Um antigo Brasil nas lentes de Jean Manzon

As matas brasileiras, o progresso econômico, indústrias, cotidiano, outros tempos. Nas lentes de um francês o Brasil foi se vendo e se conhecendo, desde os confins mais distantes até as grandes empresas e pessoas que, segundo os filmes históricos, estavam fazendo a sua parte na construção do Brasil Grande, como fraseava, vez em quando, Adolpho Bloch.

Este francês é Jean Manzon, franco-brasileiro que, nas lentes da sua objetiva ou das velhas máquinas de filmagem, registrou fotos e imagens preciosas de tempos distantes do país. Nascido em 1915 e ex-fotógrafo de três importantes revistas da imprensa francesa (Paris Match, VU e Paris Soir), Manzon veio para o Brasil em 1940, mesmo ano em que seu país natal era dominado e dividido pelos nazistas durante a segunda guerra.

E seria no Brasil que Jean escreveria sua maior obra. Graças a seus novos conceitos de captura de imagens, iniciaria uma revolução no fotojornalismo brasileiro, levando sua câmera, suas filmadoras e sua perspicácia para os mais diferentes cantos e histórias do país. Seu primeiro trabalho foi no antigo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), do governo de Getúlio Vargas, que o considerava seu fotógrafo favorito, tendo registrado vários momentos da vida do ex-presidente.

Uma das imagens mais marcantes em foto de Getúlio Vargas. Diante de documentos oficiais, embocando um charuto em mais um dia de trabalho. Manzon era o fotógrafo favorito de Vargas e o primeiro emprego do francês seria na DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão do governo de Getúlio (Jean Manzon)
Carmen Miranda, no auge de sua beleza e talento. Uma das imagens mais marcantes da pequena notável (Jean Manzon)
Um momento “papai coruja” da lenda da pintura brasileira, Cândido Portinari (Jean Manzon)
Sem trocadilhos, mas ai está Café Filho, presidente do Brasil após o suicídio de Vargas, fazendo… café (Jean Manzon)

Em 1943, Manzon leva seu trabalho para as redações de O Cruzeiro, um verdadeiro patrimônio do jornalismo em revista. Lá, torna-se parceiro do jornalista David Nasser, formando uma dupla histórica na imprensa nacional. Seu talento para enquadramentos em diferentes tomadas e num aspecto de montagem quase proposital foram a marca dos seus trabalhos entre as décadas de 40 e 70. Nas suas lentes também passaram personalidades – como Carmen Miranda e Amália Rodrigues – além de lugares e momentos, como a alta sociedade carioca, eventos e os mistérios naturais do Alto Xingu, na Amazônia.

No entanto, um trabalho que chama muito atenção e que está disponível na internet para qualquer um são seus documentários. Em 1952, Manzon criou uma empresa cinematográfica, que seria responsável por produzir mais de 900 documentários sobre os mais variados temas, sendo os mais corriqueiros os relacionados a indústria e progresso de um país ainda jovem, na visão e nos textos das produções.

Luzi Jatobá (Reprodução)

Vozes como a de Luiz Jatobá e Sergio Chapelin, entre outros, eram emprestadas para contar as conquistas das empresas brasileiras num tom verdadeiramente cinematográfico e de enaltecimento. Grande parte destas produções foi usada como propaganda dos governos militares no período pós-1964, registrando o que podia se entender como uma nação em constante marcha para o progresso.

E são estes documentários, recortes de outros tempos do Brasil, que A BOINA traz em destaque hoje. É apenas uma parte dos mais de 900 filmes que Manzon produziu, por dentro de empresas como Scania, Willys, Chrysler, Massey-Ferguson, além da rotina do transporte coletivo na São Paulo de 1952 e outros tantos assuntos.

Só clicar Play e uma boa viagem no tempo:


O Bandeirante de Hoje: Neste primeiro, o Jeep, recém-nacionalizado pela Willys em 1958, é a estrela como um dos responsáveis pelas obras e benfeitorias no campo


A União Fez a Força: Mostra a linha de produção da Willys Overland, em 1967, antes dela ser comprada pela Ford. O Projeto M ao qual o filme se refere foi continuado pela Ford e daria origem ao Corcel, em 1968


Como nasceu o Primeiro Carro Brasileiro: Recorte de 1962, quando a Willys, mostrando como nascera o Aero na versão nacional, dois anos após seu lançamento, ainda baseado no modelo americano, em 1960


Ponte Rio-Niterói: Registro da construção da Ponte Rio-Niterói, uma das obras faraônicas do Regime/Ditadura Militar em 1969. Ela só seria terminada e aberta ao público em 1974


Saudades do Rio: Um retrato da vida carioca em 1979. Quase um vídeo turístico


A Explosão Telefônica: Documento de 1967, mostrando o trabalho da então Companhia Telefônica Brasileira (CTB), que cobria São Paulo, Rio e parte de Minas Gerais. A CTB seria extinta em 1970, com a criação do Sistema Telebrás. Detalhe para as imagens na antiga Bolsa de Valores e do trabalho das telefonistas.


