(Douglas Sardo)
Quem diria! A primeira vez que o SnaB coloca o quarteto de Liverpool em destaque e, logo, começa falando do apoteótico Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, que este ano alcança os 50 anos do lançamento e alucinação em forma de Rock. Mas esqueça os exageros midiáticos, aqui não há aquela exaltação cega de sempre para a obra, oitavo trabalho de estúdio dos Beatles. O disco da colorida banda do Sargento Pimenta não é sequer o melhor álbum do Fab Four, quem dirá o melhor trabalho da história da música.
Mas calma, não se assuste. Isso não quer dizer que você não deva ouvir esse clássico dos anos 60. Ele faz parte do modus-operandi de qualquer fã ou apreciador do grupo. Uma obra que marcou um ponto crucial na carreira da banda que passava por uma mutação. Deixavam a faceta de pop-stars adolescentes comportados e bem-vestidos para assumir a de uma banda adulta com grande criatividade e principalmente, disposta a calar a boca de muitos críticos que diziam que estava tudo acabado para eles após uma turnê fracassada pelos EUA.
Se tornou um tabu: Sgt Pepper’s é o melhor álbum de todos os tempos. Vira e mexe alguém decide fazer esse tipo de lista (no caso mais notável, a da Rolling Stone) e o disco lançado pelos garotos de Liverpool há exatos 50 anos costuma fica em primeiro. Inicialmente é uma recompensa fantástica para um trabalho receber tamanho elogio. Porém, com o passar dos anos tenho a impressão de que esse tipo de lista colocou um peso excessivo nas costas do álbum.
É o que o leitor pode perceber por alguns comentários não só na vastidão da internet, mas na análise de quem trabalha com música e escreve sobre o assunto: com uma expectativa tão grande lançada, é difícil que alguém escute o álbum e fique realmente satisfeito. Afinal, você não está ouvindo qualquer álbum. Você está ouvindo O álbum.
Muitos vão escutar Pepper’s e simplesmente pensam que vai ser a grande revolução em suas vidas, ou simplesmente na forma como escutam música. E penso que isso acaba atrapalhando um pouco, já que até mesmo em volta da obra do quarteto há muita coisa tão boa quanto. E isto só falando dos Beatles, excluindo outras obras ousadas e igualmente recompensadoras da época.
Bom, posso dizer que no meu caso, o álbum teve sim uma importância muito grande. Talvez não tenha sido a explosão mental que tive com Are You Experienced de Jimi Hendrix, que eu ouvi pela primeira vez na mesma época há uns 10 anos atrás e que certamente será comentado por aqui em outra oportunidade. Mas foi um disco que me impressionou bastante.
Ah! E uma semana após o lançamento do Pepper’s, Jimi Hendrix estava tocando isso em seus shows:
Eu também tinha uma certa expectativa pelo som. Afinal eu sabia das tais listas e também ouvia falar que se tratava de um álbum conceitual, outro dos mitos que cerca o disco. E não querendo desanimar quem ainda não ouviu ou já ouviu e anda meio iludido, mas o Pepper’s não é um disco conceitual.
Mas não se assuste (de novo)! Isso não é nenhuma ofensa! Não mesmo! Na verdade o plano dos Beatles era fazer um disco com esse conceito, o da banda do Sargento Pimenta e todas as músicas tinham que ter conexão com esse tema e tudo mais. Só que tirando a faixa de abertura, a sequência com With a Little Help from my Friends e a reprise no final do disco, a verdade é que as músicas não tem nada a ver umas com as outras.
E Porquê? Bom, se você me perguntar eu digo que os Beatles perceberam que essa ideia de conceito era uma armadilha! Por que deixar uma música boa de fora só porque ela não tem nada a ver com esse tal conceito e manter outras medianas só porque estavam dentro do plano? No final, quem perde é a qualidade do disco.
