Tina e Ayrton, 1993

Adelaide, Austrália, 7 de novembro de 1993

O que eu conto aqui, talvez em parte tenha uma levada um tanto “ficcional”, mas o cerne de tudo nos levaria a cravar em musica a memória de um ser legendário. Graças a ela, suas madeixas espetadas e sua energia pura entregue no palco.

Ela aguardava no camarim o momento de levar a plateia ao delírio outra vez. Já tinha feito isso algumas centenas de vezes ao redor do mundo. Aquela noite não seria diferente, e tudo parecia contribuir para isto: clima ameno e agradável, atmosfera de um “fim de festa” sorridente, pessoas ainda na energia que corrida daquela tarde passada.

Tarde que ainda reverberava o eco de engenhos furiosos que haviam rasgado, beirando os 300 por hora e raspando paredes, as curvas que entremeavam o parque da cidade em mais uma corrida de F1. Havia quem ainda estava na adrenalina de ver os carrinhos coloridos no último espetáculo do ano, onde um cidadão brasileiro de capacete verde-e-amarelo, três vezes laureado pela sua galhardia, tinha arrematado o ano, carimbado a aposentadoria do amigo outrora rival, ganhado o dia.

Ele estava tranquilo: suéter leve, a encantadora namorada a tiracolo e um indefectível boné azul do banco que lhe financiava a aventura. A caminho de uma noite de sonho, como diria qualquer apreciador de bom som. Ele gostava de música, eclético, ia de Sertanejo, Samba e Rock na mesma levada e não escondia o sorriso abaixo do jeito compenetrado e discreto puxado do pai.

O show era o arremate do vesperal. Animado, elétrico, digno de um fim de ano que, se não foi perfeito para ele, ao menos seria sorridente por estar diante de uma mulher admirável como ele próprio. E ela, como não chamar de admirável! Arrumava a cabeleira, o vestido de renda sutil e caminhava ao palco para se encontrar com os fãs ávidos, sedentos por uma viagem musical que só ela provocava.

Alias, falando de Brasil, donde veio aquele cara de capacete amarelo junto da namorada, o que ela podia afirmar daquele exótico país sul-americano? Mesmo em meio a tantos problemas econômicos, convulsões sociais e sonhos de futuro próspero, ela conseguiu levar mais de 180 mil a vê-la numa noite bem carioca. Só o país do Samba e Carnaval – que também derrete-se pelo Rock – para colocar todo seu sucesso no livro dos recordes.

Que mulher! Olhar tantos sorrisos disparados a cada passo frenético entrelaçado pelas pernas, a cada brado que a letra musical exigia, só fazia-se pensar o quanto ela era grande. E quem conhecia seu passado sabia: ela estava vivendo seu melhor momento, rasgando com atitude e garra, empunhando docemente feroz um microfone na mão e deixando para lá a moça frágil quase destruída por um machista infeliz.

Chegou a hora! O Béco do sr. Milton e da dona Neide estava olhando, fixo, na coxia, enquanto ela bradava e trocava olhares de admiração. A namorada do cara de capacete amarelo mal pode segurar o sorriso, pois seu amor estava, de repente, no palco, do lado daquela figura admirável, que não escondia em sorrisos entusiasmados, que estava do lado de quem ela achava ser “o melhor”.

“Eu sou fã! Eu realmente sou fã, estou muito animada”, confidenciava num abraço amigável. Que ápice! Os melhores estavam ali. O país daquele menino-homem não poderia se sentir mais sorridente. Era épico demais para uma noite apenas, entre conversês com a plateia e palhinhas musicais.

Depois daquele dia, cantar a pulmões cheios “The Best” jamais seria o mesmo para um brasileiro saudoso do Béco, do “chefe”, do “Da Silva” de todos os domingos. E nem bem desconfiávamos imersos nas esperanças do ano vindouro, aquele dia de vitória seria o derradeiro dele, e a Tina de todo o Rock jamais o encontraria no palco novamente como aquele dia.

É por estas e outras que, torno a dizer, cantar “The Best” não é mais a mesma coisa, e o eco é ainda maior sem Tina por aqui, que foi repetir o gesto em algum lugar acima de nós, pro Beco, o melhor daquele dia, de sempre.

(Recordação em forma de crônica do encontro entre Tina Turner e Ayrton Senna no palco no show da cantora em Adelaide, parte da turnê “What’s Love”, em 7 de novembro de 1993. Para sempre!)

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