Som n’A BOINA #16: Elvis e Nixon, o dia que o Rei bateu a porta da Casa Branca

Em agosto, o mundo lembrará com saudades e reverencia os 40 anos da morte do Rei do Rock ‘n Roll, cujo nome nem precisaria ser dito mas o será para não destoar da frase: Elvis Presley. Sem dúvida que ele terá aqui no nosso SnaB um destaque especial, com sua trajetória, músicas, obra, vida e morte repentina, perdido entre seus demônios e as lembranças da fama passada.

Mas, longe da alegria e da tragédia que lhe acompanhava sempre nos show business, Elvis também foi protagonista de histórias curiosas e antológicas que dariam, certamente, um filme, um documentário ou um livro de cada uma. Fatos como o serviço militar em Berlim Ocidental, a viagem de Memphis para Denver para se deliciar com um saboroso sanduba de pasta de amendoim com banana e bacon, o folclórico encontro com os Beatles e tome história por ai.

No entanto, dentre tantas – e aproveitando o gancho das relações turbulentas de Donald Trump com a classe artística americana – uma destas se destaca pelo tom de bizarrice e curiosidade que a cerca. Foi há seis dias do Natal de 1970 quando, sem praticamente nenhum aviso, resolveu bater a porta do homem mais poderoso do mundo naqueles tempos: o então presidente americano Richard Nixon, na mais improvável visita que poderia haver naquele louco começo de década.

Elvis vivia a volta à plenitude da carreira. Abandonou os filmes em 1969 e faturava alto com shows em várias partes dos EUA, embora começasse a viver a tormenta com seus demônios pessoais (Reprodução)

Para entender essa história curiosa, mergulhemos no contexto da época. O primeiro ano da década de 70 era um tanto atribulado para os EUA. Iniciando um processo de decadência moral que se arrastaria pela década a fora, a terra do Tio Sam assistia pasmificada o fortalecimento do movimento hippie, em São Francisco e em outras cidades do país. A Guerra do Vietnã parecia próxima de um desfecho político enquanto milhares protestavam nas ruas contra o conflito na Indochina.

No cenário musical, a influencia da contra-cultura e do mundo hippie fazia cada vez mais a cabeça. Ao mesmo tempo que Paul McCartney anuncia o fim dos Beatles, o mundo aprende a ouvir mais Rolling Stones e se perde na lisergia de Janis Joplin e na guitarra de Jimi Hendrix. Ambos morreriam naquele ano, ambos com 27 anos, ambos tornando-se lendas do Rock daqueles idos, como era o tal Elvis Presley.

Elvis, à época com jovens 35 anos, vivia o sabor da volta ao estrelato e aos píncaros da música como nunca. Depois de gravar Ele e as Três Noviças (Change of Habit) em 1969, abandonou de vez os filmes e se dedicou totalmente a música. Não tinha feito decisão mais sábia, pois era ali onde ele faturava horrores em shows, especialmente em Las Vegas, onde estava baseado e estufando a conta bancaria mais e mais.

Nixon gozava ainda da popularidade conquistada com as eleições no fim da década. No entanto,ainda se debatia atrás de uma solução para o conflito no Vietnã, além de buscar uma saída para os problemas econômicos americanos (AP)

Do outro lado da cerca estava Richard Milhous Nixon, natural de Yorba Linda, na Califórnia, e então o 37º presidente americano, eleito pelo Partido Republicano em 1968. Estava gozando o poder que já havia guarnecido entre 1953 e 1961, quando era vice de Dwight Eisenhower. Vivia seu segundo ano de mandato e passava por cortados complicados, como a situação no Vietnã e a economia americana desregulada. Ao menos, podia se gabar de ter visto e recebido os astronautas vindos da Lua e de ter reatado relações com a China comunista.

Naquele período, cada um lidava com seus demônios: enquanto Nixon se entortava para explicar os motivos da Guerra na Indochina, Elvis tomava repreendas de sua mulher, Priscilla, e do pai, Vernon, por estar gastando desenfreadamente com o que faturava em shows. Sem dar motivos a imprensa e querendo fazer o que quisesse, o Rei pegou o primeiro voo comercial rumo a Washington. Na cabeça, a ideia de conversar com Nixon no tete-a-tete.

Elvis não era mais um guri que precisasse de freios, dispensou até os guarda-costas na viagem e se disfarçou entre os comuns, adotando o nome de John Burrows e até interagindo com quem estivesse no avião. Os pobres mortais que papeavam com aquele sujeito mal podiam imaginar que, durante o caminho para a capital americana, estavam trocando trela com o figurão mais famoso da musica yankee daqueles tempos.

