BC antiga: O passado (não muito distante) de Balneário Camboriú

Ela é uma espécie de Miami brasileira. Disputa pau a pau o título com a já consagrada Jurerê Internacional, em Florianópolis, no mesmo nível de fascínio, riqueza e luxo no verão de cada ano. Quem pisa em Balneário Camboriú, por mais vezes que se vá ou a conhecendo pela primeira vez, não deixa de sair da cidade com mais do que um sorriso na cara: BC – como é carinhosamente chamada pelos jovens de hoje – é um espanto em tamanho e magnitude, chamando atenção pela beleza e pelo gigantismo que se projeta ao mar.

Instalada como município à 20 de julho de 1964, emancipando-se da cidade de Camboriú (que, anos antes, era um bairro de Itajaí) e tomando sua identidade como centro de diversão litorâneo nos tempos de verão, Balneário Camboriú tem enraizada em si o passado ainda por descobrir da colonização açoriana dos primeiros povos que ali viveram e constituíram sua vida a beira mar. Vale destacar também a interessante e quase desconhecida ligação com Blumenau, mas precisamente com o Distrito do Garcia, já que descendentes de Thomaz Francisco Garcia vieram povoar a região sul da cidade, emprestando o sobrenome da família para um dos bairros mais populosos da cidade-jardim.

Esta é a praia de Camboriú, onde hoje aflora BC (região da atual Avenina Atlântica). Registro foi feito no início da década de 50, antes da emancipação. Um retiro tranquilo, rodeado por poucas casas mas bem procurado por veranistas das cidades vizinhas (Reprodução)

Com o passar dos anos, a praia calma que atraia moradores de todos os cantos do estado e até de fora dele virou uma metrópole conhecida internacionalmente, por festas, pela estrutura de hotéis e resorts, pelo fervor da alta temporada que a torna uma das mais marcantes entre os destinos litorâneos no Brasil. As luzes noturnas, badalações no dia e na noite, carros luxuosos nas avenidas, uma vida frenética digna de litorais como Ibiza, Miami, Punta del Este e tantos outros.

Agora, nem os jovens mais descolados que vagueiam na Avenida Atlântica em fim de tarde podem imaginar como era aquele pedacinho de chão há, pelo menos, 50 anos atrás. Espanta qualquer um ou provoca incredulidade dizer que nem metade da cidade existia, propriamente dita, naqueles tempos tão ingênuos onde biquíni era peça de escândalo pouco vista nas praias, onde os carros estacionavam encostados na praia e onde as fotos batidas durante as férias só eram vistas algumas semanas depois. E mais, sendo morada de verão de um ex-presidente da república, no caso João Goulart, que tinha residencia na cidade.

Numa navegada pelos arquivos históricos da internet, um achado precioso traz aquele espanto com o passado praticamente recente: Trata-se de um registro em filme publicitário feito pelo documentarista William Gerke (o mesmo responsável pelas preciosas imagens da Cia. Jensen em plena atividade) por volta de 1963, antes ainda de BC ser emancipada de Camboriú, fato comprovado pela citação do então prefeito camboriuense Amadio Dalago. No começo do filme, uma rápida passagem pela Praia de Cabeçudas, no litoral de Itajaí.

O estado do filme não é o melhor de todos, com trechos que exigem dos olhos. As imagens e a narração de Oldemar Costa dizem tudo. Vamos viajar no tempo:

Acredite, as modelos que aparecem no vídeo (ali chamadas corriqueiramente de contratadas) são meramente detalhes diante dos destaques do registro. Era um retrato da estrutura hoteleira do município, que começava bem timidamente a despontar nas principais ruas do futuro Balneário. O primeiro destaque é o marcante Marambaia Cassino Hotel, um simbolo dos tempos pioneiros do turismo na cidade. Inaugurado em 1964, ano de emancipação de BC, o Marambaia foi projetado pelo arquiteto Roberto Felix Veronese, um nome muito celebrado da arquitetura modernista daqueles tempos.

O Marambaia ousou pelo formato arrendondado, considerado à época o primeiro hotel neste formato no mundo. Na gravação do filme, o hotel ainda estava em esqueleto armado, pronto para a fase final de construção. Mesmo passados 50 anos, e com o desenvolvimento da cidade a todo vapor criando arranha-céus mais altos e ousados, o velho Marambaia só perdeu mesmo o cassino, já que os jogos de azar no Brasil são proibidos por lei. De resto, o charme e pioneirismo continua o mesmo, e o endereço – de frente para o mar, na Avenida Atlântica – também.

O Hotel Marambaia, simbolo de um glamour futurista do passado que resiste ao tempo no centro de BC, ainda com o mesmo charme e toque sessentista no ar Reprodução)

Outros dois edifícios em destaque são o Arlene (mais tarde Arlene Palace Hotel), à época de propriedade dos irmãos empreendedores Eduardo e Hildo Delatorre e que, hoje, é passado. Foi demolido há alguns anos para dar lugar ao Edifício Atlântico. Outro em destaque é o Edifício Punta Del Este, ainda sobrevivente daqueles tempos, localizado no 1200 da Avenida Atlântica, ladeado por residenciais gigantescos mas sem perder a história em si.