Boa Viagem Pelas Novas Estradas: Filme de 1968, que mostra o centro de pesquisas da Ford, em São Bernardo do Campo, e a aplicação dos testes nos componentes de veículos como o Corcel, ali demonstrado


Venceu o Brasil: Em destaque, o parque fabril da Willys Overland, alguns anos antes da sua fusão com a Ford


Uma Visão Fantástica: Em uma narrativa um tanto idílica, é mostrada a evolução da industria automobilística brasileira, tomando a Ford novamente como exemplo, desta vez na linha de montagem do Galaxie, em 1967.


O Caminho do Progresso: Filme que mostra em detalhes o desenvolvimento e fabricação, bem como a importância da presença da Scania-Vabis e de seus icônicos cavalos mecânicos alaranjados modelo L110 / LS110, o popular “jacaré”. A empresa sueca chegou ao Brasil em 1957.


A Grande Escalada: Filme dos anos 60, mostrando a mecanização em vários setores, destacando a mecanização agrícola como exemplo, nas fábricas da Massey-Ferguson no país, instaladas desde 1957.


É Tempo de Construir: Filme que mostra o uso de máquinas pesadas para a construção de rodovias e demais serviços, tomando como exemplo os produtos da Caterpíllar, instalada no país desde 1955 e fabricando de forma nacionalizada desde 1960.


Indústria Automobilística: Como vários documentos de Jean Manzon, a indústria de automóveis brasileira é o destaque, desta vez na planta de produção da DKW-Vemag, em 1964.


A Força Pública de São Paulo: Filme de 1966, retratando a então Força Pública paulista, a última a perder essa clássica denominação, em 1970. Tratava-se da reunião das forças de ação pública – bombeiros e polícia.


Nosso Pequeno 1800: Revela, detalhadamente, o desenvolvimento e fabricação do Dodge 1800/Polara na fábrica da Chrysler em 1973.


De Um Dia para o Outro: Uma demonstração no fim dos anos 50 enaltecendo a evolução dos transportes no país, tomando agora como exemplo a chegada da Volkswagen e do Fusca.


A Luta pelo Transporte em São Paulo: Filme de 1952, mostrando que o problema do transporte coletivo paulista não é de hoje, e que tudo parecia ser resolvido num estalar de dedos.


Drama ao Amanhecer: Tendo novamente o martírio do transporte no foco, este filme mostra a difícil rotina de um trabalhador na tortuosa ida ao trabalho. Problema que se resolve com a chegada da Vespa, a primeira motocicleta fabricada no país, em 1958, pelas mãos da Panauto, empresa licenciada pela italiana Piaggio para a fabricação da simpática motoneta.


Na Tradição de Santos-Dumont: Raro filme que enaltece a memória de Alberto Santos-Dumont, o pai da aviação, recuperando imagens raríssimas do inventor, inclusive de um discurso feito por ele em francês.


Brasil Potência Industrial: Filme de 1958, retratando os trabalhos iniciais da primeira hidrelétrica da central de Furnas, em Minas Gerais, que entraria em operação em 1963


O Que é a Petrobrás?: Documento de meados dos anos 50, trazendo a tela como foi a criação e estabelecimento da Petróleo Brasileiro S.A., a Petrobrás, ainda no governo Vargas, que seria criada em 1953.


Coluna Norte: Um dos filmes mais marcantes de Jean Manzon, de 1958, registrando a viagem de 2160 Km da Caravana Nacional da Integração na estrada entre Belém (PA) e Brasilia (DF), ainda em construção assim como a nova capital do pais. O momento culminante é a chegada do então presidente Juscelino Kubitschek empunhando a bandeira nacional a bordo de um Romi-Isetta.


O Sonho de Casper Libero: De 1968, mostra os trabalhos de construção do Edifício Gazeta, sede da Fundação Casper Libero e da TV Gazeta, em São Paulo.


Jornal do Brasil: Outro mergulho na imprensa foi em 1972, dentro das então novas instalações do Jornal do Brasil, mostrando em detalhes e técnicas de enquadramento como nasciam as notícias em outros tempos. Isto em pleno regime militar.


O Último Apelo de Assis Chateaubriand: Imagens em filme do fundador da TV Tupi em vida, em 1961, depois de ser acometido por uma trombose que o deixou paralítico mas ainda ativo para escrever seus artigos. No vídeo, ele deixa um apelo pelo tratamento das crianças que sofriam de paralisias e outros males que dificultavam a locomoção. Infelizmente, apenas no início do documento há som.


A Missão do Correio Aéreo: Imagens dos anos 70, em homenagem ao brigadeiro Eduardo Gomes, retratando o serviço do Correio Aéreo Nacional, responsável pela ligação aos mais longínquos recantos através da correspondência, mostrando a integração pelo ar das capitais com o interior e a evolução das aeronaves utilizadas.


Poder Naval do Brasil: Um dos últimos filmes de Manzon, de 1984, mostrando o trabalho da Marinha do Brasil. O cineasta morreria em 1990, aos 75 anos.


Recuperação dos filmes: Para encerrar, o trabalho da Dana, fabricante nacional de peças automotivas, que foi responsável pela recuperação de parte do acervo de Jean Manzon e a qual deixamos nossos cumprimentos pela iniciativa.

Outra parte deste acervo pode ser encontrada nos canais jeanmanzonfan e Memória Capixaba, além de outros vídeos no YouTube.

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