Quer um exemplo? Tommy, do The Who, lançado dois anos depois. E olha que eu amo esse álbum mas, convenhamos, tem várias coisas ali que são claramente fillers, só estão ali para encher o álbum duplo e contar a história. São músicas ruins? Não, elas até são legais mas a maioria não está no mesmo nível de Pinball Wizard, o grande clássico do álbum e que, coincidentemente, era a música que eles fizeram por exigência da gravadora, que exigia algo sobre esportes para sair um pouco da temática amarrada do álbum.
Avançando mais dois anos no tempo, em 1971 o The Who deu outro exemplo de como essa coisa de conceito é uma faca de dois gumes. Pete Townshend queria um álbum em torno do seu projeto Lifehouse, ou seja, mais um disco contando uma história sobre um personagem, com músicas muito boas e outras meio bobas apenas para amparar a narrativa. Não deu certo o tal projeto e o Who acabou lançando um apanhado com as melhores músicas que eles tinham no arquivo. O resultado é o melhor disco da carreira dos caras: Who’s Next.
Antes que você pense que eu não gosto do Who dou mais um exemplo: o clássico The Wall, do Pink Floyd. E pensar que tem gente que acha o Sgt. Pepper’s superestimado… O The Wall é um bom exemplo de disco que estava claramente abaixo dos trabalhos anteriores do Floyd, mas ganhou uma reputação absurda por causa dessa ideia de conceito e também porque a banda havia se tornado uma unanimidade.
Mas o fato é que entre alguns momentos sensacionais como Confortably Numb, o álbum é recheado de músicas mais ou menos sobre a paranoia de Roger Waters. Ele domina completamente o disco, o que é uma pena, pois ele é chato como sempre. Grande músico, claro, mas chato.
Então, toda vez que você ver alguém dizendo: Sgt. Pepper’s nem é um álbum conceitual, você pode dizer pra essa pessoa ou simplesmente pensar consigo mesmo: É? Grande coisa! Isto posto, vale lembrar do que foi considerado pelo grande George Martin como o maior erro da carreira dos Beatles: eles deixaram de fora do álbum Strawberry Fields Forever e Penny Lane, as músicas que formaram um dos melhores singles da história e que foram compostas e gravadas na mesma época do disco.
Nesse single já dá para perceber a natureza competitiva da dupla John Lennon e Paul McCartney: Lennon chegou com uma música sobre sua infância (ou pelo menos memórias lisergicamente distorcidas delas, pois ele morava perto de um lugar chamado “Strawberry Fields”), e quando Paul viu aquilo deve ter pensado: vou fazer também uma música sobre minha infância! E aí veio Macca com Penny Lane, um conto sobre uma rua, um lugar de seu passado (na verdade, o único Beatle que morou em Penny Lane foi Lennon).
Adeus, público! Ola, experimentalismo!
Internamente, o álbum também representava uma ruptura: a banda havia feito em 29 de Agosto de 1966 aquela que seria sua última apresentação diante de um público pagante. Pela primeira vez desde o final de 1962 (talvez até antes) os Beatles tinham férias. Não havia disco para gravar, shows para fazer, apresentações televisivas, filmes. E quase não havia mais banda.
Pouco se comenta, mas o fab-four vinha de um momento ruim, por incrível que pareça. Os shows estavam fracos, as apresentações nunca tinham sido tão displicentes, faltava entusiasmo. Os quatro estavam muito cansados de tantas viagens, e não aguentavam mais as patacoadas comerciais de Brian Epstein, o empresário da banda.
O choque de realidade veio na famosa apresentação no Budokan, em 1966 (uma barbada de se achar na internet em forma de bootleg). A platéia japonesa era extremamente comportada, não fazia o barulho ensurdecedor que havia se tornada marca registrada da banda. Resultado: todas as falhas ao vivo expostas. bMais interessante é notar que eles sequer tentaram colocar alguma música do recém-lançado Revolver (seria esse o melhor álbum dos Beatles?) no set list. Provavelmente porque eram harmonias muito difíceis, músicas mais complexas, mas também porque faltava empenho da banda.