Mas um deles é parte da história de uma das personalidades mais marcantes da história da jovem Balneário Camboriú. O Edifício Pio, também um destacado local para hospedagem de turistas, que tinha como proprietário o homem que seria, em 1965, o primeiro prefeito eleito da cidade: Higino João Pio. Político de larga experiência e muito recordado por antigos moradores de BC, Pio sucedeu a Aldo Novaes, que assim como o primeiro administrador da cidade – Ewaldo Schaefer – foram nomeados diretamente pelo governo estadual, à época de Celso Ramos.

Higino João Pio, primeiro prefeito eleito de Balneário Camboriú e um dos tantos vitimados pelo regime militar, estrangulado e morto na Escola de Aprendizes-Marinheiros em Florianópolis, 1969 (Diário Catarinense / RBS)

Eleito pelo PSD, partido declaradamente oposto a ideologia militar pós-golpe, Pio sofria para tocar o governo diante das tentativas dos opositores de acusa-lo ou desestabiliza-lo. Uma denúncia de corrupção arquitetada pelos partidários ligados ao regime foi o suficientemente para Pio ser detido, junto com outros funcionários da prefeitura, e levado a Escola de Aprendizes de Marinheiros, em Florianópolis. A família seria comunicada da morte em 3 de março, por suicídio. No entanto, a Comissão da Verdade foi categórica ao desmentir, em 2014, que sua morte foi forjada pelo regime. Ele foi assassinado, deixando uma lacuna sentida na rotina do jovem Balneário.

Mas o tempo passou, a cidade seguiu crescendo e os turistas seguiram descobrindo cada canto da praia. Outro registro, feito pelo Arquivo Nacional na série de filmes Brasil Hoje (nº135), registra o município em outro momento, ainda mais povoado de construções a beira-mar e ainda mais repleta de novos frequentadores no dia e na noite:

Veja só alguns recortes do passado (não muito distânte) de Balneário Camboriú (Agradecimento: Clube dos Entas Itajaí e demais arquivos):


Outros tantos registros do passado de BC estão espalhados em páginas na web e até no YouTube, e podem ser facilmente acessados. No entanto, a reação de quem os vê sempre é a mesma: O espanto ao perceber que o tímido Balneário de outros tempos, de poucas casas, carros, hoje é um ambiente onde a riqueza e a badalação permeiam os veraneios de pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo. E ainda, um pedaço de chão que a cada dia muda, se renova, numa constante metamorfose que apaga o velho para dar lugar ao novo. Culpa da BR-101 e da aceleração do mercado da construção civil, que redescobriram a cidade em meados dos anos 70 par nunca mais parar.

O tempo dourado dos Ford Falcon argentinos estacionados pela costa e de farofeiros inocentes com suas festinhas praianas simples e alegres, BC cresce e aparece. Pelas avenidas que, no passado eram até calmas e trigueiras, cruzam hoje veículos último tipo, pessoas das mais diferentes classes sociais e das mais diferentes origens. Um agitado mundo que corre entre suas principais avenidas – Brasil, 3ª Avenida e Atlântica – cuja vida citadina confunde-se com os ambientes próprios para a diversão. Festas, atrações, clima positivo, gente bonita, uma verdadeira metrópole erguida de aço e concreto entre as margens da 101 e o oceano.

Trigueira no fim de tarde, com cara de balneário internacional, BC brinda com paisagens belas e a mistura entre luxo e farofa que ainda lhe permeia de esquina e esquina. Uma cidade que não para de crescer, para os lados e para cima, nem mais lembrando aquele balneário calmo de (poucos) anos atrás (Reprodução)

E a procura pelo que reserva a cidade não para de aumentar. Os números não mentem, apenas revelam o que se vê a olho nu. Todo ano, uma média de 700 mil pessoas passam pela cidade na alta temporada. Em 2015, por exemplo, mais de um milhão estiveram em BC, tornando a cidade um dos 10 mais procurados destinos turísticos do país e o terceiro do estado. Um número respeitável para uma cidade com cerca de 120 mil habitantes e em crescimento acelerado, tendo já um dos metros quadrados mais valiosos de Santa Catarina.

A quem não conhece, mesmo em tempos lotados, Balneário Camboriú convida a dar uma volta pelas suas ruas, que mesmo apertadas e sempre cheias de turistas tal como um formigueiro, são reservas de grandes histórias vindas de várias partes do estado, do país e do mundo.

Uma elegante princesa do mar que cresce e espanta o estado a sua volta, especialmente quando no passado, ela era uma inocente moça trigueira. Esta é a espantosa Balneário Camboriú que você deve conhecer.

1 comentário em “BC antiga: O passado (não muito distante) de Balneário Camboriú”

  1. Mais um belo trabalho e este sobre nossa Camboriú.
    Eu coneci este balneário quando o Hotel Marambaia era luxo, quase nada tinha a não ser pescadores.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau

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