Som n’A BOINA #34: O pé parou de bater, adeus a Roberto Leal

Sabe aquela sensação estranha de, logo depois de um cantor ou cantora morrer, você ouvir uma musica e pensar “putz, vai fazer falta”. Pois então, vez em quando minha biblioteca musical para em musicas portuguesas. E quem pensa que a canção dos “patrícios” peca em qualidade, engana-se redondamente.

Durante os anos, talvez a língua portuguesa não deixou que Portugal chegasse mais longe com suas canções. Talvez Amália Rodrigues conseguiu voar mais longe com seus fados, mas nem todo o paladar musical é capaz de pular de alegria com o que a maior das cantoras portuguesas produziu em vida.

Um dos discos de Roberto Leal nos anos 1970, selo RGE/Fermata (Reprodução)

Nem tudo o que vem da terrinha é melancólico ou poético-romântico, tem muita festa, muita cor envolvida. Dos azulejos decorados as bacalhoadas, tem portuga sorrindo, assim como um brasileiro no meio disso tudo. E essa expressão colorida era o que havia na canção de Antônio Joaquim Fernandes, português de Macedo de Cavalheiros, mas o mais brasileiro de todos os patrícios, chamado simplesmente de Roberto Leal.

Leal foi essa espécie de ponte que havia entre Brasil e Portugal muito comum na música nos anos 1960 e 1970. No entanto, bem diferente dos seus conterrâneos, ele pisava fora do filão romântico. Não que vivia totalmente fora dele, mas não era só dentro dele que fez sua canção ser conhecida. Quando cantou “Arrebita”, em 1971, ele mostrou seu cartão de visitas: “eu não sou um fadista melancólico, pá!”.

E assim, Roberto fez seu cartaz. Olhar para ele, pura e simplesmente, era ser contagiado com alegria tipicamente portuguesa. Aquela coisa simbiótica de, mesmo que a canção lhe entorte o ouvido, você não consegue ficar indiferente, sente o embalo, e se souber, acaba cantando junto. Foi assim nos sucessos seguintes como “Baté o Pé”, “As Pernas de Carolina”, “Fatamorgana”, “Minha Gente” e tantos outros, fora uma animada releitura de “Uma Casa Portuguesa” de Amália que merece nota pela injeção de ânimo que o ritmo provoca na musica.

Roberto Leal foi isto, cantor, showman (presença constante no Cassino do Chacrinha), representante legítimo da musica e cultura portuguesa no Brasil. Mais de 17 milhões de discos vendidos, 30 discos de ouro e 5 de platina são apenas provas cabais de que a obra do lusitano em nossas terras é digna sim de palmas e quem quiser sacudir os ombros, os sacudam com respeito pois obras laureadas assim provam a qualidade, o embalo e a alegria verde-encarnada das canções de Leal.

Leal tinha veia romântica, mas não vivia só nela. Sua canção era o retrato alegre de Portugal estampada na musica brasileira. Talvez o último da espécie de “embaixadores da cultura portuguesa” no país (Reprodução)

E ai voltamos ao primeiro parágrafo. a tal da frase “putz, vai fazer falta!” quando ouvimos a canção de alguém já falecido. Pois é, infelizmente, o domingo está sendo assim ao som de “Bate o Pé” e vai ser com bandeiras portuguesas a meio-mastro no mundo da musica. Lutando bravamente contra um câncer e com parte da visão prejudicada por duas cataratas, Leal calou-se definitivamente neste dia 15 de setembro, aos ainda jovens 67 anos.

Com sua passagem, fica também um legado indelével da presença lusitana em nossa musica, e uma lacuna que dificilmente será preenchida de forma recente no Brasil: a de um português que congregou pessoas para, com ele, bater o pé, dançar o vira e conhecer mais por dentro a musica e cultura portuguesa. Muito além da poesia e do fado, mas dos sorrisos, da cor e da graça lusitana, presentes no sorriso de um cantor como foi Roberto Leal.

Viva Roberto Leal, Viva Portugal!

(Reprodução)

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