E mais, além das apresentações fracas e do público diminuto nos Estados Unidos durante a turnê, os Beatles começaram a receber ameaças terroristas. Um cenário que só piorou quando eles voltaram para a Inglaterra e John Lennon deu sua famosa declaração nós somos maiores que Jesus. A frase foi colocada fora de contexto e tal, mas depois dessa ficou difícil de acreditar que a banda só parou com as turnês por causa da fadiga.
E o fato é que para muita gente, antes do Pepper’s os Beatles estavam acabados. Quando George Harrison voltou para Inglaterra, ele falou que estava deixando a banda, mas foi convencido a ficar pela promessa de acabarem com as turnês. Na real, Harrison estava fascinado com a Índia, com o som inebriante da cítara e com o sensacional virtuoso deste instrumento, o indiano Ravi Shankar.
Então a verdade é que o Pepper’s foi um disco de redenção do grupo. As manchetes da época diziam: Onde será que estão os Beatles, se recuperando da última ressaca? E quando todos achavam que eles eram carta fora do baralho, eis que fizeram o disco que os elevou para uma nova dimensão.
Quando Pepper’s saiu, os Beatles não eram só grandes músicos, eles se tornaram personalidades culturais relevantes. Suas opiniões eram divulgadas como se eles fossem pensadores. Tanto que muita gente foi atrás do guru Maharishi naquela época só porque os Beatles foram lá.
Essa é só uma parte da história, a gente não quer reescrever o que todos já falaram, sobre os truques de estúdio, a origem das músicas e tudo mais. Só olhar de uma outra forma para esse momento, que merece com toda a certeza uma merecida reverencia por seu surgimento na música internacional e, por alguma forma, ter oxigenado o fab four por mais algum tempo no cenário musical.
E para fechar, André e eu escolhemos nossas músicas favoritas do Pepper’s, e nosso lado preferido do Single:
Músicas do Douglas:
1 – A Day in the Life (Minha aposta para melhor música dos Beatles de sempre!)
2 – With a Little Help from My Friends (Como não amar esse hino? A melhor música deles cantada pelo Ringo, quer dizer, Mr. Billy Shears. Aqui em show de 2010)
3 – Within You Whithout You (Épico de música indiana)
(menção honrosa para Being for the Benethit of Mr. Kite)
Single: Strawberry Fiedls Forever, uma verdadeira viagem sonora (Você tem que botar essa música no som máximo sonzinho na sua casa um dia!)
Musicas do André:
1 – Lucy In The Sky With Diamonds (Agradecimentos a Julian Lennon por esta lisergia em forma de Rock, e que virou nome de droga…)
2 – Lovely Rita (Me faz pensar em uma bela mulher sendo descrita na música. Não pelo nome da canção em si, outras coisas)
3 – Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise) (Será que sou o único louco que gosta desta versão da canção-titulo?)
(menção honrosa para When I’m Sixty-Four. E como falaram desta música quando o Paul chegou as 64 primaveras…)
Single: Penny Lane (Fala de uma rua, mas me soa como uma canção romântica. Belíssima!)
Enfim, fica ai a reverencia do SnaB a esta obra dos Beatles. Que forma melhor para começarmos a colocar o fab four em nossa página musical? E a dica que fica é descobrir este disco, aprecia-lo e curti-lo, não como o maior de todos, mas como um dos maiores.
Sem mais por hoje! Keep on Rolling! e até o próximo SnaB!
André mania!
Mais uma bela pesquisa musical e com os reis de Liverpool ou do mundo. Tive quase todos os LPs (Disco de vinil) dos Beatles e ainda tenho todas as músicas deles.
Com os instrumentos que possuíam à época, tocaram demais. Imagina com a facilidade de hoje. Mas creio que por isso que fizeram tanto sucesso. É como na formula 1, corrida desproporcional que na realidade é só de marcas, o Senna fazia a diferença com carro inferior.
Grande The Beatles!
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau