Som n’A BOINA #06: ABBA, Silvia e Carlos Gustavo. Coincidências e a apoteose de “Dancing Queen”

De um lado, um quarteto pop vindo da simpática Suécia dominava o mundo com canções pop dançantes e românticas, trazendo a galope uma nova sonoridade ao estilo e inovações que contribuíram na massificação da música pelo mundo, como os videoclipes, já usados há algum tempo mas não no volume que os quatro jovens suecos estavam usando. Do outro lado, um rei vivia o sonho de todo bom homem, casar-se com a mulher que ama e assim viver com um sorriso estampado na cara, para a alegria dos súditos.

Toda esta sequência de fatores ocorreu em dois pontos de Estocolmo, em 1976, e embora não sendo planejada, acabou por popularizar ainda mais o que seria uma das maiores canções pop da história. Vindos nós da experiência Rolling Stone de Midnight Rambler, na última semana, vamos navegar por notas discotheque que imortalizaram uma rainha numa canção e marcou gerações até hoje. É a anatomia da apoteótica Dancing Queen, o maior entre os maiores sucessos do quarteto pop ABBA e sua coincidente primeira apresentação diante dos suecos e da própria majestade em uma noite daquele ano incrível.

A concepção da rainha da dança

O ABBA em Brighton, durante o Eurovisão de 1974. Com a conquista do primeiro lugar com Waterloo, o grupo ganha destaque internacional e deslancha de uma vez, com grandes sucessos em três albuns gravados até 1976 (Reprodução)

Como já contado há algum tempo aqui em A BOINA, o ABBA foi criado, oficialmente, em 1972, fruto das experimentações musicais de Benny Anderson e Bjorn Ulvaeus, do talento das belas Anni-Frid Frida Lyngstad e Agnetha Fältskog e do tino comercial do futuro empresário do quarteto e fundador da Polar Music, Stig Anderson. Até aquele 1976, a banda já estava na crista da onda do pop mundial, especialmente depois de deslanchar a partir de Waterloo, canção que lhes deu (e deu a Suécia) o primeiro lugar no Eurovisão do ano anterior, em Brighton. Já haviam saído do forno da Polar três discos (Ring Ring, de 1973; Waterloo, de 1974 e o disco de 1975, sem nome) e muitos sucessos como SOS, Mamma Mia e Ring Ring já pipocavam nas paradas.

Com um caminho consolidado, o que mais o ABBA poderia querer? Até agora aqui no SnaB, conhecemos algumas histórias de bandas e cantores que precisavam buscar um novo rumo nos seus trabalhos para rejuvenescerem e voltarem a trilha de sucesso. No entanto, o grupo sueco já estava num caminho sem volta no estrelato, fruto do idealismo de Stig Anderson, que espalhava a imagem do grupo de várias formas, sendo uma delas através dos chamados vídeos promocionais. Foi assim, por exemplo, que Fernando estourou no Brasil em 1974, depois de uma aparição no clássico global de domingo, o Fantástico. Isto fora a economia com passagens aéreas, já que a Suécia é um tanto longe de tudo lá naquele cantão da Escandinávia.

Mas, eis que chega 1975, e mesmo cansados depois de uma turnê de verão pela Suécia em julho, o ABBA entra novamente nos estúdios para iniciar o trabalho de um novo disco. No primeiro semestre já lançaram um e o novo projeto – que viria ser o álbum Arrival – seria para meados de 1976, já que Stig seguia a expectativa de mercado de qualquer cantor, cantora ou banda: Um disco de inéditas por ano. Sendo assim, Benny e Bjorn já se colocavam à labuta e um novo hit estava para nascer.

George McCrae, um dos pioneiros do discotheque e autor de Rock Your Baby, que serviria como inspiração para Dancing Queen (Reprodução)

Exatamente no dia 4 de agosto daquele ano, a dupla Lennon-McCartney da Escandinávia entrava em estúdio com três novas melodias para canções do novo disco. A primeira – intitulada primeiramente de Tango – viraria a fantástica Fernando. Uma segunda – Olle Olle – nunca seria trabalhada a fundo e, até hoje, permanece inédita. Mas a terceira, tendo por codinome Boogaloo, soava mais parecido do que queria a dupla.

