“Vamos marcar um café um dia?”
Ah, pergunta capciosa! Tão inocente imersa na surpresa humana de encontrar-se com alguém querido do nada, rasgando visceralmente a correria do dia de uma forma inesperada.
Nestes dias pós-pandemia, onde o terror da ausência física parece ter ficado para trás, é como se o convívio social foi sendo trocado pelas promessas de um encontro em um dia. Você se surpreende em qualquer traço: uma mensagem, um esbarrão numa esquina, um reencontro pelas redes, um telefonema despretensioso.
“Vamos marcar um café um dia?”
“Vamos!”
A vida segue, com um regozijo do momento do encontro sendo substituído, febrilmente, pelos compromissos de momento. No instante que você percebe, aquela pergunta capciosa simplesmente passou, ficou em algum ponto do passado, lhe deu algum prazer e nunca mais voltou a sua prioridade.
Aquele cidadão ou cidadã era, de fato, sua prioridade? O nível de importância na sua vida era, de fato, merecedor de uma decantada xícara de café? A quanto tempo esquecemos de priorizar os raríssimos momentos de convívio, colocando-os em agenda nem que seja naquela simples padaria de bairro?
Devo admitir para o leitor que, nesta feita, venho questionar esta nossa real intenção de perguntar a alguém sobre “marcar um café”. O café, em questão, é pretexto, figura de linguagem, a melhor desculpa para tornar aquela pessoa no ser de maior prioridade no momento, mesmo que o próximo “café” demore a acontecer.
Os seres são efêmeros em suas intenções, isto é fato. Planejamos algo e, se não temos determinação de seguir, fraquejamos e paramos. O mesmo tem sido com nossas relações. Não negue, pois você já ouviu essa pergunta alguma vez de algum amigo ou amiga, independente em que contexto e lugar.
Há coisas que não paramos para pensar: na prioridade da relação humana real, isto fora de qualquer mecanismo virtual que se criou nestes tempos. Não se trata de enriquecer padeiros e donos de barzinho, é puramente colocar os seres um ao lado do outro para conviver, para se sentir e ver, de trás para a frente, como o mundo mudou entre si.
Isto não se trata de uma birra minha, não! Olhemos em volta, quantas vezes recebemos a mesma pergunta e a ignoramos, não a tomamos como algo dentro de uma prioridade salutar a mente. Um ser querido, alguém que lembrou de nós, de um momento, deu uma importância a nossa presença, quanto que ele é mais importante do que outras coisas mais efêmeras do dia?
A gente tem costume de procrastinar, não produzir, e talvez o “montão de nadas” seja o de mais sentido para que nossa saúde mental não seja consumida pela máquina que é nosso trabalho de cada dia. Mas, procrastinar as relações? Deixar a parte o momento de confraternizar a vida com um (ou mais) amigo(s)? É possível?
Cê vai me dizer, friamente, que “prefere a própria companhia” ou outra coisa que contrarie meu pensamento. Mas você consegue imergir completamente na solidão? Consegue ser indiferente ao querer das pessoas que lhe querem bem em querer você no convívio delas, seja de uma ou de várias?
O ser humano nasceu para relacionar-se, independente de que forma seja, confraternizar, compartilhar do momento, sentir a alegria ou tristeza do outro que lhe é caro. Estamos perdendo tempo procrastinando nossas relações, botando abaixo da lista de prioridades os que nos são caros, adiando nossos cafés.
Ao completar meus 33 anos, debaixo de todas as minhas imperfeições, uma delas é ainda ser um teimoso que insiste no café para dizer “vamos compartilhar de um momento nós dois?”. E ai, independe se a pessoa é próxima sua de todo dia ou um velho amigo ou amiga de longa data e há tempo sumido nesse mar do cotidiano.
Não podemos perder tempo na vida para compartilhar nós com outros que, verdadeiramente, merecem. A possibilidade de conviver em um momento, desligados dos relógios e dos brados do trabalho, é tão preciosa quanto um cheque gordo, um carro novo, uma viagem paradisíaca. Tem a ver com a lua e as estrelas, o sol e as folhas sacudindo ao vento, o cair inocente da chuva, coisas que são belas sem as artificialidades do meio mundano.
E a vida? Esta estrada de sentido único pode acabar, ela acaba quando não esperamos. A efemeridade do inútil, do solitário bater de martelos na fábrica pode substituir o momento de convivência com quem amamos e queremos bem? Jamais! E o amanhã pode ser, na forma mais cruel do português, a última chance de você tomar o gole de café com aquela pessoa muito cara, tão estimada que você talvez mal soubesse imerso na solidão diária.
Não é aceitável postergar nosso convívio, nossa amizade. Pelo bem das relações, da sua mente e do seu coração velho e cansado de bater sozinho, não negue as oportunidades de conviver, encontrar, sorrir, saber, alegrar ou (até mesmo) entristecer. Não negue a chance, a oportunidade de, tão simplesmente, tomar um café.
Portanto, se te perguntarem “Vamos marcar um café um dia?”, seja firme, olhe com semblante confiante, determinado e verdadeiramente alegre, desafie e pergunte sem medo: “Quando? Vamos marcar uma data? Estou ansioso!”
A vida passa, os momentos, os caminhos. Nunca é tarde, mas nada é para sempre.
E ai? Vamos marcar um café?