A cena é uma das mais clássicas e acontece em qualquer parte do mundo. Em uma roda de conversa de quarto amigos num shopping-center, por exemplo, uma agradável discussão sobre o dia e os acontecimentos. Isto até um ou dois do grupo desligarem-se do momento do papo para atender o celular. Alguém repara de lado e mexe no próprio aparelho também, e assim acontece também com o quarto membro da mesa. Pronto, acabou-se a conversa.
Parece reflexo condicionado, mas é exatamente isso que vem acontecendo em várias rodinhas de amigos, ou melhor, em tantos cantos do mundo onde um ou mais estão reunidos. Basta um apito, uma vibração para que o celular torne-se a prioridade do momento. Ao lado de você, um amigo ou amiga, uma possível paquera talvez, que vê-se ignorada por momento, perdendo sua atenção para uma máquina fria na palma da mão. É corriqueiro? É claro, mas tem quem está achando (e com razão) que este comportamento está prejudicando uma das coisas mais necessárias ao ser humano: A relação interpessoal.
Lendo um texto do jornalista mexicano Jorge Ramos, escrito em 2013, comprovou-se exatamente o que observo dia a dia em qualquer canto da cidade-jardim: Aquela frase da carochinha de que o celular aproxima quem está longe e afasta quem está perto nunca pareceu fazer tanto sentido. Eu mesmo, em várias rodas de amigos ou em uma conversa com uma pessoa apenas, já levei um tapa com luva de pelica do celular. No movimento de rolar o dedo na tela atrás da mensagem chegada o recado parece claro: Quem está na sua frente está preocupado com o papo por trás de uma máquina, não com o que está diante dos olhos.
A tecnologia tem mudado demais – e até exageradamente – o modo como nos relacionamos com as pessoas a nossa volta. Desde o advento das mensagens de texto, das redes sociais e afins, a relação do ser humano com seus pares parece mais fadada a cristalizar-se em máquina do que concretizar-se no mundo real. As famosas paqueras virtuais, a fixação pela rede social e outros sites ao toque da pequena tela, coisas assim que fazem dos seres uma parte do aparelho, não exatamente do todo social em que está. O movimento é quase automático, basta um sinal ou um reflexo e pronto, lá o dedo desliza na tela.
Estou sendo rebelde demais com este papo de relação de verdade X apego ao celular? Talvez sim, mas com razão, e números para isto o mesmo Jorge Ramos me deu na sua crônica. Um deles diz respeito a um case ocorrido no Eva Restaurant, em Los Angeles. Os clientes que frequentavam o estabelecimento eram brindados com um desconto camarada de 5% na conta, no entanto só tinham direito ao mimo se não usassem o celular durante a refeição. Apesar de ser uma participação voluntária, quatro em cada 10 clientes aceitaram a oferta. Um número até considerável se analisarmos em que contexto de mundo estamos.
Outro número chama atenção: Um estudo na Universidade de Essex, na Inglaterra (sempre os ingleses e seus estudos), revelou o que se pensa a respeito: É o celular o intruso da roda. A pesquisa foi feita com 74 participantes dispostos em duplas. Metade das duplas conversou sem um celular a vista e outra metade tinha por perto um aparelho numa mesinha lateral. Não deu outra, num papo simples de 10 minutos sobre um fato do mês passado, as duplas sem a presença do celular tiveram um grau de aproximação muito maior e uma melhor solidez da relação do que as que tinham o aparelho por perto.
Claro que é apenas um estudo e certos casos tem lá suas exceções bem-vindas, no entanto, em grande parte de nossa vida se vemos presos ao som/vibração de uma mensagem de celular. Tanto que muitas pessoas tem ele como a principal forma de comunicação do dia, não largam dele nem mesmo em horas mais apertadas, assim digamos. Os conhecidos sabem que podem a encontrar muito mais fácil se soltarem uma mensagem ou fazer uma ligação, quase nunca em corpo presente.
E nem preciso falar, mas já falando, do mal atávico da combinação celular X volante. Esta situação não precisa de nenhum estudo para ser comprovada. Você que lê este texto na carona de alguém no carro repare quantas vezes o amigo ou amiga ao lado mexe no aparelho enquanto dirige.
Só o pequeno movimento de olhar o aparelho diante da direção é potencial causador de acidentes em até 400% de risco. São 23 segundos (ou mais) que podem significar a diferença entre o sorriso da mensagem e a dor do acidente, fora ser ainda infração média, sujeita a quarto pontos na carteira e multa (justa em todos os casos) de R$ 85,13. Detalhe: A infração existe no Código de Trânsito desde a sua criação em 1997! Tempo que o tijolão desengonçado reinava absoluto e quase ninguém tinha-o em mãos.
Fala-se pelas veredas do mundo profissional que o ser humano virou um ser multitela, tendo sempre o celular parceiro ao lado. No entanto, abre-se aqui uma reflexão simples: Será que não estamos multitela demais e esquecendo do mundo a volta? A conversa como conhecemos parece estar sendo trocada paulatinamente pelo papo virtual, onde as pequenas palavras e gestos de carinho e bom humor estão sendo trocados por gifs e emoticons de todos os tipos e expressões, e onde um por-do-sol no Pinterest chama muito mais atenção, por exemplo, do que aquele que está se descortinando diante dos olhos.
Você, amigo e amiga, pode estar lendo esta crônica agora diante de um celular, possivelmente numa roda de amigos. Como bom jornalista e amigo seu te peço um pequeno favor: Deslige-se daqui. olhe ao seu redor e ria de verdade com o amigo e a amiga ao lado. Há muito mais ao redor do mundo do que o que se passa diante da tela de um celular. Ele é o vilão das rodas de conversa, o motivo delas estarem desaparecendo, e a vida, como bem sabe-se, corre diante dos olhos, não da tela.
Desliga, amigo… amiga… por um momento, desligue-se do celular.