Estamos em 1967, onde o mundo viva uma convulsão total entre conflitos, imposição de ditaduras e a efervescência de uma juventude inconformada, em busca de um rumo que não fosse o comum, o padrão condutor de uma vida social simples e cega aos gritos por paz e amor verdadeiros. A guerra do Vietnã causava os primeiros movimentos pela paz e questionadores de sua necessidade, impulsionando tudo que viria a seu galope, sobretudo flores, cores e liberdade.
O Flower Power tomava conta das esquinas, partindo de uma cosmopolita cidade californiana para se tornar uma filosofia central da contracultura reinante naquele período. San Francisco, de arquitetura e atmosfera únicas e que passaria a assistir uma romaria de jovens de todas as pontas dos EUA de pés firmes em ideias de um mundo colorido, florido e abominando terminantemente a carnificina e o ódio patrocinado pelos movimentos políticos ao seu redor.
E qualquer um, qualquer um mesmo poderia ter levantado sua voz em forma de canto para comprar aquele movimento e ebulição em forma de hino. Mas toda essa poesia no ar caiu no colo de um rapaz bigodudo de Jacksonville Beach, na Flórida, cuja voz simples ecoou o que era, simplesmente, uma canção oficial para um festival de música. Era de Philip Wallach Blondheim, que o mundo acostumou-se a chamar de Scott McKenzie e atrelar a ela a voz da contracultura mesmo de forma não-oficial.
O nascimento do hino do “verão do amor” acabaria por ser também o auge deste cidadão que, vindo da Flórida, passou por vários estados até a música cruzar seu caminho. Era vocalista e batia ponto em algumas bandas com shows em casas noturnas apenas pelo soldo mensal. Entre seus amigos, do tempo que integrava o trio folk The Journeymen, estava o Papa John Phillips, simplesmente o artífice do que seria o The Mamas & The Papas, outro símbolo daquele momento musico-cultural ligado ao Flower Power.
Foi da mão de Philips que nasceram as linhas simples, soando quase como um vento calmo e livre entre a melodia sutil criada para ela. Ela nasceu como promotora do Festival Pop de Monterey daquele 1967, colocando no palco nomes do calibre de Jimi Hendrix, Otis Redding, The Who, o virtuoso da cítara indiana Ravi Shankar, os próprios Mamas & Papas (John foi um dos organizadores do festival) e, claro, a melodia de McKenzie, um dos pontos altos.
Ele foi chamado ao palco pela voz da então esposa de Phillips, a saudosa e icônica Mama Cass Elliot. Logo, o jovem de bigode e quase como fosse uma túnica branca cantou suavemente um tema que já incomodava ditadores e regimes sanguinários, levava ao repúdio o conservadorismo cego e cruel e inflamava uma galera disposta a descarregar flores em nome de um ideal tão utópico quanto necessário em tempos como aqueles.
Permeada por nuances do chamado “bubblegum pop” mas com toques de cítara e sinos de vento, “San Francisco” virou a marca de uma década, um hino tão grande quanto o próprio intérprete. A melodia assombrou a Primavera de Praga e fez jovens serem presos na Alemanha Oriental por, simplesmente, a ouvi-la nas vitrolinhas craqueladas daquele lado da cortina-de-ferro. Ela foi colocada ao lado da apoteótica “All You Need Is Love”, dos Beatles, como uma das melodias mais inspiradoras daquele período, e eu repito: ao lado do quarteto de Liverpool, uma melodia apenas, “uma nota só” do jovem Scott, e poderia ter sido de qualquer um, foi dele, merecidamente.
McKenzie, retirado da carreira musical depois daquele período e trabalhando apenas nos bastidores, era celebrado enormemente nos palcos que cantava pela canção que era uma pura volta no tempo de flores e cores. Infelizmente, os efeitos nefastos da Síndrome de Guillain-Barré o acompanharam no período final de vida. Em 18 de agosto de 2012, a voz de “San Francisco” virava o vento suave que tanto cantava naquele verão do amor de 1967 e partia, deixando a obra e o recado no ar, em cada canto de um planeta outra vez permeado por sangue, conflitos, ódio e ignorâncias.
“Quando San Francisco foi lançada na primavera de 1967, meu país vivia um caos. Além de sofrermos por assassinatos políticos, estávamos amargamente divididos pela escalada da Guerra do Vietnã e sangrando por atos internos de violência e ódio, muitos deles como reação a pacíficos protestos e demonstrações pelos direitos civis. Mesmo quando tantos de nós já havíamos perdido as esperanças, quando o Verão do Amor já estava se transformando num Inverno de Desespero, nossa música nos ajudou a manter-nos vivos e nos levar em frente num mundo que ainda tínhamos esperança de mudar. E ela ainda faz isso hoje“,
Palavras do próprio, que até hoje, em versos de John Phillips, nos dá um recado:
Se você estiver indo para São Francisco
Certifique-se de usar algumas flores em seu cabelo
Se você estiver indo para São Francisco
Você vai conhecer algumas pessoas gentis lá
Para aqueles que vão para São Francisco
O verão será de muito amor por lá
Nas ruas de San Francisco
Pessoas gentis com flores em seu cabelo