Automobilismo é esporte, esporte é história e história é, por vezes, reverencia a grandes jornadas, sejam elas vitoriosas pelos louros ou pelas tentativas de provar que o mundo em volta estava errado. E esse lance de teimar contra a corrente, pasme, é um dos mais fabulosos da história do esporte, do automobilismo como um todo.
E o automobilismo, pela sua carga de sofisticação e glamour, ambiente onde poucos predestinados vencem, talvez é o que separa ainda mais essa epopeia de lutas titânicas entre Davi e Golias. E sair do nada para escrever uma história, mesmo sem faturar uma vitória, já dá um belo conto para gerações.
Um destas histórias fez 45 anos neste domingo (12/01). Era num domingo de calor em Buenos Aires que o bólido prateado #30 alinhava na última posição do grid do GP da Argentina, prova inaugural da temporada de 1975 da F1. O nascimento da Copersucar-Fittipaldi era o assombro para a Europa, um time de F1 concebido a martelo e muita raça (contando, claro, com uma mão governamental) na exótica América do Sul.
Contar e recontar a história da saga de Wilson e Emerson na categoria soa repetitivo, embora muitos brasileiros atrelados a velha e arcaica filosofia do “torcer pelo vencedor” prefiram ocultar na memória esportiva nacional a empreitada dos irmãos Fittipaldi. A primeira largada do FD-01, primeiro carro do time, veio abaixo de muita correria, sacrifícios e incertezas, coisas normais de uma equipe estreante.
É lógico que falar que a odisseia foi a “martelo e muita raça” é um certo exagero. Wilson Fittipaldi tinha o apoio do governo militar e de alguns de seus órgãos (como a Embraer e o então Instituto Técnico Aeronautico – ITA) para o desenvolvimento do bólido. Lógico mais ainda que entrar com equipe no seleto circo da F1 setentista era bem mais simples do que a sofisticação atual. No entanto, assombro e teimosia faziam parte da rotina dos teimosos brasileiros liderados por Wilsinho e pelo projetista Ricardo Divila para conceber não só um carro, mas todo o organograma de um time de F1 do zero, mesclando uma equipe de profissionais experientes a mecânicos acostumados aos bólidos de F-Ford brasileiros.
A concepção do primeiro carro levou algum tempo, entre problemas, testes e repensamentos da parte técnica. E como de praxe pra qualquer time estreante, problemas surgiram até nas proximidades da estréia na Argentina. Colocar o carro na última posição do grid pode não ter sido a melhor coisa que Wilson gostaria, mas era de todo uma vitória gigante do pequeno grupo de brasileiros e seu entusiasmo de adolescentes.
E foi uma estreia curta, apenas 12 voltas até um problema de suspensão levar o FD-01 literalmente a nocaute, num choque com o muro da entrada da reta de Buenos Aires. Fogo, susto e uma nova correria para colocar o carro (já como FD-02) na linha para o GP do Brasil. E assim se foi, sucessivamente, o forjar de uma equipe no fogo da F1, entre fracassos e derrapadas.
Era o primeiro capítulo de 104 que seriam escritos e que, pela sombra dos falatórios de uma imprensa desconhecida da empreitada, a trilha da equipe talvez não tenha recebido nem mesmo hoje a reverencia devida. Natural que a crítica esportiva espera mais e cobra atitudes até pelas promessas de competitividade. Mas até 1982, entre todos os tropeços e incompreensões, 44 pontos e três pódios falam muito mais do que qualquer definição distorcida de “fracasso” que por vezes uma torcida acostumada a vencer assina-la.
O que fica de lição diante da trajetória da Fittipaldi na F1 é aquela velha história do “se você tem uma ideia e a vontade de executa-la, vai a luta e a faça”. Wilson acreditou, Emerson apostou, Divila fez acontecer, Rosberg colaborou e time escreveu suas linhas. Linhas de respeito que vão além das estatísticas, dizem sobre persistência e crença de que é possível ir além mesmo quando faltam ferramentas na caixa de badulaques.
A história da equipe Fittipaldi está ai nas redes para quem quiser conhecer. E tudo começou há 45 anos, quando o “açucareiro” se botou num grid e deu suas primeiras voltas na história.