepção da palavra) arrepia esta massa dita “defensora dos costumes”.
E que costumes? Aqueles que não se adequam aos tempos? Aqueles que pregam o ódio e a divisão contra toda forma de mudança e novidade? Aqueles que acreditam que tudo não passa de uma fantasiosa “ameaça vermelha” que come criancinhas e destrói famílias? É por ai…
O carnaval me deu tempo de filosofar um pouco sobre esse ranço bestial do Vale pela tradicional festa que muitos acreditam que “só o Brasil a tem”. Mal sabem que nas terras dos antepassados, aqueles que dizem ser os pioneiros de tudo, o carnaval é tão forte quanto, festejado do seu jeito e celebrado dentro de suas tradições: das críticas políticas ferozes alemãs as máscaras graciosas de Veneza.
E por que falo sobre isso? Bom, a recente confusão entre “feriado” e “ponto facultativo” talvez nos revele um pouco dessa confusão mental que é para o núcleo dito tradicional do Vale interpretar o carnaval, alegando que nunca o houve por aqui ou que não é algo que expressa nossa “cultura”. Coitados…
Em tempos antigos, já vivemos festas de carnaval bem mais volumosas. Bailes, marchinhas, confete e serpentina eram coisas totalmente corriqueiras quando chegava fevereiro. No entanto, a distância velada das elites e o aprofundamento da cultura do “descanso em qualquer folga”, somada a condenação cega pelo conservadorismo falido destes tempos, praticamente minou as iniciativas da festa em várias cidades da região ao longo dos anos, sendo estas mantidas por poucos e valentes abnegados que batem de frente com a incompreensão dos antigos.
O recente caso de proibição de desfile da única escola de samba blumenauense, felizmente revertido em tempo, é parte disso: uma região que se diz Brasil quando este se identifica com os valores atrasados e antiquados de sociedade e cultura há tanto apregoados.
A mesma que condena a festa é a mesma que também pede seu “ponto facultativo” no Carnaval de cada ano e argumentar que há “excessos” é a mesma coisa que dividir entre pesos e medidas: a Oktoberfest ou a Festa do Imigrante tem seus cidadãos inconvenientes e suas encrencas, sim ou com certeza?
E também aconteceu este ano: a confusão de termos levou a pressões do comercio da cidade sob a alegação de “não ser feriado”. E até entendo, o ponto facultativo, de fato, faculta, dá opção de se abrir ou não. E nessa hora, a resposta soa até um tanto agressiva em cima da data. E duvido que tanto assim do comércio abriu as portas, ao menos na terça-feira de carnaval, onde serviço público e outros gozaram da dita prerrogativa que a lei lhe deu.
Admito: não curto a muvuca do carnaval, mas a respeito como manifestação plural cultural e festa tradicional de tantos países que assim o fazem desde os mais longos tempos, condenando os excessos dos mais irresponsáveis. Quis os açorianos transportarem essa tradição para cá, combinando-a quase que obrigatoriamente com os ritmos dos sambas nos terreiros, que lhe deram corpo, significância e, principalmente, o poder de exaltar e, ao mesmo tempo, tocar na ferida da sociedade do dia a dia.
Agora, negar a festa da raiz ao último pelo do pé é um erro histórico de qualquer um. Não se obriga a gostar, mas odiá-la por não ser parte do que lhe é acostumado e condenar quem brinca é quase um preconceito e uma atitude detestável. Se você não gosta, ótimo, feche sua casa, ligue a Netflix e aproveite longe da folia, e não destile o ódio abaixo da ignorância conservadora.
Cada um é cada um e o carnaval está em todo lugar, quer você achar que não esteja no seu rincão. Diz que nunca existiu carnaval no Vale é puro “provincianismo”, coisa de mente fechada neste pedaço de terra que resume o Brasil a moldes passados, pensamentos provincianos que, apesar de existirem, não tem mais lugar nestes dias bem mudados.
E viva o carnaval! Ele existe até nas províncias.