Som n’A BOINA #Especial: Eu, um “Osbourne”

Tempo de escola, sala de aula, professora de geografia…

Talvez dona Risia nem lembre mais, mas ela mesma executava uma atividade em sala onde cada grupo disputava a nota máxima respondendo uma série de perguntas assinalando as afirmativas com “Verdadeiro” ou “Falso”.

O regulamento e outros pormenores, admito, nem vou lembrar com tanta exatidão e talvez não sejam importantes aqui. O que era o “diferente” desta clássica formação de grupos em sala de aula é que Risia permitia que cada grupo usasse um “nome de guerra”, daqueles bem a cara da trupe reunida.

Na primeira vez que reunimos um grupo para uma atividade destas, lembro de um de meus amigos de sala: Julio Cesar Viviani, olhar para a roda com a face naquele susto de ideia e soltar o nome do nosso grupo: “The Osbournes”.

Pensei comigo no ato “ora, Julio! Tem certeza?”. De tanto convencer, ele nem perdeu tempo e fez a professora anotar o nome do grupo naquela primeira ocasião. Nem a Risia entendia, e não duvido que ela escreveu umas duas ou três vezes até acertar (e não acertou)

Toda a atividade como aquela que ela fazia, lá vinha o nome do nosso grupo a tona, até mesmo quando a equipe não concordava eu dava jeito em colocar ele. Virou tradição mas tinha suas peculiaridades: a professora mal conseguia escrever no quadro. Saia “Os Bournes” vez em quando.

Eramos cabeças pueris imersas na MTV de todo dia, claro. Meus 13 anos em diante tinham a cara dos VJs da emissora do Grupo Abril, e entre os clipes diários estava a marca pesada e soturna do “príncipe das trevas”. E entre eles, o retrato de uma família tão normal quanto disfuncional e simpática de um lorde do Rock, sua esposa/empresária e seus filhos.

De longe, você podia até ficar coçando a cabeça perguntando para si: “oras, o cara que arrancou cabeça de morcego a dentadas e cheirava formigas era um pai doce e um cidadão boa-praça e franco do dia-a-dia?”

Enfim, naquele nome tradicional, fizemos umas 12 ou 13 equipes, sempre rotulados como “The Osbournes”, Quase sempre batíamos na nota 10 ou , quando muito mal, chegávamos ao 8,0. Não importa. Mesmo os “Osbournes” da sala se separando com o tempo, o bendito nome ficou, lembrança como tantas daquele período escolar.

Talvez nem combinasse com meu estilo ou o credo de alguns ali naquela roda. Admito, até eu captar o que era o Punk Rock, o Metal e seus derivativos foi um processo longo. Inocente e tão “caxias” quanto, achava até errado me inclinar e ouvir aqueles riffs pesados com letras cruas sobre a miséria humana, a violência, os flertes com o ocultismo e romances quebrados na amargura.

Eu não era, mas ao meu lado quantos usavam desse som para exprimir sua revolta, seu rebelar contra um sistema de tribos escolares entre os “excluídos” e os “populares”, pintando-se de preto, estampando legendas do Rock mais denso e, literalmente, chutando o sistema social e escolar, começando pelo relaxo natural, coisa de uma adolescencia em descobertas.

Mas a gente sabia mesmo com quem estávamos brincando, mesmo na inocência de uma aula de geografia? Qual o peso daquele nome para uma cultura pop toda já naquele período? E mais: de nomes como Metallica ou Iron Maiden, a gente sabia da gênese de tudo isso? Quem era o cara?

O tempo só foi me encarregando de descobrir aos poucos o peso das guitarras, a personificação dos medos humanos reunidas no olhar epilético, nos gestos intensos, nas falas diretas, autênticas, na revolução escrita por ele a partir de um momento capital que ele mesmo lembrava: ouvir Beatles. O acorde inconfundível de “She Loves You” foi a fisga, e pronto, outro movimento do Rock estava por vir.

