Como bem sabemos – e até o SnaB fez menção – este ano recordamos as quatro décadas da noite fatídica de 16 de agosto de 1977, quando o mundo era despertado com a notícia de que o Rei do Rock ‘n Roll tinha se calado para sempre. Estava morto no banheiro de Graceland, sua majestosa residência em Memphis, Elvis Aaron Presley, e o mundo da música se vestia de luto num cortejo fúnebre embalado pela My Way cantada pelo ilustre filho de Tupelo.
Os meses passaram, os fãs ainda fungavam o choro quando, dentro dos estúdios da Sun Records, onde Elvis nascera para a música, um cidadão do Alabama apareceu. Ex-tratador de cavalos, tinha vindo da pequena cidade de Orrville em busca do sonho de ser cantor. Mas muito além desta porta aberta na lendária gravadora, o rapaz acabava mergulhando numa história no mundo da música que daria origem a uma das lendas pop mais populares de todos os tempos. E o incrível: por um momento, quem o visse podia jurar que a lenda era verdade.
Quem não conhecia, hoje vai começar a saber quem era Jimmy Ellis. Ou melhor, quem era o misterioso Orion, o Elvis por trás da máscara e que, acredite, não queria ser Elvis, mesmo tendo feições e o timbre de voz quase clonados do Rei.
De artista sonhador a pivô de lenda
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Como bem frisado na introdução, James Hughes Ellis nasceu em Orrville, no Alabama, dez anos depois de Elvis, em 1945. Fascinado pela música, era uma verdadeira sensação nos concursos e shows de talentos nas redondezas donde morava desde 1962, quando participou da primeira competição. Vencia todos notadamente contando com o seu trunfo mais surpreendente: tinha o timbre de voz e as feições quase cópia-carbono de Elvis.
Para se ter uma ideia, 1962 era o ano que Presley ainda dividia-se entre filmes e discos mas começava a tomar os primeiros cutucões musicais do que vinha da Inglaterra (leia-se Beatles). Ellis tinha sonhos com a música, mas nunca deslanchou como um astro do pop. Apesar disto, era de uma família abastada e trabalhava como ginete de exibição, sendo muito habilidoso.
No entanto, em 1970, eis que Jimmy deixa a vida de cavalgar para megulhar de vez na música. Muda-se para Los Angeles para tentar a vida, mas não é nada tão fácil como se parece. Para garantir o ordenado no fim do mês, Ellis cantava em clubinhos, bares e restaurantes, buscando também algum reconhecimento. A vida era essa até 1977, quando Elvis morreu e a sorte – ou melhor, a Sun, bateu-lhe a porta. Era o começo de uma história que viraria lenda e seria guardada nos anais curiosos da música mundial.
Sai Jimmy, Entra Orion – A jogada maluca do dono da Sun
Nos estúdios da Sun Records, entre um cigarro e outro, o proprietário dos estúdios Shelby Singleton foi tolhido por uma ideia no mínimo bizarra partindo de um romance literário mirabolante: Após a morte de Elvis, a escritora Gail Brewer-Giorgio lançara sua novela fantástica intitulada Orion. Na trama, ela conta a história de um cantor que fingia a própria morte para fugir do peso da fama, tomando como base a morte de Elvis, ainda fresca nas atualidades daqueles tempos.
Singleton tinha a ideia de inserir uma trilha sonora em um livro com a ideia de, no futuro, converte-lo em um filme. Para interpretar o personagem-título, uma de suas produtoras deu a nota: Ela já conhecia Ellis e o indicou para Shelby, mas apenas com um complicador: Shelby teria de bancar o cantor misterioso, que não poderia mostrar totalmente o rosto.
Vá imaginando a trama: um livro sobre um cantor que finge a morte para escapar da fama. Uma ideia de inserir música de verdade na trama do livro para um futuro filme. A lenda do Rock recém-morta e um cantor que tinha feição e voz quase cópia-carbono. Já dá pra imaginar, por cima, o que vem por ai no caminho de Jimmy Ellis e, por conseguinte, no mundo da música.
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Não demorou para que Shelby procurasse Ellis para lhe ofertar a ideia. No começo, o promissor cantor não se sentiu muito a vontade com a história, ainda mais com o fato de ter de usar uma máscara de meio-rosto para ocultar sua identidade. Mas o manager da Sun foi duro na queda e lhe deu uma oferta irrecusável: ou põe esta máscara ou pode voltar para o Alabama para cuidar de seus cavalos. Era a chance lhe batendo na porta, mesmo que Ellis não pudesse ser ele mesmo.
Logo, Jimmy Ellis estava oculto pela máscara de Orion, seu pseudônimo, transformando-se num sucesso inesperado e tomando de assalto os ouvidos de fãs de Elvis que, ao dar de olhos com o cantor da máscara, foram pegos entre susto e emoção. Era a voz do Rei, os trejeitos do Rei e alguns elementos mais do Rei. A fama tinha chegado. Turnês, banda própria, manager próprio, aparições na TV e por ai afora. É o que todo o cantor quer, naturalmente.
