BCX: Blumenau é pop

Como eu admiro e reverencio aqueles que se atrevem a escrever a história desta cidade. E escreve-la na maneira que nem mesmo Blumenau espera.

E nunca é como Blumenau espera: peitaços com os velhos incrédulos, encarando as dificuldades a golpes de sabre de luz, unindo forças a um soco de mãos a mãos, voando alto preso a teias diante o mar do marasmo cultural que teima-se em ser pregado, provando que este canto pintado de germânico é Brasil, é mundo, é pop.

Eu olho emocionado para trás e parece que reverberam em mim as falas do meu compatriota (de reino) André Santos. Meu xará dizia com voz firme e aquela ponta de sorriso no canto da boca, o conhecendo pela determinação de fazer e acontecer: “nós vamos escrever a história nessa cidade”. E diria a qualquer quadrinhista ou ao vulto eterno de Adolfo Aizen, este conto é digno de HQ, de anime a lá CLAMP, de um épico com notas de DC e Marvel.

Estava em São Paulo, e sob a noite paulista contemplava, quase vertido em lágrimas, o feito da Blumenau Comic’s Experience (BCX). Eles conseguiram! André e a Ana Cristina, dois dignos “super gêmeos” capazes de juntar algumas (e certeiras) mãos e, de fato, escreverem a história com H e ares de “estória”, épica, pioneira e vitoriosa. A prova cabal e inconteste de que, outra vez, somos mais do que canecos de chope, mas a referencia do sul a este colorido, emocionante, por vezes saudoso e sempre atual universo pop.

Vou dizer: as minhas lembranças mais distantes trazem os primeiros aventureiros que bateram pés, báculos, nuvens voadoras e foram a luta para mostrar a sua identidade neste cenário. Ainda fortemente movidos por Goku, Sailor Moon, Pokemons e Digimons, surgiram os primeiros suspiros: Anifest, Anime Sports, saiam dos corredores escolares para o pátio de um discreto centro comercial, com seus cosplays, cards e puro suco nerd em seus movimentos.

Anime Sports, uma das pioneiras, ainda nos corredores da EEB João Wiedmann (Reprodução)
Fernanda Koffke e Fred Gonçalves, nos tempos do .Geek (Reprodução/JSC)

É claro, esse universo é bem mais, mas ainda agressiva e marginalizado nos tempos que, eu mesmo digo ser, heroicos. Onde o nerd, o geek, a tribo pop era o “caxias”, o “CDF” da turma, o “fracassado” por tabela. Reprimidos, encontravam em chats virtuais e em pontos quase escondidos, como o saudoso .Geek (leia-se Ponto Geek), o reduto de seus comuns, seus pensamentos e notícias das aldeias que cercavam.

Ainda assim, com tanto quase que sepultado no passado quase oculto, é possível explodirmos em mundo pop num lugar onde tudo é tingido pelas cores alemãs ou pelo desejo quase louco pelo “pão líquido”? Onde toda iniciativa fora da curva é tachada de “fora”, “impossível” ou “não condizente com a cidade”? Tantos tentaram e nunca conseguiram, as vezes ocultados pelas vozes conservadoras e cegas pela mesmice que nos privou chances de ouro. Beto Carrero que o diga.

E aqui, há muito mais do que a pura “oferta e demanda”. Isto é inserir nessa nossa vida cultural um elemento mundial, e faze-lo tomando de assalto a grande casa cultural da cidade: o tradicional Teatro Carlos Gomes, envolto em sua dualidade de clássico a popular, dos grandes concertos a explosão de todas as manifestações quando do Colmeia.

André e Ana – e os conheço bem – não são de se baixar às barreiras, estas não sendo poucas. Pioneirismo sempre tem um ônus a ser pago por capinar um mato nunca explorado em sua magnitude ou esquecido nas lembranças adolescentes. As ideias que André me contava, em papos informais, soavam ousadas: concurso de cosplays, de games, nomes famosos do meio, encontro de tudo que fosse card, anime, filmes, quadrinhos, e tudo isso na grande casa. Era possível?

Os irmãos Ana Cristina Santos Beszczynski e André Santos (Samuel de Oliveira)

“Que petulância!” diria qualquer ser cravado no classicismo cultural, também traduzido de constância existencial. Ora, o mundo pop é tudo isso e tudo isso merece seu lugar. É cultura como qualquer outra, faz parte de um momento contemporâneo que move centenas, milhares, que reúne numa mesma aldeia tantos quantos, independente de onde vem, permeados por personagens, momentos e feitos virtuais, numa constante evolução em nossos tempos.

