Hospital…
A linha mais tênue do ser humano entre a alegria e a tragédia.
Nem o teatro faria igual, e aqui não há encenações.
Há quem nem queira entrar, temerário pelas energias negativas acumuladas ou pelo medo de não sair dali.
Há quem precise entrar, sobretudo para continuar a pesada e valente luta pela vida.
O hospital suscita polêmicas: as que tomam conta da mente em busca de meta de curtidas de uns e outros periodistas esperando o primeiro escândalo virtual.
Das derrotas, as vezes as mais doloridas, sobretudo se o contrato é quebrado sem aviso, sem chance de perdões, reconsiderações ou voltas por cima.
Felizmente, ainda se fala em vitórias. Do outro lado da rua, mesmo, cada vez que bate o sino, é uma vida que renasce ante as agulhas e medicamentos agressivos e cabelos caídos.
Ali, a vida surge: intensa, febril, entre gritos de mãe e bebê. Mas um número na conta humana sobre a terra.
Ali, a vida apaga, seja pela doença ou pelo avançado da vida que cobra o descanso eterno. Silêncio que o morgue não conta.
E quem entra e sai dia após dia?
Dos acompanhantes, faces cobertas de olheiras, um cansaço nervoso, um fim que nunca chega da convalescença do ente querido.
Noites e noites que se sucedem de sono mal dormido, entre cobertas amarrotadas e a presença séria dos profissionais em carga máxima.
Os profissionais, estes seres de branco ou não.
Capelania, hotelaria, manutenção, escritórios, administrativos e afins.
As linhas de frente diante da tensão do moribundo e seus acompanhados, acuados e assustados com a doença sem nome.
O enfermeiro, a enfermeira, não carregam roupas de heróis embaixo dos jalecos enfestados do KPC de todo dia apenas.
São os soldados de branco tão a postos na linha de frente da vida quanto médicos, cirurgiões e outros que olham para o lado procurando o olhar comprometido destes no corre-corre.
Descansam, quase esperam. Lidam com as incompreensões dos aflitos, carregam as flechas apontadas dos reprodutores fakes das esquinas, respiram e sorriem uns aos outros esperando que o dia seja mais leve.
E não o é, desde 2020 ainda mais pesado, ainda mais cruel.
Aquelas fotos gastas e amassadas de Florence e Ana, num canto da carteira, ainda devem os fazer lembrar da peleja não como “dom” ou mera vocação.
Por trás de quem coloca o acesso, há um ser humano de carne, osso e mente que lidam com a estafa e o impressionante para olhar no olho da doença e da morte e não as deixar entrar naquele a quem cuidam.
Admiráveis, doces admiráveis, sem mais.
Mas, deixem eu entrar aqui. O Santo Antônio me é familiar.
Uma década atrás, professor Rodrigo Ramos pediu-me como substituto dele durante uma viagem.
Dois meses, que meses aqueles!
Assessoria de comunicação de um hospital, uma tarefa dura para uma instituição que, à época, ainda era vista com a desconfiança de outros complicados e confusos tempos administrativos.
Os olhares atentos da presidência, um caso de apendicite fatal em uma criança de cinco anos, interdição da ortopedia por problemas de esgoto, a tensa e bem-vinda chegada da hoje TriVale com pompa e circunstancia.
D. Odete tinha marcação cerrada, confesso. Mas nem tudo lá dentro era pressão e alguns tropeços (admito).
Fiz grandes amigos e amigas, desmistifiquei ideias equivocadas sobre o lado negativo daquelas paredes, sai de lá com saudade e aprendendo muito com erros e acertos.
Lá, conheci o romance, por duas vezes. E um poeta recordar disto com o coração apertado e borboletas estomacais é inevitável, confesso.
Sempre digo que o velho HSA de guerra foi a melhor passagem profissional sem ser o rádio. Era como ser atento a função, doce com os amigos e uma espécie de “xerife”.
Saia de lá ouvindo nos fones o forte “Django”, do filme de western spaghetti, vez em quando. Com feições de um valente daqueles tipo Giuliano Gemma ou Terence Hill.
O Santo Antônio ainda hoje tem carinho meu. Colocava isso na feição sempre serena e tranquila da enfermeira Izabel Casarin, naquele tempo a chefe da enfermagem.
Ainda mesmo depois de tomar outros rumos, me esbarrava com ela sempre com alegria. Ainda a encontro com o mesmo sentimento e uma ponta de saudade.
Que mulher! Que espírito! E os contrários, que calem-se!
Lá dentro, tudo diferente… tanto que em busca da minha mãe, parei na pediatria.
“Oi, pai!” Que susto! Vamos recalcular rota…
Foi uma madrugada, nunca tinha virado a noite num hospital, e deu tempo pra tudo.
Tomar bronca “de graça”, fazer alguns risos ainda que cansados, sentir o “conforto” da cadeira-do-papai do quarto.
Até gritos ao longe se ouvia cortando o silêncio. Não estamos imunes ao sofrer humano. A tal da “linha tênue”.
E deu para refletir: o gigantismo de uma casa, em meio a turbulência de uma politica insensata com a saúde e de uma população que confunde-o com um hotel onde todos tem que agir sob plena subserviência para eles.
Nada lá pode parar, a respiração só fica mais amena, ainda que rapidamente, mas a artéria em cada corredor é pulsante e intensa, onde não se pode errar mas não se livra a imunidade do erro.
De manhã, a chuva, frio cortante, sai de lá. Talvez feliz, e bem sonolento.
O hospital: este casario tão diverso de sensações que só aqueles que lá convivem sabem.
O Santo Antônio, tão pujante, especial para mim e ainda um fascínio imerso nesta dualidade da alegria e tristeza que, claro, um hospital carrega consigo desde os primórdios da humanidade.
Ninguém quer estar lá, alguns precisam estar lá, muitos necessitam estar lá.
A vida e suas dualidades, dentro e fora
Do hospital.