Nixon cumprimenta Sonny West e Jerry Schilling (esq-dir) durante a reunião com Elvis. Os dois foram os acompanhantes do Rei na aventura pela capital (AP)

Ao chegar a Washington, procurou a Casa Branca, mas decepcionou-se quando soube que só poderia ser atendido três dias depois. Sozinho numa sexta-feira na capital, Elvis teve que procurar o que fazer, pois não gostava de ficar totalmente sozinho. Resolveu voltar ao aeroporto e ir até Los Angeles (parece fácil, não? Quase como um Taxi!) onde buscaria o amigo de infância e ex-guarda-costas pessoal Jerry Schiling, que à época trabalhava como editor na Paramount Pictures.

Ele era o primeiro a saber da aventura de Elvis em busca de Nixon. Até ali, não havia alma naquele país, a exceção de Schilling, que sabia daquela aventura maluca do Rei do Rock. Enquanto voavam de volta a Washington, Elvis aproveitou o tempo livre para escrever uma carta ao presidente, abordando vários assuntos, como a cultura da droga, o antipatriotismo e que se colocava ao serviço caso Richard precisasse de uma mão. Tudo isso escrito num bloco de anotações que vinha de brinde no banco que estava no avião. Notadamente, da American Airlines.

Eis o texto:

Parte inicial da carte de Elvis à Nixon, redigida em blocos de anotação da American Airlines durante o voo (Reprodução)

Prezado Sr. Presidente,

Primeiro eu gostaria de me apresentar. Sou Elvis Presley e admiro o senhor e tenho grande respeito pelo seu cargo. Falei com o vice presidente Agnew em Palm Springs há 3 semanas e manifestei a minha preocupação pelo nosso país. A cultura da droga, os elementos Hippie, a SDS, os Panteras negras, etc., não me consideram seu inimigo ou como dizem , o ‘Establishment’.

Eu chamo isso de América, que eu amo. Estou e estarei à disposição para ajudar o meu país. Não tenho outro interesse ou motivo senão de ajudar o país. De modo que não desejo receber um título ou uma nomeação. Posso e poderei ser mais útil se for designado Agente Federal Independente, e poderei ajudar melhor através das minhas comunicações com gente de todas as idades. Acima de tudo, sou um ‘entertainer’, mas tudo quanto preciso são as credenciais Federais.

Estou no mesmo avião com o senador George Murphy e nós tivemos discutindo os problemas que o nosso país enfrenta. De modo que estou hospedado no Washington Hotel, quartos 505-506-507. Tenho dois homens que trabalham comigo, chamados Jerry Schilling e Sonny West. Estou registrado com o nome de John Burrows. Ficarei aqui o tempo necessário para receber as credenciais de Agente federal. Fiz um estudo profundo sobre o uso de drogas e técnicas comunistas de lavagem cerebral e estou bem no meio de tudo isto, onde posso ser mais útil. Tenho satisfação em ajudar contanto que tudo seja mantido em confidência.

O senhor pode mandar o seu pessoal ou quem quer que seja me telefonar a qualquer hora do dia ou da noite hoje ou amanhã. Fui nomeado para o ano que vem, um dos dez jovens de maior destaque da América. Vai ser em 18 de janeiro na minha cidade natal, Memphis. Estou lhe mandando uma autobiografia resumida sobre mim mesmo, para que o senhor possa compreender melhor este método.

Eu gostaria muito de vê-lo só para dizer alô, se o senhor não estiver muito ocupado.

Respeitosamente, Elvis Presley.

P.S.: Creio que o senhor também foi um dos dez homens de maior destaque da América. Tenho também um presente pessoal para o senhor que gostaria de lhe entregar, e o senhor pode aceitá-lo ou vou guardá-lo para o senhor até que possa recebê-lo.

Depois de um fim de semana de espera, pediu na segunda-feira que um de seus guarda-costas, Sonny West, os encontrasse na capital. Assim feito, Elvis foi de volta ao famoso endereço da Avenida Pennsylvania para tentar a audiência. Não é preciso dizer que sua presença sem mais nem menos espantou os seguranças de plantão. Eles receberam a carta do cantor e a levaram imediatamente a um dos auxiliares de Nixon, Dwight Chapin, que redigiu o pedido em memorando.

Egil Bud Krogh, responsável por registrar o encontro de Elvis com Nixon (AP)

Entraves burocráticos para lá, lero-leros para cá, enfim a visita foi aprovada. Era a manhã do dia 21 de dezembro de 1970 quando, enfim, Elvis e Nixon estavam frente a frente. E não pense que Presley só queria mesmo apertar a mão do presidente, trocar um papo qualquer e se mandar. Nada disso! Elvis tinha sim um objetivo em mente: receber um distintivo como agente federal da divisão de narcóticos. Um fato tão curioso quanto, já que o Rei do Rock estava começando a se aproximar perigosamente de drogas controladas mesmo tendo feito, no seu ultimo filme, o papel de um médico que trabalhava numa clinica de reabilitação de viciados.