Petulantes? Eles se atreveram! E como gosto dos atrevidos! Por um fim de semana, o Carlos Gomes, o velho teatro de lendas e gênios clássicos, foi o epicentro do sul brasileiro de todo esse universo. Abriram as portas, arrombaram a festa, coisa de quem é capaz de construir grandes épicos, tais aqueles que você lê avidamente vindos da casa do velho Stan ou da ótima produção nacional.

Heinz Geyer parecia ouvir, sorrindo, a Marcha Imperial de Star Wars com o olhar de quem não difere o clássico do contemporâneo. Com ele, 4 mil aficionados, viventes da tribo, curiosos, gente de várias partes, todas respirando o mesmo ar de heróis, personagens, jogos favoritos, tudo fervendo numa grande “colmeia cósmica-mágica-nipônica-pop”. Deleites de fãs, trocas, amigos, Barbie e Sakura de mãos dadas, Jedi e Harry Potter na mesma “força’, todos participes do tal “sonho que ninguém quer acordar”.


Que explosão! Explodiram! Em imagens cheias de significado da conquista, os via correndo as vias da praça imersos em seus personagens, trajando seus recados geek mais curiosos, convivendo por dois dias numa casa, agora, aberta para a cultura do mundo, dos corredores do cinema e dos traços dos animes, do cancioneiro coreano, da minha e de tantos outros que respiram pop neste pedaço de Vale.

Incrédulos? Talvez os conservadores de sempre sacudissem os ombros com o velado respeito, mas o mais belo deles: Guilherme Briggs. O carioca que moveu sonhos e memórias dos que ouviram sua voz detrás de tantos tipos e personas transportado para esta aldeia teuto-pop que, talvez no íntimo, se perguntasse o que veria nestas plagas. Não era nada diferente de qualquer Anime Friends ou ComicCon que já tivesse pisado. Talvez menor em proporção, mas gigante em calor e ânimo.

Ele foi meu case de “maior incrédulo”, mas um incrédulo movido pelo maravilhar de tudo. Nunca tinha o costume de andar em um evento deste porte e o fez aqui, com a mesma empolgação de um adolescente geek como tantos a sua volta, se sentindo um como ele. Era o encanto, o extasio de quem vive o meio, de quem é capaz de, na coxia, observar com ar de emoção um concerto todo pop da Orquestra de Sopros e reverenciar a obra tal como um músico beija a mão de Geyer.

O dublador Guilherme Briggs, de atração a plateia, puro curioso, como no flagra abaixo (Lucas Prudencio)
(Reprodução)

Coisas que soube depois, de coração doído pela ausência mas marcando a data para o encontro seguinte. Era a consolidação das palavras de meu xará e sua irmã, com olhos brilhantes da emoção e do cansaço gratificante que a história traz: “precisamos lembrar que Blumenau é polo em tecnologia e a BCX vem como uma oportunidade do município se consolidar no cenário nacional quando o assunto é entretenimento e tecnologia”, Quer mais veemência nesta frase?

Está feita a história, e eu, de cabeça baixa, digo que tantos e tantas seguiram a velha frase de Silio Boccanera, diante do Muro de Berlim, que testemunharam um momento e tiveram certeza “que a história com H maiúsculo estava sendo escrita diante dos seus próprios olhos”. Sorrisos, gritos, encontros e cenas que nem o mais fantástico diretor ou quadrinhista escreveria.

E para o inquieto conservador que leu estas linhas até aqui, este filme terá continuação. Não é trilogia, é saga, é série, mangá que se lê em mão portuguesa e que justifica a velha e batida frase de nosso passado, presente e futuro: “nem só de cerveja vive Blumenau”. Eis a BCX, o mundo na terrinha, a história escrita pelos atrevidos que a escrevem sem que Blumenau espera.

E Blumenau, meus caros, é POP! E que a força esteja com vocês.

(Reprodução)

2 comentários em “BCX: Blumenau é pop”

  1. Foi mágico, entrar num ambiente e do nada se ver no Star Wars, num game, no meio da orquestra ou numa sala de jogos. Experiência incrível!

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