A segunda-feira catarinense foi – não deixa de ser – um dia histórico. Depois de 28 anos fechada definitivamente ao tráfego, a Ponte Hercílio Luz voltou a ser parte do trânsito e do dia a dia dos moradores de Florianópolis. Impossível não dizer que os manezinhos de todas as gerações viveram um dia memorável, especialmente os nascidos depois de 1991 e que só ouviam da ponte pelos seus pais, tios e avós.
História, deveras, chega a ser redundância ao se referir a “velha senhora” e isso é inegável para quem conhece a fundo toda a trajetória da ponte. Nascida para ser “Ponte da Independência” e, posteriormente, batizada com o nome do seu idealizador, o então governador Hercílio Luz, constitui-se ela desde 1926 um símbolo indelével da capital catarinense. Atualmente, a estrutura colossal é um contraste com os tempos modernos de ligações viárias construídas com alta tecnologia e métodos que impressionariam os engenheiros da velha ponte.
Um desastre nos EUA, em 1967, trouxe as primeiras desconfianças sobre a sua integridade estrutural. A primeira interdição foi em 1982 e durou seis anos. No entanto, em 1991, as novas análises de um ano antes pediam uma nova interdição. A velha senhora estava carregada demais, surrada demais, sem condição de ostentar o asfalto de novos tempos. Deixou sua herança viária para suas irmãs mais novas: as pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos.
É nessa hora que a história começa a pesar nos bolsos de quem acompanhou seu renascimento. Restaurar era preciso e até tudo sair como o planejado já estávamos em 2005, quando os trabalhos efetivamente começaram. A salada burocrática começou a fazer seu papel, adiando por várias vezes o prazo de entrega. Falou-se em 2012, depois a metade de 2013, passando ao início de 2017 até chegar em dezembro deste ano, mais precisamente no dia 30, e ainda faltando a remoção da iluminação cênica e a retirada das estruturas auxiliares no vão central, o que arremata: a ponte só fica totalmente pronta mesmo… em 2020!
E junto com os sequentes adiamentos, o valor inicial foi subindo e pedindo licença nos cofres públicos do governo estadual, responsável por sua manutenção desde os primórdios. Até 2016 já eram mais de R$ 500 mi investidos com previsão de outros R$ 500 mi. O saldo total até este ano já batia na casa dos R$ 700 mi, entre aditivos, novos contratos e outros valores, e isto sem contar também os atrasos por conta do tempo que também acrescem seus dividendos. Afinal, restaurar uma ponte pênsil perto do mar e com ventos consideráveis também conta nessa hora.
Fica um sentimento ambíguo e curioso com relação a volta da Hercílio Luz ao cotidiano efetivo de Florianópolis: valeu a pena tanto dinheiro em nome da história e de uma alternativa viária para o trânsito entre a ilha e o continente? Que restaurar monumentos históricos e simbolísticos de um povo é importante, isto é inegável, mas a somatória dos valores e os entraves burocráticos deixam uma espécie de mácula em toda a trajetória: podia ter sido mais simples? Talvez, só os engenheiros e suas canetas poderão dizer.
E o que também pega, de alguma forma, é o direcionamento de valores do governo do estado para outras prioridades: o Projeto Jica não tem sinais aparentes de realizações no Vale; as estradas estaduais sofrem com manutenções precárias; a saúde estadual sofre com os problemas de dívidas constantes, isto e tantos outros setores da vida catarinense que necessitam do mesmo olhar carinhoso que por tanto tempo a velha ponte teve (ou não, vai saber…), como as irmãs mais novas, que também devem estar carecendo de manutenção.
Não é desmerecer tampouco afirmar que “foi inútil”. A Ponte Hercílio Luz tem sim sua história única e, como tal, deve ser preservada e restaurada. No entanto, o cerne deste trabalho é que deixa a desejar: a burocracia, a ingerência, os montantes altos em valores e a pergunta que me coça a nuca: será que vai resolver o problema na ilha?
Seja como for, o tempo que prova o certo e o errado. O dinheiro não volta e os buracos estão ai. Enquanto isso, deguste-se a história de volta a sua (quase) plenitude. Entre os prós e contras, a Hercílio Luz, para orgulho de todos os catarinenses (ou quase todos…).