Como todo mundo sabe bem, A BOINA tem sua sede no glorioso Reino do Garcia, mais precisamente no bairro Progresso. E a estadia aqui é longa: já são mais de 80 anos (mais ou menos) que meus avós estabeleceram-se por estas bandas, criando raízes, empreendendo comercialmente e cultivando sua prole.
Motivo de orgulho? Naturalmente! Apaixonado pela história como sou, recordar este passado em que meus familiares tomaram parte enchem de orgulho este escriba. Afinal, a primeira reverencia nossa vem do passado, dos nossos ancestrais, o que eles construíram e nos deixaram para continuar construindo e aprimorando na vida. A eles gratidão, claro!
Mas deixa eu voltar a umas páginas dessa história por um breve momento. Recentemente, os posts do honorável Sgt. Junkes (Tiago Junkes) recordaram algo sobre a casa que destaca este post. O nº 2421 da Rua Progresso, vizinha a minha casa na esquina da Rua Guarapari, altura da ponte da Rua Ruy Barbosa (Ponte Gustavo Krug ou “Ponte Preta”). Ali teve história, do principio ao fim e pra muita gente, muito mais do que qualquer mortal da redondeza possa pensar.
Segundo meu avô, o inesquecível Godofredo Heiden, a casa ainda não existia de fato no terreno. Seu dono, o “carpinteiro faz-tudo” Eugen Maier tinha outra casa logo atrás desta, mas após o falecimento de seu pai, ele e a família mudaram-se para a Rua Ruy Barbosa e colocaram a casa em aluguel para um comerciante de sobrenome Struck, e, mas tarde, para um sujeito de sobrenome Piske.
Mas tarde, Piske passou o estoque do pequeno armazém que havia ali para Inácio Borges, Por volta de 1925, Borges amplia o espaço para abrigar também sua residência. Ele não era seu proprietário, pagava aluguel à Eugen, o legitimo dono do terreno (até hoje!). Anos depois, Borges passaria o ponto para dois cunhados, de sobrenomes Manske e Knopp.
Meu avô entra nessa história em 1942, quando ele e o irmão, Paulo Heiden, adquirem o ponto no esquema “porteira fechada”, com tudo que tinha dentro da loja-residência. E a recordação do “dindinho” ia longe quando recordava a velha casa de secos e molhados que mantinha na casa. Nos domingos, era preciso abrir a janela lateral pra dar conta do movimento. Não óbvio, era o único armazém de grande porte após a Artex, sendo assim por muitos anos.
Era também um dos mais “modernos” no segmento na redondeza. Contava até com uma espécie de geladeira no porão, que graças a temperatura amena, eram mantidas as bebidas, sempre frescas para os frequentadores da pequena bodega que se formava ali mesmo. Coisa tipica daquele tempo.
Em 1961, Godofredo terminou de construir sua casa no outro lado da esquina e deixou a vida de inquilino para realizar o sonho da casa própria. O casarão volta à posse da família Maier, indo morar por lá o filho Heinz Maier, a esposa Magnólia Maier e os filhos do casal, além da mãe de Heinz, Ida Maier. Eugen, que criava cavalos e outros animais, ficara morando sozinho na Rua Ruy Barbosa.
Um breve parenteses, a morte de Eugen Maier, se não é folclórica tem lá sua dose de mistério. Ele voltava do armazém de Godofredo levando os sagrados dois quilos de milho que comprava para seus animais todo dia, além de uns tragos no estômago e nas ideias. Ele literalmente “sumiu” ao entrar a pé na Ruy Barbosa. Foi encontrado morto no dia seguinte pelas crianças que iam para o colégio, caído numa pedra perto do leito do ribeirão, com o saco de milho nas mãos e com o guarda-chuva pendurado no pescoço.
De volta ao casarão, a família Maier praticamente escreveu sua própria história dentro dela e o espaço do antigo armazém abrigou de tudo, de um pequeno botequim até uma empresa de sonorização – a Radical Som – do filho de Heinz, Cesar Maier. Tempos depois, a casa foi se esvaziando, Magnólia se mudou para São Paulo, Heinz Maier faleceu tempos depois e, por anos, apenas a tia de Heinz, Regina, também deixou a casa para ser abrigada na Casa São Simeão.
A casa passou a qualidade de imóvel abandonado, sinônimo de incomodo para o trânsito e abrigo de andarilhos, usuários de drogas e vândalos. Negociações não faltavam para derrubar a velha casa, uma vez que apenas a fachada era no “estilo enxaimel”. De tanto empurra entre a família e a prefeitura, a casa não esperou: foi destruída por completo num incêndio até hoje misterioso na tarde-noite em 2 de maio de 2006.
Longa trajetória, é verdade. E quem vê pode pensar livremente: “era apenas uma casa”. Mas para uma comunidade, até o mais reles elemento pode contar uma grande história. Foi assim com o 2421 da Rua Progresso, e no que hoje é um matagal apagado tem sua parcela de histórias como tantos outros cantinhos simples de Blumenau, que parecem insignificantes mas que contam muito da memória das comunidades que fazem o dia a dia de um bairro.
Assim é a história, entre seus moradores, tijolos e saudades.
Parabéns pelo importante resgate histórico. Essa casa fez parte da minha infância.
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