A foto acima parece feita na Europa, mas não. Há 25 anos atrás (ainda estamos em junho), a cidade recebia a alegre visita de um sorridente político germânico. E não era qualquer um, era talvez o maior vulto da história moderna da Alemanha em todos os tempos e responsável pela façanha maior de reunificar seu país-natal.
Sorridente, naquela tarde de 23 de setembro de 1991, o então chanceler Helmut Kohl largava mão do protocolo e, ladeado do então governador Vilson Kleinubing e do então prefeito Victor Sasse, cumprimentava as pessoas que estavam enfileiradas no cordão de isolamento, ansiosas para ver de perto o líder que só viam pela TV nos tempos movimentados da unificação entre ocidentais e orientais.
A chapa, como está nos créditos, bem como este relato breve no primeiro parágrafo, foi dado pelo super colunista do JSC Francisco Fresard, o Pancho, que tirou a foto com a câmera da irmã naquela tarde nublada e quente.
Este moço sorridente e gigante de estatura gozava do sucesso na política alemã e traçava os rumos para a união de um continente inteiro sob uma mesma economia e sem fronteiras. Ao mesmo tempo, declarava emocionado aos blumenauenses que tinham motivo para orgulharem-se da contribuição que prestaram para a construção do Brasil. E nós também nos orgulhamos de vocês. Tanto mais porque foi com a sua ajuda que a rede das relações existentes entre a Alemanha e o Brasil atingiu o grau atual de densidade que é extraordinário, continuava diante de uma platéia atenta no Pavilhão A da antiga Proeb.
Partindo daquele 1991, há nove anos atrás, Kohl chegava ao cargo de primeiro-ministro depois de liderar, desde 1976, a oposição do seu partido da vida toda, a CDU (democracia cristã), diante do governo de Helmut Schmidt, do SPD (social-democrata). Em 1983, foi guindado a chancelaria, para dali iniciar um período inesquecível para os alemães e para toda a Europa.
A Alemanha – ao menos, a porção ocidental – vivia um período de regresso ao convívio europeu. Na década de 80 o oeste do país foi reconstruído por completo da Segunda Guerra e buscava entrar de vez nas discussões continentais. Mas Kohl foi além. Fez da palavra união o seu mantra e começou a se reaproximar, iniciando com mais intensidade dentro da própria casa, separada a força desde 1961.
É claro que a reunificação veio a galope, provocada em grande consequência pela instabilidade política e convulsão social em que a Alemanha Oriental vivia. Erich Honecker se achou eterno e acabou por cair fora do poder em 1989. Egon Krenz chegou e não conseguiu nada de nada das mãos de Mikhail Gorbachev, que acreditava no sucesso da Perestroika que tocava na URSS e proporcionava uma nova liberdade aos soviéticos. Liberdade que veio de encontro com os anseios alemães-orientais de se unirem novamente.
Então, do outro lado do muro, estava Kohl como um estrategista e pragmático jogador no tabuleiro preparando o terreno para a volta para casa dos alemães-orientais. A reaproximação verdadeira veio em 1989, quando o Muro de Berlim sumiu do mapa (ao menos, em pensamento e documentos) e as facilidades para os orientais foram concedidas para fazerem a economia girar. Afinal, depois da abertura da fronteira, cada família alemã-oriental podia retirar 100 marcos ocidentais para gastar no outro país, fora a recepção de quem vinha como um viajante distante há muito tempo.
E eis que veio 1990, e a Alemanha Oriental estava passando, aos poucos, para os livros de história. A reaproximação que vinha gradualmente e em passos pensados tornou-se, em outubro, na sonhada reunificação, celebrada com sinos, bebedeira, fogos e sorrisos na renovada Berlim.
Helmut, que guiou os passos da reunificação com cuidado, sabia dos problemas que enfrentara (e enfrentava) – como o desemprego crescente e as complicações de uma unificação – mas podia sorrir sem medo diante do povo em frente ao Reichstag naquela noite de 3 de outubro. Nunca 1 trilhão de marcos tinha custado tanto para o futuro de um país.
Mas Kohl foi ainda mais longe. Depois da Alemanha, a união de um continente inteiro foi a próxima cartada. O gigante chanceler já havia mostrado esta vontade de unir as fronteiras dos países vizinhos há tempos, ainda antes da reunificação. Com muita diplomacia, apoio e signação aos atos e novas regulações, os alemães de Kohl tomaram a frente com outros vizinhos históricos, como Itália, Luxemburgo, Espanha, Portugal e antigos rivais agora amigos, como França e Inglaterra, na assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992. Era o nascimento da União Européia e a criação das bases da futura moeda única: o Euro.
Naquele 1991, Maastricht ainda era uma realidade a ser conquistada, mas a Europa parecia sorrir como Kohl entre os blumenauenses curiosos. Foi o único chanceler alemão a visitar a cidade até hoje e, apesar de esquecida nas páginas antigas de jornal, hoje tinha de ser lembrada com toda a justiça possível. Em nossa terra esteve presente uma personalidade histórica alemã cujo peso no cenário mundial do século XX é imenso, e seus reflexos são vistos até hoje.
Pois bem, seriam ainda mais sete anos na chancelaria. Sairia sob o peso de denuncias de caixa dois dentro da CDU e substituído sem piedade por Gerhard Schroder, do oposto de sempre, o SPD. Assistiria ainda o suicídio da primeira mulher, Hannelore, e a posse de uma antiga discípula, Angela Merkel, ao qual depois o desagradou com uma postura de metida que a Alemanha acabou tomando em muitos momentos nas decisões do continente. E pensar de Merkel começou a vida política na antiga FDJ, a juventude comunista da Alemanha Oriental.
Pois então, o fim da vida chegou. Nesta sexta de sol em Berlim, o velho gigante Helmut Kohl se apagou do mundo. Faleceu na cidade-natal, Ludwigshafen am Rhein, na Renânia-Palatinado, aos longevos 87 anos. Deixa muito mais do que uma família orgulhosa do pai, avô, tio e amigo, mas uma história tão rica no mundo e um agradecimento tão grande do povo alemão que não caberia nas simples fotos do então sorridente chanceler nas ruas da cidade-jardim
Helmut Kohl (1930-2017)