“Enquanto a Inglaterra tenta curar a podridão da batata, ninguém tenta curar a podridão do cérebro — que prevalece muito mais amplamente e fatalmente?”
“Brain rot”… entre os tantos verbetes e nomes que Oxford poderia indicar para a tão decantada “palavra do ano”, talvez este vem tão de encontro as milhares de telas que, neste momento, estão sendo vistas com olhos despreocupados e vazios.
A reflexão acerca de nós mesmos é a proposição maior da consagrada universidade britânica, que apelou para um termo do século retrasado para mostrar aonde estamos nesta insignificância causada pelo fútil da vida virtual. Tão antigo termo e tão atual ao mesmo tempo.
Henry David Thoreau, autor, poeta, naturalista, pesquisador, historiador, filósofo e transcendentalista estadunidense utilizou este termo por primeiro em uma das publicações que escreveu. Descrevia nas linhas daqueles idos o quão simplista e preguiçosa já era a mentalidade da sociedade, apegada a ideias mais rasas do que aquelas que exigiam mais esforço mental.
Era o século XIX, marcado pela pujança da revolução industrial em curso mas refém do simplismo e da cegueira de pensamentos ainda tacanhos altamente movidos por apegos teocêntricos e tradições que não mais cabiam nas esquinas sujas daqueles tempos. Era o resumir o complexo com pontos-finais crus e vazios, o que desse menos trabalho ao pensar e construir.
Miramos os olhos aos dias atuais, onde a tecnologia de nossa volta facilita relações e afazeres mas, ao mesmo tempo, nos molda a pensar menos e esvaziar o pouco diante de uma tela com um conteúdo vazio, simplista, por vezes cômodo as faculdades mentais que temos, facilitado pela velocidade, ilusões e a mensagem crua e vazia de seus realizadores.
Épocas do cômico beirando o grotesco, da violência gratuita e da desinformação como aglutinador de massas. Dias e dias do “compre mais”, “coma mais”, “emagreça desta forma” propagandeados por Zés e Marias jalecados como sábios tendo a chancela das curtidas e comentários vazios dos que os prestigiam.
Involuímos, você diria? Podemos mergulhar mais afundo na podridão cerebral etiquetada por Thoreau e muito além do declino mental em si. Sobretudo do que esta nos leva a fazer. E, outra vez, sendo eu o chato contra o lado inútil das redes sociais, critico deste comportamento compulsivo de tantos.
Claro, ninguém é pudicamente santo ao dizer que jamais consumiu “besteira” virtualmente, mas o que se abomina é o quanto tem se consumido, o tempo dispendido para tanto vindo de alguns que, até neste momento, esforçam-se para ler estas linhas.
No entanto, o declínio mental não é apenas uma fraqueza, mas uma brecha para agredir, tornar ignóbil e privar, tudo voltado ao outro de forma até mesmo consciente. Este esvaziamento tem feito pessoas irem de encontro, cada vez mais, a ideias simplistas e que estimulam verdades que convêm e acomodam, apenas pelo prazer de “dizer que está certo” convencido pela sabedoria do outro lado da tela.
É este simplismo, por exemplo, que provoca os resultados cada vez mais imprevisíveis, sobretudo com relação a velha batalha do discurso político atual e em todo o mundo. O ufanismo e a poesia torta de revoluções e conspirações movem massas a acreditar no certo quase como um conforto diante da obrigação de pensar se aquilo ante os olhos é a verdade.
E não só esta velha máxima que dá broto as fake news, o ser humano virtual projeta e deseja corpos, simula comportamentos dos mais variados conteúdos e resume dias e tempos livres no consumo irrestrito do que não preenche o pensar e construir. Não que seja uma regra consumir conhecimento, mas é um assassinato mental cercar-se do futil como resumo do conhecimento em si.
Impossível hoje seria dissociar nossa vida do meio virtual, uma vez que muitos de nossos processos estão atrelados a ele. No entanto, há um mundo, outras sensações e conteúdos que não estão atrás dos bits e RAMs de um celular ou computador. A vida lá fora entrega bem mais à uma mente cansada do que o próximo vídeo que você passará a frente no Instagram da vida.
Talvez nem proibições e restrições sejam a saída para reverter o comodismo mental e dar nova vida a cérebros cansados da massificação virtual destes dias. A verdadeira cura de todo cérebro podre, se é que podemos chamar assim, parte justo de quem faz questão de consumir, replicar comportamentos e agredir movido pela pobreza de conteúdos virtuais, o que é quase como tratar um dependente químico em certos casos.
O jeito, se é que a Oxford conseguiu abrir alguma mente, é olhar para o celular como um instrumento simples e não como parte de uma vida e preenchedor de mente vazia. Mentes merecem o suco do ar fresco, do conhecimento verdadeiro e de reflexões e exemplos humanos que melhores o ser em si e não o acomodem num sofá de cada dia atrás do próximo meme ou video polêmico.
É… e claro, espero que esta crônica esteja sendo lida em alguma tela que você tem em mãos ou olhos a vista. Talvez seja mais uma reflexão de um jornalista que observa realidade preocupado, mas que deseja que seu cérebro não seja um mar podre completo pelo vazio da vida virtual
Do contrario, passe para o próximo video e se preocupe com a podridão da batata ou com a mulher raivosa do avião. O resto, não te significa nada.