Olhe só uma exibição de Orion ao vivo na TV:
Todo o cantor… menos Jimmy Ellis. E digo, desta vez, me referindo a Jimmy e não a Orion, o personagem. Ele odiava o fato de ser uma caricatura, um ser fantasioso que começava a instigar a curiosidade de todo mundo. Graças a Orion, começavam a surgir notícias sensacionalistas e teorias da conspiração de que o cantor por trás da máscara era mesmo Elvis, que a história criada por Gail em seu livro era uma parte de um plano arquitetado por Presley para escapar da fama e cantar sem pressão do show bizz e sem a perseguição midiática de outrora.
Em 1978, veio o primeiro disco – Reborn – que teve de trocar a primeira capa, estranha e um tanto perturbadora, por algo mais sutil e cheio de azul. Mas enquanto a fama e a lenda – lenda esta que dura até os dias de hoje – nascia, crescia e aparecia, Ellis não aguentava mais o peso de Orion. Ele mesmo não se considerava de forma alguma um imitador de Elvis (ele mesmo diz isso na canção abaixo), como tantos que já começavam a pipocar. Imaginava poder fazer sucesso sendo ele mesmo e escrevendo as próprias canções (este último como já fazia, e até que muito bem).
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Nesta ciranda, o psicológico de Ellis começou a pedir seu preço. O cantor começou a sofrer de crise de identidade, chegando a acreditar que pudesse ser um irmão bastardo de Elvis, filho de Vernon Presley quando este passou um período vivendo próximo donde Ellis vivia, no Alabama. A pressão, então chega a tal ponto que, cansado da vida dupla, tomou uma decisão que podia ser seu crucifixo definitivo no show business: acabar com a história por si próprio. Era o jeito.
A morte do personagem, o fim do sucesso
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E foi o que ele fez. Na véspera do ano novo de 1983, em um show para cerca de 15 mil pagantes e ao final da apresentação, Ellis rasga a máscara e revela sua identidade que, até então, era um mistério até para a própria imprensa mais especializada. O preço foi alto tanto para a carreira de Jimmy quanto para a iniciativa de Shelby, que mesmo com uma avalanche de clones de Elvis interessados em ressuscitar Orion aparecendo em sua porta, decidiu botar por fim o projeto mesmo contrariado. E detalhe: para amigos íntimos, Shelby chegara a dizer que Ellis cantava melhor que Elvis.
Sem a máscara, Jimmy tentou continuar nos palcos por si mesmo, o que passou do mundo do show business para uma simples ocupação de cantor. Esporadicamente usava a máscara apenas para pequenos revivals em shows que, ainda nos anos 90, atraiam um razoável público e garantiam um bom dinheiro, renda que era complementada apenas com os negócios da família.
Com o correr dos anos, Ellis cuidava de uma loja de bebidas, uma conveniência, um posto de gasolina e de uma casa de penhores, que lhe permitiam uma vida confortável além da de cantor. Infelizmente, um lance da vida acabou calando a voz do homem por trás da máscara em 1998, quando ele e a esposa foram assassinados na casa de penhores que mantinha por um homem armado. Jimmy tinha 53 anos.
Considerações: Um Elvis que não queria ser Elvis
Morria o homem, mas a lenda acabou ficando no ar. Grupos que estudam as tais teorias da conspiração ainda hoje se debruçam em hipóteses mirabolantes e investigações curiosas com relação a morte falsa de Elvis. Alguns ainda vão mais longe e chegam a afirmar que Orion era mesmo Elvis mesmo depois de Ellis provar o contrario. Seja como for, a jogada de marketing da Sun naquele momento sombrio foi o suficiente para colocar a pulga atrás da orelha de muita gente e construir uma das teorias conspiratórias mais famosas do mundo pop.
Quanto a Jimmy Ellis, é inegável seu talento e sua capacidade como cantor, especialmente pela potência de voz, nitidamente parecida com a de Elvis sem nenhuma maquiagem nem alteração vocal proposital. Sobre Orion, eu e meu bom amigo de PG2 e de música, Daniel Castelani, demos destaques em algumas conversas, com Daniel dizendo que ele realmente imitava Elvis por conta do figurino que utilizava muito parecido com o do Rei e outras coisas mais.
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Mas, analisando a história a este ponto, penso ainda que Ellis apenas aproveitou o bonde da história para chegar aonde queria chegar: ao sonhado destaque no mundo da música. A questão de incorporar um estilo como o de Elvis foi parte do jogo de marketing orquestrado pela Sun com base em Orion e que, talvez, poderia ter sido qualquer outro cantor sem ser o recém-morto Rei do Rock.
Em suma, e sem querer, Ellis imitou Elvis, mesmo que Ellis não queria ser Elvis. Ele mesmo afirmara, em uma entrevista em 1997, que a sua voz era, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição. Benção por lhe permitir ser famoso e cantar bem, mas uma maldição por acabar ficando sempre à sombra das lembranças de Elvis.
Foi um curso providencial da história para Jimmy, que se viu famoso mesmo agindo contra sua verdadeira vontade profissional, e para os anais da música, um conto interessante que gerou uma lenda e deixou algumas músicas bacaninhas a mais no cancioneiro do Tio Sam. Ellis ficou na história e criou uma lenda que, até hoje, tem quem a estude e acredite que Elvis não morreu, apenas voltou para casa, mesmo que alguns se perguntem se esta casa era Graceland ou em algum lugar no Alabama.
É isso, nos vemos no próximo SnaB! Até lá!