Contradições a parte, e por incrível que pareça, o encontro de Elvis com Nixon foi registrado por outro dos auxiliares de Nixon, Egil Bud Krogh, detalhe por detalhe. Se é verídico ou não, vamos ao que ele contou:

O encontro se iniciou com tomadas de fotos do presidente e de Elvis Presley. Presley imediatamente começou a mostrar ao presidente a sua parafernália legal, inclusive distintivos da policia da Califórnia, Colorado e Tennessee. Presley disse que estivera se exibindo em Las Vegas, e o presidente respondeu que sabia como era difícil apresentar-se naquela cidade.

O presidente mencionou que achava possível Presley alcançar a juventude e que era importante que Presley conservasse a sua credibilidade. Presley respondeu que fazia isto apenas cantando. Disse que não podia chegar perto dos jovens se fizesse um discurso no palco: que tinha de alcança-los à sua maneira. O presidente concordou.


Presley disse que era de opinião de que os Beatles haviam sido uma força considerável para o espírito antiamericano. Disse que os Beatles tinham vindo a este país, ganho dinheiro e voltado à Inglaterra, onde lançaram um tema antiamericano. O presidente fez um gesto de assentimento e expressou certa surpresa.

Em seguida, o presidente disse que os usuários de drogas são também aqueles que estão na vanguarda do protesto antiamericano. A violência, o uso de drogas, a dissensão, os protestos parecem todos fundir-se no mesmo grupos de jovens. Presley, muito emocionado, disse ao presidente que ´estou do seu lado´.

Presley ficou repetindo que queria ser útil: que queria recuperar o respeito pela bandeira, que estava se perdendo. Mencionou que não passava de um menino pobre do Tennessee, a quem o país dera muito, e que, de certa maneira, queria pagar de volta.

Ao fim do encontro, Presley voltou a dizer ao presidente quanto o apoiava e, em seguida, num gesto surpreendente e espontâneo, pôs o braço esquerdo em volta do presidente e o abraçou. Ao sair, Presley perguntou se se importaria de receber os seus dois associados. O presidente concordou e eles entraram para apertar rapidamente a mão do presidente. Nesse encontro, o presidente lhes agradeceu os esforços e voltou a manifestar a sua preocupação com a credibilidade de Presley.

Uma pistola Colt 45, edição comemorativa da Segunda Guerra Mundial. Igual a esta, Elvis presenteou a Nixon. E o Rei do Rock, feliz, deixou a Casa Branca com os distintivos da Narcóticos que tanto queria (Reprodução)

Na oportunidade, Elvis presenteou à Nixon com uma pistola Colt 45 raríssima, edição comemorativa da Segunda Guerra e retirada da coleção particular do cantor. Dalí, Presley saiu feliz e satisfeito, carregava consigo a tão desejada medalha de oficial do órgão federal de combate as drogas.

E assim cada um seguiu seu caminho, Elvis voltou aos seus shows e aos seus demônios, que só teriam fim com sua morte repentina em 16 de agosto de 1977, aos 42 anos. Neste dia, Nixon já vivia-se recolhido da política americana depois de renunciar a presidência por conta do Watergate, em 1974. Ele morreria em 1994, sendo mais lembrando como o cara do escândalo do que o homem que colocara um ponto final na Guerra do Vietnã, que tanto lhe acoçou.

Mas, como uma gentileza simples, a história trataria de registrar o encontro para sempre. As fotos da reunião são as mais requisitadas no Arquivo Nacional dos EUA, quase como uma forma de comprovação de algo tão curioso que parece lenda. Isto fora as duas reproduções da visita feitas em filme, a primeira de 1997 e a última lançada ano passado (Elvis & Nixon), com um teor cômico e instigador de curiosidade. Na produção de Liza Johnson, Michael Shannon interpreta Elvis e compensa a falta de semelhança com uma boa atuação. Já Kevin Spacey, na pele de Nixon, exagera no humor e no burlesco para suavizar o encontro.

Seja como foi, o encontro de Elvis com Nixon é apenas uma das tantas e folclóricas histórias que o Rei do Rock deixou de presente para uma legião de fãs, sempre ávidos a descobrir alguma aventura ousada esquecida protagonizada pelo morador mais famoso de Memphis. E outras virão, pode crer.

Por hoje é isso, um grande abraço e até a próxima!

2 comentários em “Som n’A BOINA #16: Elvis e Nixon, o dia que o Rei bateu a porta da Casa Branca”

  1. André,
    Dois figuraços. Elvis apesar das drogas um grande cantor do Rock, Nixon bem foi feito impeachment por menso que vem acontecendo com Temer e outros. Perdeu Eleição para J.F. Keneddy, se recuperou mas fez cagadas.
    Uma bela postagem e uma pesquisa de primeira, parabéns.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau

  2. Pingback: Som n’A BOINA #23: Elvis em 10 momentos | A Boina

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