O cabeludo de Aston e seus amigos foram por outro caminho, e no meio do mundo hippie e colorido, alguém trouxe outro lado da mente humana a voga: oculto, escuro, em vermelho e roxo, com crucifixos sem ser igreja e símbolos que evocavam magias que brincavam com o inferno. Mas ao mesmo tempo, a mescla da perturbação mental de uma sociedade que não explicava seus atos cruéis, os executava como uma pseudo-afirmação do poder.

Criou-se um personagem ao mesmo tempo temido pelos medrosos e tido como tábua de salvação, sobretudo, de uma adolescencia que não entendia o mundo a volta e rebelava-se contra um sistema arcaico mesmo sem saber como. De Tony Iommi a Randy Rhoads, os riffs densos e de notas desoladoras eram convite para bater cabeça e engolir em seco raivas reprimidas.

E qual ser humano não se sentia na raiva profunda? É um sentimento, por mais pesado que seja, e ao mesmo tempo, uma virada de mesa no próprio momento negro para usar da energia de uma raiva como força para surgir firme e indiferente a movimentos massivos que, até hoje, conquistam mais bolsos e mentes vazias do que a reflexão propriamente dita.

O John Michael de Aston era Ozzy, e o alfabeto reescrito do Rock agora tinha o nome dele como uma das iniciais. A exploração do Rock como autêntico som de protesto e expressão enérgica de sentimentos outrora esquecidos era um novo caminho e o seu pilar era o tal garoto cabeludo cujo sobrenome me proporcionou algumas notas 10 em sala de aula.

Um personagem epilético nas expressões, mas fora dele, um cidadão doido por natureza e um boa-gente segundo o que conviveram com ele. Pai de família dentro das suas peculiaridades e seus “fuckin’s” habituais, cuja vida intensa e seus lapsos geniais do Rock foram roda motriz para novas bandas, cantores, movimentos, vertentes e pessoas que, se achavam “errado” deixar-se levar pelo “cara satânico”, acabaram imersos sem maldade nos riffs clássicos que imprimiu.

Alias, convenhamos algo: Ozzy era até bem mais honesto em seus atos e sentimentos do que muitos “cidadãos de bem” que talvez o condenassem pela sua persona. Obras de caridade, reflexões sobre o desamor que muitos cantos do mundo mergulham e atos autênticos entre o lado cômico e a doçura no encontrar as pessoas, fora cifras milionárias à instituições de caridade…

Tem pessoas de Bíblia na mão que arrecadam tudo isto a benefício próprio com sorrisos amarelos e falsos, e como sabemos disso.

É difícil deixar uma lenda partir, ainda mais um cara que transcendeu a música e o tempo e, ainda na minha adolescencia, foi um dos personagens mais marcantes. E pena a reverencia maior ao marido da Sharon ter vindo até tardiamente. Ozzy é uma convulsão musical, necessária para gritar sem precisar usar cordas vocais, olhar o mundo ainda mais criticamente nas suas guerras e insanidades dos poderosos, sentir o Rock ainda mais intenso como ele sempre foi.

Muito já foi contado, recordado, ouvido, chorado, mas independente que você possa discordar de mim ou não ter lembrança com ele, me permita reconhecer boas e “violentas” lembranças vindas do garoto de Aston. Justo carimbar que Ozzy Osbourne é clássico, ou passou da vida para o lado mais clássico da música, aquele reservado a quem cava tudo onde, anteriormente, só tinhamos mato.

Talvez só poderia eu olhar para Julio Cesar novamente em algum momento da vida e dizer: “cara, que ideia foda a tua! Fui um ‘Osbourne’ e me orgulho disso”.

Geezer, Tony, Bill, Randy, Sharon, Kelly, Jack… e mais algumas mil cabeças que se batem por ai com mais algum “Paranoid” perdido no tempo.

Todos nós, de alguma forma, somos “Osbournes”. E deixemos ser, não é errado. né?

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