Para encorpar o embalo que a prévia trazia foi preciso buscar inspirações em dois elementos externos: O sucesso Rock Your Baby de George McCrae de 1974 (incluso na trilha sonora da novela global O Espigão), que misturava disco com soul de forma mais homogênea; e o trabalho rítmico do compositor e jazzista americano Dr. John, no seu disco Gumbo, de 1972.

Como se vê, a concepção de Dancing Queen foi criada num fundamento sem precedentes, trazendo consigo elementos que, combinados, criaram um ritmo dançante dos mais marcantes dos anos 70. Não chegava a ser uma canção discotheque, mas sua batida característica permite uma forma diferente de sentir o embalo que a faixa traz. Primeira etapa de gravação feita, fita da base gravada e a emoção nos olhos de Frida ao conhecer o que ia apoiar a voz dela e de Agnetha na canção. Benny voltou para casa com uma fita da faixa de apoio e tocou pra mim. Eu a achei tão enormemente linda que comecei a chorar, disse em uma entrevista tempos depois.

Veja a sessão de gravação da música:

Aquele fim de ano de 1975 seria travado em tempo, cansativo mais recompensante. O intenso trabalho de refinamento da música e até o corte de uma parte da primeira estrofe em estúdio para que a canção fosse concluída. A ela, o próprio Stig Anderson cravou o nome de Dancing Queen, e não era para menos. A música conta da noite de uma moça de jovens 17 anos, a mais bela da festa, conquistando a atenção dos rapazes e brilhando na pista de dança. Ao mesmo tempo, Fernando (ela de novo!) ficou pronta e o tino comercial de Stig acabou falando mais alto. A balada soft foi lançada antes, seriam mais cinco meses até o mundo conhecer a nova e ousada – pode-se dizer – criação de Benny e Bjorn.

Diante da realeza

Antes mesmo de ser lançada em single, Dancing Queen já saiu pelo mundo, sendo apresentada em programas de TV e especiais, como na Alemanha e na Austrália. Algum público na Suécia também a conheceu antes do lançamento de fato, mas a passaria a assimila-la melhor depois do grande momento da música e do grupo. Já estamos em 1976, e enquanto o ABBA esquentava as pás do helicóptero para a capa de Arrival, o rei sueco Carlos XVI Gustavo aprontava seu casamento com a jovem Silvia Sommerlath, alemã de nascimento mas de sangue brasileiro. A mãe de Silvia é a paulista Alice Soares de Toledo, que casou-se por aqui com um empresário alemão – superior da fundição sueca Uddeholm no Brasil, Walter Sommerlath. A família estabeleceu residencia no Brasil em 1947 e por aqui ficou por dez anos.

Carlos XVI Gustavo e Silvia Sommerlath rumo ao casamento, em agosto de 1976. A jovem teuto-brasileira conheceu o então futuro monarca em 1972, durante os Jogos de Munique. Já como rei, Carlos Gustavo selou a união com Silvia dois anos depois, e ainda com uma feliz coincidência musical no dia anterior (Reprodução),

Em 1957, os Sommerlath regressaram à Alemanha Ocidental. Em Munique, Silvia formou-se em interpretação, especializando-se em espanhol e tendo grande domínio deste e de mais quatro idiomas: O português, o alemão (aprendidos em casa, naturalmente), o inglês e o francês. Trabalhou nos Jogos Olímpicos na mesma cidade em 1972, junto do consulado argentino, e foi durante os jogos onde conheceu o então príncipe Carlos Gustavo. Ele assumiria o reinado um ano depois, com a morte do avô, Gustavo VI Adolfo, e quatro anos depois casaria-se com a jovem intérprete teuto-brasileira, em 19 de junho de 1976.

