Chega o final do ano no Brasil (ou o verão rigoroso no hemisfério norte) e a máquina do momento não é o celular, nem tablet e muito menos qualquer rede social. Quem manda no tempo quente, seja ele um caixote, um sistema ou um modernoso split, é o bom e velho ar-condicionado, a salvação dos dias desérticos e escaldantes que vivemos. Artigo de luxo no passado, é impossível imaginar a grande maioria das casas brasileiras sem este equipamento, cada vez mais acessível e moderno com relação aos seus primos do passado.
Há algum tempo, as redes sociais, nos tantos memes que pipocam dia a dia, resolveram descobrir quem foi o cidadão responsável por uma das invenções mais necessárias dos últimos tempos para uma humanidade encalorada. A origem do condicionador de ar é americana (naturalmente), e seu inventor tem seu sobrenome emprestado a uma das marcas mais tradicionais destes aparelhos no mundo. É a história do invento de Willis Carrier e do trambolho gigante que salvaria-nos do suor eterno e, acredite, contribuiu no crescimento industrial e científico.
Aparato para tratamento do ar: Origens e expansão
Nascido no condado de Erie, em Nova York, Willis Haviland Carrier era um engenheiro mecânico conceituado, formado na Universidade de Cornell e um bem pago funcionário da Buffalo Forge Company, empresa especializada na fabricação de ventiladores, exaustores e aquecedores para a indústria. E seria justamente o setor industrial o responsável pelo surgimento do condicionador de ar para o mundo.
Em 1902, Carrier criou um processo para condicionamento do ar, permitindo o controle climático em ambientes fechados. A brilhante ideia teve como inspiração o case de uma gráfica no Brooklyn (Sackett-Wilhelms), que sofria com problemas nos processos de impressão em tempos quentes, seja na conservação do papel (que absorvia a umidade do ar) ou nas agulhas de impressão desalinhadas.
Apesar de desengonçado, o equipamento era, para os primeiros anos do século XX, um verdadeiro achado para a indústria que sofria em tempos úmidos e quentes. O setor têxtil, primeiro grande mercado da invenção de Carrier, foi o primeiro grande beneficiário, solucionado o problema terrível de umidade nos processos de confecção de roupas. Em 1904, o aparelho se tornou público com a apresentação do equipamento Carrier na Exposição Universal (Feira Mundial), em St. Louis, mas apenas dois anos após, ele conseguiria a patente para o equipamento: Registrado como um aparato para o tratamento de ar.
No mesmo ano de 1906, Carrier faria a primeira venda do equipamento. Seria para o LaCrosse National Bank, em Wisconsin. Logo o ar-condicionado não seria só um alívio para as grandes indústrias, mas também um conforto para clientes em grandes prédios comerciais e até para moradores de residências, como a do milionário Charles G. Gates, que seria o primeiro a ter um condicionador de ar residencial no mundo, na cidade de Minneapolis (Minnesota), em 1914. Projetado pelo próprio Willis, era um trambolho muitas vezes maior do que os equipamentos atuais e bem menos sofisticado, mas para quem tinha dinheiro o sonho de poder dar mais conforto controlando o clima dentro de casa era um verdadeiro luxo.
Ainda em 1914, Carrier daria uma das grandes provas de que o ar-condicionado, longe de ser apenas um equipamento para a indústria ou conforto residencial, também era um meio de proporcionar um clima de saúde a quem precisava. O Allegheny General Hospital, em Pittsburgh (Pensilvânia) era um dos tantos hospitais americanos que sofria com a mortalidade de recém-nascidos causada pela desidratação em tempos quentes. Ele seria o primeiro a receber o equipamento e sua utilidade para evitar os problemas com umidade no berçário – especialmente na ala de prematuros – seria mais do que comprovada.
A indústria do cinema e o teatro americanos também se valeram muito do advento do ar-condicionado, melhorando a qualidade de trabalho dos atores e o conforto de quem se divertia em salas teatrais ou nos grandes cinemas, que sofriam com o baixíssimo movimento nestes locais. Até mesmo a indústria automobilística descobriria o benefício de se ter um ar-condicionado como oferta de luxo. A Packard foi a primeira a instalar um equipamento do gênero, no modelo 180 (One-Eighty) em 1939.
No entanto, apenas alguns anos depois da Segunda Guerra Mundial o equipamento se difundiria de verdade na vida americana. Em 1952, o aperfeiçoamento dos componentes e compressores, as caixas de aço compactas e a tecnologia para instalações suspensas popularizou o equipamento de vez, possibilitando a pessoas de várias classes sociais e níveis de renda poderem também adquirir o aparelho. Só nas primeiras semanas de vendas da nova concepção do aparelho naquele ano o sucesso foi estrondoso, esgotando estoques do equipamento nas lojas especializadas.
Willis Carrier, infelizmente, não estava mais vivo para ver esta expansão, ele morreria dois anos antes, no caminho de uma viagem de volta a cidade-natal, Nova York. Mas o ar-condicionado ficou, assim como sua empresa, na ativa e fazendo história até hoje, sendo responsável por instalações de condicionadores de ar até mesmo em monumentos históricos, como a Capela Sistina, no Vaticano. Talvez a obra mais ousada da Carrier até hoje, que não só dá conforto a quem visita e busca fé como também ajuda a preservar o histórico afresco de Michelangelo, marca registrada do lugar.
Veja:
No Brasil: Do item de luxo ao objeto de necessidade
No Brasil, o livro Memória da refrigeração e do ar condicionado no Brasil – Uma história a ser contada, da autora Cristiane di Renzo, traz em ricos detalhes como a refrigeração surgiu no Brasil, inclusive como surgiram os primeiros equipamentos de ar-condicionado por nossas bandas. Segundo consta na publicação, a primeira obra e implantação de um equipamento deste porte foi no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, entre 1905 e 1909. No entanto, como o equipamento era caro e importado, era ainda uma raridade ver-se ar-condicionados no país, sendo o ventilador ainda o aliado contra o calor escaldante do verão daqueles idos.
O equipamento difundiu-se de vez no Brasil por meados dos anos 50 e 60, com as primeiras empresas de eletrodomésticos que chegavam ao país, especialmente no período de governo de Juscelino Kubitschek. Marcas como Springer, Westinghouse, General Eletric, Consul e outras tantas começavam a se multiplicar em várias casas de famílias das classes A e B e eram cobiçadas por muitos tanto quanto como era também a televisão.
Os primeiros modelos residenciais eram caixas enormes, pesadas e que requeriam verdadeiras ginásticas para instalação, mas nada que fosse pago com o conforto do ar fresco em casa ou no escritório. Logo, nos anos 60, o equipamento era realidade em residências, prédios comerciais, indústrias e em veículos. O Itamaraty executivo, da Willys, foi o primeiro veículo nacional a receber o ar-condicionado, isto apenas em 1966. Os ônibus intermunicipais já lançavam mão do equipamento nos seus veículos como item de conforto muito tempo antes, a começar pela Viação Cometa ainda nos anos 50 (1954).
Nos anos 60, até mesmo um comercial denotando a importância do equipamento para o conforto e a saúde nos dias de calor extremo no Brasil:
Atualmente, longe das brincadeirinhas de redes sociais, o ar-condicionado virou questão de necessidade. É impossível pensar em verão sem relaciona-lo com o equipamento em todo e qualquer lugar. O velho trambolho quadrado, hoje, divide espaço com equipamentos modestos, como os ar-condicionado modelo split, que além de esteticamente mais bonito é mais simples de instalar. Um simples buraco na parede para a entrada do cano de ar substitui o quadro desajeitado que acomodava os velhos caixotes. No entanto, no mundo dos automóveis ele ainda é um luxo restrito a mera (e cara) qualidade de opcional.
Casas e prédios comerciais, residencias particulares, veículos, salas de teatro, cinema e baile; até mesmo o transporte coletivo entra na mira das aplicações do ar-condicionado. Sempre citado em qualquer debate sobre qualidade dos serviços (vide Blumenau), o ar-condicionado é visto como um dos complementos mais importantes atualmente, mas que ainda guarda mais contras do que prós, como o custo de manutenção e os reais benefícios que ele trará na aplicação no dia-a-dia. Por enquanto ainda é reservado a grandes cidade e a uns poucos veículos de janelas vedadas (como os das linhas intermunicipais), mas que aos poucos ganha o meio urbano.
Comprovadamente, um ar-condicionado hoje é um investimento primordial para uma família ou uma empresa, mas que muito além do conforto que traz também requer cuidados. A manutenção periódica é mais do que necessária para evitar problemas e inconvenientes, sobretudo com a qualidade do ar que se respira. Longos momentos de inatividade – especialmente o tempo frio – não são desculpa para evitar que uma boa revisão seja feita no equipamento antes da chegada do calor.
O trabalho correto, feito por profissionais especializados, previne problemas no equipamento e lhe dá mais tempo de vida útil e economia de energia, por não forçar os componentes desgastados ou sujos. Além disso, não se brinca com o ar que respira, mesmo que artificialmente. Logo, uma boa limpeza e verificação dos mecanismos garante que o que você respirar num ambiente refrigerado não serão restos de ácaros e bactérias.
Seja qual for o burburinho que há, o meme que surgir ou o debate que se entrar, o ar-condicionado é, nos dias de hoje, uma máquina tão necessária quanto qualquer outro refresco no verão. Quem o liga ou desliga todos os dias pode não lembrar ou perceber, mas foi graças a genialidade de um engenheiro visionário e a necessidade de uma indústria que acabaram dando o maior alívio no verão nosso de cada dia.
À Willis Carrier, uma legião de pessoas deve muito o conforto nestes tempos tão escaldantes, especialmente os que leem esta parábola envoltos no ar fresco relaxante do bom e velho ar-condicionado.