Um dia antes, uma grande festa de gala e concerto foi organizada em homenagem ao casal na Ópera Real Sueca. O evento foi televisionado pela televisão e tinha uma audiência cativa, afinal, assim como a Grã-Bretanha, quem não tinha uma afinidade pela simpática família real? Pois bem, foi nesta noite que o ABBA, munido da sua canção mais recente, entrou em cena. Diante do futuro casal real e de uma plateia ornamentada com o mais fino que podia haver em trajes, executou para um país inteiro a apoteótica Dancing Queen, seguida de um aplauso quase sem fim da nobreza e de sorrisos simpáticos e reverentes de Carlos Gustavo e Silvia.

Pense num belo presente de casamento. A apresentação está ai embaixo:

O grande equivoco que muitos fazem é de que a canção foi criada, justamente, para a futura rainha consorte. Ledo engano. O próprio ABBA desmente a história e não teria como fundamenta-la mesmo, já que o grupo trabalhava na canção há algum tempo. No entanto, a situação em que ela se apresentara pela primeira vez na TV sueca de forma oficial casou como uma luva. Uma canção sobre uma rainha diante da futura rainha… Como querer situação melhor? E, para completar o refino da apresentação do único representante da música pop do país no evento, o grupo se apresentou com vestimentas barrocas, sem faltar olhares discretos para a majestade e reverencias ao fim da canção.

Na continuação dos trabalhos depois da grande apresentação, o ABBA produziu o vídeo promocional (ou clipe, como quiser chamar) da música. O vídeo foi dirigido pelo renomado cineasta Lasse Hallström, responsável também por outros clipes do grupo, e gravado na badalada discoteca Alexandra, no centro de Estocolmo. Um tempo mais depois do lançamento do single (Dancing Queen / That’s Me), o ABBA lançava o LP Arrival, que trazia, além de Dancing Queen, outras excepcionais músicas como When I Kissed the Teacher, Knowing Me, Knowing You e Money Money Money. Como se não bastasse, a canção da rainha da noite ainda arrebataria o #1 da Billboard nos EUA, a única vez que o quarteto alcançaria tal marca.

É claro que o ABBA não está mais entre nós e muitos sonham com esse reencontro épico, que alguns setores da imprensa chegaram a ventilar que seria em 2017. Neste ano, são lembrados os 35 anos do fim do conjunto, que envolto nas instabilidades de relacionamento dos integrantes (Agnetha e Bjorn se divorciaram em 1976, o mesmo acontecendo com Frida e Benny em 1981) não passaria vivo em 1982, isto ainda com as boas vendagens de The Visitors, último álbum de estúdio. Restam apenas algumas aparições de membros do grupo, sejam dois, três ou todos juntos, em eventos isolados, como no ano passado, numa casa de shows em Estocolmo.

O ABBA em 1981, já em vias de separação. Divórcios e a difícil condição de trabalhar com as/os ex complicaram o grupo, que ainda fazia sucesso. Ao contrario do quarteto, o casal real sueco (abaixo) segue firme e unido, apenas preocupado com fantasmas (Reprodução)

 

Ao contrário do quarteto, o casamento real de Carlos Gustavo e Silvia vai muito bem, obrigado. Enquanto o rei é o superior das forças armadas e o fiel representante na cerimônia do Premio Nobel, Silvia comanda a World Childhood Foundation, ONG criada por ela mesma em 1999 e que tem como objetivo dar melhores condições de vida e desenvolvimento a crianças do mundo todo. Fora isso, a única preocupação de Silvia são os fantasmas e assombrações que, diz ela, estão rondando a casa real.

Mesmo que não haja uma ligação umbilical, Dancing Queen é daquelas canções que permeiam o imaginário popular a cada vez que seus acordes dançantes e a voz de Agnetha e Frida cruzam o ar nos aparelhos de som. Fora os jovens sonhos femininos perto dos 15 anos, a canção é daquelas que permite recordações de temos dourados para os mais velhos. Velhos que viveram a juventude em bailes e festinhas embalados pelo inesquecível quarteto de Estocolmo.

Sendo assim, fiquemos, outra vez, com Dancing Queen, na voz do ABBA. Até a próxima sexta com mais um fantástico SnaB!

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